Numa terra tão ligada à cultura italiana, o Prost! (saúde, em alemão) ganha espaço neste mês de outubro, quando Caxias do Sul é invadida por uma série de oktoberfests. A festa já representa o maior movimento do ano para algumas cervejarias. Há casos em que é a segunda data com mais vendas, perdendo apenas para o Carnaval.
Uma história que começou lá no ano de 1810, com a realeza alemã. Foi criada na festa de casamento do rei Ludwig I (ou Luís I) e da princesa Teresa de Saxe-Hildburghausen, em Munique. O sucesso da celebração de uma semana foi tão grande que passou a se repetir anualmente, até se tornar um evento do povo, em que a cerveja é o símbolo maior.
Com os anos, ela se expandiu para o mundo em cidades de origem alemã. No Brasil, a mais famosa é a Oktoberfest de Blumenau (SC). No Rio Grande do Sul, a de Santa Cruz do Sul. E aos poucos aterrissou em regiões originalmente de outras culturas, como Caxias do Sul, que atualmente é o quinto município do Brasil com mais cervejarias.
Uma das provas disso é o evento que a Cervejaria Ordeo organiza em Galópolis, distrito fundado em 1892 com chegada dos imigrantes italianos. Matheus Motta, gestor comercial e sommelier de cervejas da Ordeo, confirma que a Oktoberfest é muito aguardada pela comunidade e reúne de 1,5 mil a 2 mil pessoas, com muitas famílias presentes. Neste ano, a festa ocorreu no último sábado (15), na praça central da localidade.
— A questão cultural da cerveja está muito enraizada no brasileiro. Quando falamos em Oktoberfest, isso se popularizou nos últimos anos com o boom das cervejeiras artesanais, de 2010 para cá, em que começaram a fazer a festa de forma mais expressiva. Então, de fato, as pessoas esperam por este evento e aguardam ansiosamente o ano inteiro — garante Motta.
E se depender do mercado cervejeiro, esta cultura veio para ficar. Como mostra o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o número de cervejarias cresceu de 142, no ano de 2017, para 285, em 2021, no Rio Grande do Sul. Conforme dados do ano passado, Caxias tem 19 registradas, com mais de 200 rótulos e mais de 200 mil litros produzidos por mês - no Estado, fica atrás apenas de Porto Alegre, com 43 fábricas.
— Eventos sempre são importantes e bem-vindos. Trazem a ampliação de fluxo, e consequentemente do faturamento e dão visibilidade para o empreendimento e cidade. No caso de Oktoberfest, acompanhamos o aumento desta celebração nos últimos tempos. Com a significativa alta no número de cervejarias acreditamos ser um movimento natural e que vai posicionando Caxias e região na rota da cerveja e das Oktoberfest. O Segh (Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria Região Uva e Vinho) vê com muito bons olhos este movimento que apresenta a oferta diversificada de empreendimentos, o posicionamento das cervejarias e demonstra as muitas possibilidades de lazer em Caxias do Sul e na região. Segundo os nossos associados empresários, a Oktoberfest é mais um atrativo que combate a sazonalidade e tem trazido resultado para o estabelecimento — analisa Márcia Ferronato, da diretoria executiva do sindicato.
Na Cervejaria Ordeo, inclusive, a Oktoberfest se tornou o principal evento do ano, também pelo impacto financeiro. Motta calcula que cerca de 2 mil litros são consumidos na festa. Neste ano, a empresa trará até uma segunda festa, mas em ambiente diferente. Em setembro, o pub Ordeo Garden Station foi inaugurado no Centro de Caxias e, no próximo sábado (22), organiza a sua primeira Oktoberfest. Embora menor do que a de Galópolis, onde a Ordeo tem sede há 10 anos, a festa é bastante aguardada, até mesmo para conquistar o público que ainda não frequenta o bar.
