O biólogo Adriano Souza da Cunha foi o entrevistado do programa Gaúcha Hoje da Rádio Gaúcha Serra, nesta segunda-feira (8). Ele explicou os motivos que levaram ao planejamento das travessias aéreas para animais, iniciativa inédita no Brasil. Cunha foi o responsável pelo estudo ambiental da construção da Rota do Sol na década de 1990, que resultou na criação da Reserva Biológica Estadual Mata Paludosa, no trecho onde foram instaladas as passarelas aéreas e também onde já existiam túneis subterrâneos. Confira alguns trechos da entrevista concedida às jornalistas Babiana Mugnol e Juliana Bevilaqua:
Gaúcha Serra: Explique um pouco do contexto que envolve a passarela para anfíbios, pois é algo inédito nesses moldes.
Adriano Souza da Cunha: Com certeza é uma situação única, não tenho conhecimento de nada parecido no mundo. Participei de uma equipe nos anos 1990. O Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) havia contratado uma empresa de engenharia para fazer o estudo. A rodovia era sem pavimento, muitos devem lembrar, foi uma questão bem polêmica. Muitos não queriam a pavimentação da Rota do Sol, porque se trata de um dos poucos remanescentes de Mata Atlântica no Rio Grande do Sul. Fizemos um estudo e desde o início a nossa equipe detectou a importância dessa área da Mata Paludosa, é uma diversidade e uma riqueza de espécies assombrosa. Já trabalhei em vários locais no Brasil e nunca vi uma área desse porte, que é pequena, pouco mais de 200 hectares, com tanta diversidade de espécies de mamíferos e de anfíbios, sobretudo. É bom destacar que o leito da rodovia, o traçado, já existia quando encontramos essa área e sugerimos à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que fosse transformada em reserva. Portanto, não foi a estrada que cruzou a reserva e sim, reserva que foi colocada nos dois lados da estrada. Havendo mata dos dois lados, era esperado que os animais pudessem, por instinto e para atender as suas necessidades biológicas, cruzar a estrada para ocupar as áreas do outro lado. Isso é um instinto que eles têm e é incontrolável, mesmo havendo a barreira e o risco de morrerem atropelados. Sabendo que haveria esse problema de circulação, desde o início sugerimos a passagem de fauna, as primeiras por baixo. E elas foram construídas. Existem desde o começo e são eficientes para muitos grupos. Nós temos registros com armadilha fotográfica que faz a filmagem ou fotografa de modo remoto, de muitos animais passando, muitos mamíferos, até aves, saracuras, cruzam por essas passagens inferiores. Mas percebemos que as passagens não eram eficientes para animais arborícolas, que são aqueles que vivem sobre as árvores. E além das pererecas que têm sido muito citadas, existem outros, existem serelepes – mais comum representante dos esquilos no Brasil –, ouriços e serpentes que habitam as árvores. Esses animais não têm o hábito de ir até o solo mas, mesmo assim, se viam obrigados a cruzar o asfalto para ir até o outro lado, para atender a essa demanda que eles têm de buscar novas áreas, buscar parceiros. Vimos que havia uma grande mortandade de pererecas, havia sapos também, mas em menor número e também outros grupos, serpentes e pequenos mamíferos. Isso é pouco visível porque são animais pequenos, quando um carro passa por cima disso, não sobra muita coisa. É difícil de ver, os nossos técnicos tinham que caminhar lentamente pela estrada para poder verificar, mas se comprovou, temos estudos e centenas de registros. Baseado em todos esses estudos de longo prazo — foram muitos anos monitorando — surgiu a ideia, foi uma adaptação, de implantar passagens para favorecer também esses bichos. A importância de uma espécie é imensurável, temos ali um risco de perder duas espécies. No Rio Grande do Sul, a perereca-risadinha e a perereca-macaca, estão restritas a este local, então, se continuasse como estava, elas seriam extintas. Nós não podemos ficar de braços cruzados esperando a extinção, somente porque não temos um método definido, já consagrado, para tratar desta questão. Então buscamos uma solução que é original. Nós temos como afirmar que ela será efetiva? Não, não temos. A ciência não permite isso, mas buscamos, através daquilo que entendemos, de estudos, de muitas pessoas envolvidas, fazer aquilo que é melhor e vamos monitorar, buscar complementar porque essa estrutura está longe de estar pronta.
Um ouvinte pergunta se o acrílico pode esquentar e fritar os bichos que fazem essa travessia. Como que vai ser feita a travessia desses animais, como que eles vão utilizar?
O calor pode ser um problema, mas nós temos que entender que mesmo com o asfalto extremamente quente, os animais continuam cruzando por ele, que é mais quente do que seria a estrutura da passagem. Mas não se espera, nunca foi nossa ideia, que aquela estrutura tal qual está hoje permaneça assim, seja o suficiente. Nós vamos torná-la mais amigável aos animais, mais atraente. Como? Fazendo com que a vegetação, as trepadeiras, espécies nativas, possam colonizar, possam ocupar essas passagens, ou seja, vai ficar uma passarela vegetal. Aquela estrutura metálica que está lá está preparada para receber, para ser colonizada por plantas, que vão tornar aquele conjunto mais atraente. Então, os animais estando na parte superior da mata, vão se manter nessa posição, sem precisar descer ao solo, e vão seguir, quase que da mesma altura, até o outro lado, passando sempre por cima de vegetação. Nós temos que pensar quais critérios usar. Com os técnicos da Sema e também ouvindo o Ibama, órgão licenciador da Rota do Sol, que também está envolvido nisso, nós vamos em conjunto definir espécies de rápido crescimento que possam cobrir a passarela e permitam que os animais passem, sem, por exemplo, ter queimaduras num metal quente.
Muitas pessoas estão questionando o valor do complexo, incluindo todas as passagens subterrâneas, o cercamento com material. Tudo isso chegaria a R$ 2 milhões. O pessoal olha aquela passarela metálica e afirma que o valor é alto. Mas o senhor está falando também desse projeto paisagístico que tem que ser feito, tem também algum material especial envolvido que justifica essa valor elevado?
A questão do que é elevado, aí cabe a cada um, cada um tem a sua valoração. Este valor citado, que foi citado pelo Daer, envolve todos os contratos dessa etapa. Isso seria o contrato para a realização dos estudos que tiveram início em 2017, pela Biolaw Consultoria Ambiental, empresa contratada por licitação pelo menor preço. E envolve o contrato da empresa Invicta Engenharia, que projetou, produziu e instalou as estruturas. Portanto, os R$ 2 milhões são o somatório dos dois contratos. O contrato é público, está divulgado no site do Daer e não tenho nenhum problema em falar sobre ele. O contrato da Biolaw tem o valor de R$ 336 mil. Estamos trabalhando desde 2017. Eu posso afirmar, sem nenhum problema, que esse contrato não é muito rentável em função das despesas, do tempo decorrido e do número de pessoas que trabalham. Então, fica longe de ser um valor exorbitante. Mas cada um tem a sua régua. Sei que com R$ 2 milhões não se faz um quilômetro de rodovia partindo do zero. Não sei como responder nesse caso. Se uma pessoa considera que para fazer uma ação que vai garantir a preservação de pelo menos duas espécies, gastar R$ 2 milhões ao longo de três ou quatro anos é um dinheiro muito elevado, uma quantia muito elevada, aí depende do valor de cada um. Eu não consigo mensurar, definir o que seria o valor da preservação de uma espécie de vertebrados. Para mim, vale muito mais que isso, mas aí é uma visão pessoal.
Ouça a entrevista na íntegra: