ATUALIZAÇÃO: após a publicação desta matéria, a prefeitura de Caxias do Sul solicitou a publicação de um contraponto a respeito de situações citadas que envolvem a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central do município. O Executivo aborda quatro tópicos principais, que foram levantados durante audiências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde, na Câmara de Vereadores, e reiterados pelo presidente da comissão, vereador Rafael Bueno (PDT). A nota, na íntegra, está no final deste texto.
Quinze dias após o depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde na Câmara de Vereadores, o diretor-geral da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central de Caxias do Sul, Alessandro Ximenes, foi demitido pela empresa gestora da unidade, o Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão em Saúde (InSaúde). Segundo a secretaria municipal da Saúde (SMS), Ximenes participa do período de transição, mas já foi substituído por Marcel Angelo Bertini Cardoso. Segundo relatos de servidores da UPA, Ximenes foi surpreendido com a informação da sua saída e deixou o cargo na última terça-feira (12).
Em nota, a SMS explica que "as contratações e demissões de funcionários das UPAs são incumbência exclusiva das empresas gestoras, ou seja, o InSaúde, no caso da UPA Central, e a Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS), no caso da UPA Zona Norte". A reportagem tentou contato com o InSaúde para entender as motivações da troca, mas não obteve retorno até esta publicação.
Marcel Bertini tem graduação em Administração Hospitalar pela Unisinos, onde também realizou pós-graduação em Administração Financeira. Além disso, o novo diretor da UPA Central é pós-graduado em Saúde Pública pelo Centro Universitário São Camilo, de São Paulo. Marcel tem 25 anos de experiência em instituições de saúde nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Goiás. Seu trabalho mais recente foi como diretor administrativo do Hospital de Caridade de Canela, onde ficou por cinco meses entre janeiro e maio deste ano.
Nos bastidores, o trabalho de Ximenes era mal avaliado por colegas da UPA. No depoimento à CPI, em 28 de agosto, o então diretor da unidade de saúde confirmou que havia assumido o comando em 1º de junho, dias após o episódio em que um paciente que estava em frente à UPA Central em 22 de maio deste ano teve o atendimento negado pela equipe, que foi inclusive um dos motivos para a instalação da comissão de inquérito.
Ainda durante a audiência, Ximenes evidenciou que médicos são contratados por meio de uma empresa terceirizada para atuarem na UPA Central, o que, na avaliação dos vereadores, caracteriza uma quarteirização — que é quando uma empresa terceirizada contrata uma segunda empresa para suprir a demanda —, que é vedada pelo contrato entre a prefeitura e o InSaúde. Questionado, Ximenes respondeu que é uma cogestão e que seria um erro no contrato.
Outro assunto abordado por Ximenes foi a irregularidade no registro de horas de médicos, um tema que foi ampliado durante oitiva da secretária municipal de Saúde, Daniele Meneguzzi, em 5 de setembro. A chefe da pasta confirmou a discrepância, que foi identificada pela comissão fiscalizadora da UPA. Os profissionais, ligados à empresa JC Serviços Médicos S/S que prestava serviço ao InSaúde e da qual os médicos são sócios, apresentaram uma produção de horas maior do que a quantidade de serviços prestados. O quantitativo chamou atenção dos fiscais, que identificaram uma irregularidade retroativa desde que a gestora começou a prestar o serviço na UPA, e que custou à prefeitura R$ 1,3 milhão. Segundo a secretária, este valor já está sendo ressarcido ao município.
— O plano de trabalho original das UPAs prevê que todos funcionários sejam contratados via CLT, mas com médicos isso não foi possível. A realidade da contratação de médicos via CLT não é atrativa e custa mais caro. Ambas UPAs utilizam serviços através de empresas de médicos, e uma dessas empresas apresentou notas, uma produção de horas médicas maior do que as horas médicas efetivamente prestadas. Identificamos no ano passado a irregularidade de registro de horas que efetivamente não foram prestadas. Este valor já está sendo ressarcido, já está em dívida ativa, o dono do InSaúde negociou com a receita municipal e já estão sendo ressarcidos — explicou a secretária à CPI, quando também admitiu certa insatisfação com a gestão da UPA Central.
Avaliação da CPI
A CPI foi instalada em 3 de julho e, desde então, já realizou nove reuniões ordinárias, nas segundas-feiras às 8h30min, além de três oitivas de testemunhas: foram ouvidos o então diretor da UPA Central, Alessandro Ximenes, a diretora da UPA Zona Norte, Renata Demori, e a secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi. Ao todo, segundo o presidente da CPI, vereador Rafael Bueno (PDT), 72 requerimentos foram aprovados até o momento, como pedidos de informação sobre unidades e ações na área da saúde, documentos e contratos. Foram solicitadas informações para a SMS, para as gestoras das UPAs, o InSaúde e a Fundação Universidade Caxias do Sul (Fucs), assim como para os hospitais Geral e Pompéia.
O que a gente vê é uma sistema terceirizado de saúde totalmente com problemas, com ações criminosas dentro da UPA Central
RAFAEL BUENO
Vereador de Caxias do Sul e presidente da CPI da Saúde
Na avaliação de Bueno, o material levantado até o momento evidencia uma situação "preocupante" na saúde pública de Caxias do Sul. Para o presidente da comissão, as principais informações foram descobertas nas oitivas de Ximenes e Daniele, e a expectativa do vereador é levantar mais informações nas próximas audiências.
