Tramita pelo senado italiano desde o ano passado um projeto de lei que busca dificultar o processo de reconhecimento da cidadania. Conforme a proposta, será necessário comprovar a ascendência em linha reta até o terceiro grau de cidadãos italianos nascidos ou residentes na Itália, além de ter a fluência na língua local ao menos no nível B1, considerado intermediário. Já para as solicitações além do terceiro grau, o texto prevê que também será preciso comprovar residência na Itália por, pelo menos, um ano ininterrupto.
O texto é de autoria do vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores, senador Roberto Menia, do partido Fratelli d’Italia, o mesmo da primeira-ministra Giorgia Meloni. O Disegno di Legge 752 (projeto de lei) foi protocolado em 22 de junho do ano passado e busca alterar a lei 91 de 5 de fevereiro de 1992.
De acordo com o deputado Fábio Porta (Partido Democrático), eleito em 2022 pelos cidadãos italianos que residem na América do Sul, neste momento o projeto está parado no Senado e vê poucas possibilidades de ele ser aprovado.
— Estamos longe disso (aprovação). Eu quero também alertar para evitar que se gere um pânico, um medo inapropriado, porque existe essa preocupação. Não é a primeira vez que se fala nisso, mas neste momento não estamos próximos dessa aprovação porque o projeto está praticamente parado — disse Porta.
Segundo ele, o texto apresenta falhas jurídicas e não há previsão sobre quando deve ser votado. O texto precisa ser trabalhado, inicialmente, pela própria Comissão de Relações Exteriores, ser aprovado pelos senadores e, posteriormente, pelos deputados.
— A minha opinião é que os apresentadores (do projeto de lei) neste momento consideraram oportuno esperar para levar para frente o projeto também em consideração aos protestos e das repercussões negativas que teve principalmente no Exterior, em especial no Brasil e nos demais países da América do Sul — destacou o deputado italiano.
Porta ressalta que está se tornando corriqueira a publicação de projetos que busquem mudar a lei de reconhecimento da cidadania italiana. A tradutora juramentada Sandra Dall'Onder, que também atua em processos de reconhecimento de cidadania italiana, compartilha a preocupação referente as propostas que buscam dificultar reconhecimento à cidadania. Pelas restrições propostas no texto de Menia, ela também acredita que o projeto não passará.
Para Giuseppe Pinelli, advogado e integrante do Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE), trata-se de "uma proposta confusa". Ainda assim, alerta que, caso seja aprovado tanto no Senado como na Câmara, possivelmente haverá uma contestação na Corte Constitucional Italiana, equivalente do Supremo Tribunal Federal brasileiro.
— Porque estamos falando de um direito (ao reconhecimento da cidadania italiana) que está com a pessoa no momento em que nasce — explicou o advogado.
Quem pode solicitar a cidadania atualmente?
A lei em vigor desde 1992 na Itália determina que qualquer pessoa que tem um italiano na árvore genealógica pode entrar com o pedido de cidadania, algo que não é comum em outros países. Em Portugal, por exemplo, ela é limitada à segunda geração. Ou seja, apenas filhos e netos de portugueses podem solicitá-la.
De acordo com David Manzini, CEO da Nostrali Cidadania Italiana, atualmente há mais do que uma forma de solicitar esse reconhecimento. Uma das opções é fazer junto ao consulado da região via agendamento, em que o solicitante precisa aguardar para ser chamado em um processo, que pode demorar entre 10 a 15 anos. Há, segundo ele, também a possibilidade de fazer via judicial, em que os descendentes procuram auxílio jurídico para evitar a demora.
— Eu diria que 98% dos nossos clientes optam por entrar com uma ação contra o Ministério do Interior Italiano para ter reconhecido o direito à cidadania e essa ação tramita por aproximadamente dois anos. Ou seja, a pessoa não precisa nem sair de casa. Ela assina uma procuração para o nosso escritório na Itália e acompanha através de um aplicativo — explica Manzini.
Atualmente, a única obrigação de comprovar o conhecimento na língua italiana — uma das propostas de Menia — é para quem solicitar a cidadania via matrimônio. Nesse caso, o requerente precisa comprovar a fluência no nível B1 por meio de prova em instituições de ensino que são reconhecidas pelo Ministério da Educação da Itália.
Fila de espera no RS
Conforme o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre, no ano passado foram reconhecidos cerca de 4 mil novos cidadãos ítalo-brasileiros, com aumento de 77% na emissão de cidadania italiana em relação a 2022. Mas, ainda são 65 mil pessoas com processos encaminhados, 4 mil a mais do que em dezembro de 2022. A estimativa do órgão é que um terço da população do Rio Grande do Sul tenha direito à cidadania italiana. Isso representa em torno de 4,5 milhões de gaúchos.
Em 2023, também foram emitidos cerca de 13 mil passaportes italianos. De acordo com o Consulado-Geral em Porto Alegre, uma média mensal de são 1,1 mil, número cinco vezes superior ao de 2022. Para ter esse documento, é necessário já ser cidadão italiano e estar inscrito no consulado.