— O que a gente vê é uma sistema terceirizado de saúde totalmente com problemas, com ações criminosas dentro da UPA Central. São fraudes apontadas, a empresa JC, que é quarteirizada, terá que devolver R$ 1,314 milhão, é um grande escândalo com recursos públicos. E a gente vê com preocupação a passividade com que a prefeitura tratou esse rombo, esse valor que terá que ser devolvido. A fala do Alessandro (Ximenes) foi muito preocupante, ele identificou a sala do sono, em que profissionais descansavam em horário de expediente, quando deveriam estar cumprindo suas funções e não estavam — disparou.
A próxima oitiva deverá ser da ex-supervisora de atendimento da UPA Central, Margarete Zietolie, que deve ocorrer na próxima sexta-feira (15), às 9h. Na reunião extraordinária da CPI realizada no dia 6 de setembro, foram aprovadas as convocações, além de Margarete, da presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos em Serviços de Saúde de Caxias do Sul (Sindisaúde Caxias), Bernardete Giacomini, e de duas ex-dirigentes da UPA Central: ex-coordenadora de enfermagem, Baltira dos Santos, e a ex-diretora geral, Ivete Borges.
A comissão de inquérito tem funcionamento previsto para 120 dias, contatos a partir de 3 de julho — o prazo encerra-se em 31 de outubro, mas há a possibilidade de o prazo ser ampliado por mais 120 dias, o que já vem sendo debatido pelos vereadores. Além de Bueno, a CPI é composta por outros nove parlamentares: Maurício Scalco (Novo, vice-presidente), Estela Balardin (PT, relatora), Adriano Bressan (PTB), Alberto Meneguzzi (PSB), Alexandre Bortoluz (PP), Olmir Cadore (PSDB), Renato Oliveira (PCdoB), Rose Frigeri (PT) e Velocino Uez (PTB).
Nota de esclarecimento da prefeitura
"Em relação às questões apontadas pelo vereador Rafael Bueno na reportagem publicada nesta quinta-feira (14/9) no jornal Pioneiro, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) pontua que todas já haviam sido esclarecidas durante o depoimento da titular da pasta, Daniele Meneguzzi, à CPI da Saúde, no dia 5/9. Durante mais de seis horas Daniele explicou sobre esses e outros questionamentos, parte deles já mencionados e explicados, inclusive, em reportagem do jornal Pioneiro do dia 6/9.
Um desses pontos, já devidamente esclarecido pela secretária em seu depoimento e em reportagem anterior do próprio jornal, trata da devolução de valores pelo InSaúde à prefeitura em função da cobrança de valores por horas médicas não trabalhadas, a que o vereador se refere como “fraude”. Tão logo a irregularidade foi percebida pela equipe de fiscalização das UPAs da SMS, em agosto de 2022, foi iniciada investigação. Em abril de 2023 foi aberto processo administrativo para ressarcimento aos cofres públicos, portanto, antes da CPI. O InSaúde foi penalizado a devolver os valores, no montante de R$ 1.314.533,98. Esse montante já começou a ser pago pelo InSaúde, em parcelas junto à Secretaria Municipal da Receita Municipal, o que incorre, inclusive, em juros. Logo, não houve “passividade” do Poder Público, como acusado pelo vereador.
Outra questão mencionada pelo vereador foi a já extinta “sala do sono”. A situação foi identificada pela Secretaria Municipal da Saúde no final de junho e, na primeira semana de julho, o espaço foi desfeito, voltando a funcionar como sala de procedimentos e, portanto, não existe mais.
Embora o vereador Rafael Bueno diga que as situações foram “descobertas nas oitivas”, todas já haviam sido pontuadas e podem ser visualizadas nos documentos enviados pela SMS antes mesmo dos depoimentos. A SMS preza pela transparência e tem respondido a todas as solicitações da CPI. No depoimento da secretária, inclusive, foram repetidas todas as informações que já haviam sido prestadas por escrito e que se encontram, inclusive, no Portal da Transparência.
A reportagem cita, ainda, que os vereadores avaliaram a existência de “quarteirização” nas UPAs. Da mesma forma, essa questão foi esclarecida pela secretária da Saúde, que explicou que, esgotadas as possibilidades de contratação de médicos via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para preenchimento das escalas, há a possibilidade de contratação por meio de empresas das quais os próprios médicos são sócios, o que não caracteriza quarteirização. Ou seja, trata-se de uma última possibilidade, recurso para que as escalas médicas não fiquem incompletas e seja garantido o atendimento à população. A SMS informa, ainda, que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que a contratação de funcionários por meio de empresas das quais são donos não é forma de burlar a legislação trabalhista, o que consta na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e Agravo de Reclamação ARCL 47843. Além disso, procedimento administrativo do Ministério Público do Trabalho (MPT), tratando do assunto, foi arquivado pelo próprio órgão, em 22/08/22.
A SMS pondera que não foi procurada pela reportagem para responder às questões levantadas e que são, pontualmente, mais uma vez esclarecidas nesta nota."
Os contrapontos mencionados acima pela prefeitura, relativos à quarteirização de serviços na UPA Central e à irregularidade no registro a mais de horas de médicos em relação a serviços prestados, que produziu um custo de R$ 1,3 milhão, valor que está em fase de devolução aos cofres públicos, constam nesta reportagem. Foram reproduzidos os esclarecimentos da secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi, a respeito desses tópicos feitos em depoimento à CPI da Saúde, na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, no dia 5 de setembro de 2023.