Um segundo carnaval
O La Birra, que hoje tem sete unidades no RS, é um dos estabelecimentos responsáveis por reforçar a tradição típica da Alemanha em Caxias. Luana Matos, do marketing do brew pub (local em que a cerveja é feita e consumida no mesmo lugar), comprova que a marca ganha um grande reconhecimento com a festa. O bar tem a maior Oktoberfest do município, levando a festa para a rua - fechando parte da Rua Dom José Barea. A 7ª edição, realizada em 8 de outubro, foi a prova de que a tradição iniciada com o La Birra se tornou permanente no calendário dos caxienses. A festa foi a primeira sem as restrições da pandemia e surpreendeu pela procura. Em poucas horas, por exemplo, o público esgotou os ingressos do primeiro lote do evento. No total, cerca de 3 mil pessoas confraternizaram.
— É o primeiro na rua após a pandemia. No ano passado, fizemos um interno no bar, foi legal, mas não chega nem aos pés do que a gente espera — conta Luana.
Para a Oktoberfest, o La Birra contou ainda com diferenciais, como show do Musical JM, a presença do ex-jogador de futebol Sandro Sotilli, e uma cerveja feita especialmente para o mês de outubro. O consumo da bebida símbolo do evento ficou em cerca de 5 mil litros. Pelo tamanho do evento, visibilidade gerada e participação do público, a festa se tornou um segundo Carnaval para o bar caxiense.
— É a festa do segundo semestre. É um segundo Carnaval. Não chega a tantas pessoas, pelo Carnaval ser mais brasileiro, mas aqui no Sul como um todo, eu acho que a quantidade de pessoas pode chegar a passar o Carnaval. E a Oktober é sobre cerveja, então para nós é perfeito — define a marqueteira.
O evento também tem uma importante movimentação na receita da marca, sendo um boa lembrança de que o verão está se aproximando - a estação é a principal do ano para as cervejarias.
Cerveja batizada com nome da festa
A Imaculada Microcervejaria, que organiza duas festas durante o mês de outubro em diferentes bares, também apostou em uma cerveja especial para o evento. Com o nome Oktoberfest, o rótulo festivo, que está apenas no segundo lote (o primeiro foi em outubro do ano passado), mistura o sabor e os ingredientes com a história da tradicional festa alemã. Como explica o sócio-diretor da cervejaria, Marlon Diego Rodrigues, a cerveja é da variedade Marzen, que se tornou símbolo da festa alemã após ser a mais consumida no casamento real que deu origem à celebração. Hoje, conta ele, este mesmo estilo é um dos mais consumidos das Oktoberfests de Munique.
— Originalmente, era fabricada no final do outono (europeu, em dezembro) para ser consumida em outubro. Então, ficava guardada durante meses, porque não se tinha controle de temperatura e de fermentação. No verão não se produzia cerveja. Então, a Marzen era a última fabricada no outono e ficava armazenada para ser consumida na saída do verão. E no casamento do rei Ludwig I e da princesa Theresa, a Marzen foi a mais consumida e mais apreciada, e assim aconteceu nos anos seguintes — conta Rodrigues.
A cerveja Oktoberfest é descrita como um pouco mais maltada - com sabor de malte mais acentuado -, tendo malte tostado e lupulagem mais elevada para equilibrar o sabor:
— É uma cerveja bem gostosa. É para tomar bastante — descreve o sócio-diretor.
O investimento para a festividade não é à toa. Os quatro bares da Imaculada (dois em Caxias, um em Arroio do Sal e um em Porto Alegre) realizam a Oktoberfest, com participação de 600 a 800 pessoas em cada um e consumo médio de 1,5 mil litros, também em cada. As festas geram um aumento de 15% a 20% no faturamento do mês. Em outubro, a cervejaria realiza um último evento, no dia 29, no bar que funciona na própria fábrica da Imaculada. Para fechar bem o mês, a festa terá novamente bandinha alemã e grupos de outros estilos musicais.
— É uma festa importante, porque acontece na saída do inverno. Não só para nós, mas para o mercado. No inverno, temos uma redução de 50% no volume de vendas, em relação à nossa "safra", que é o verão. Outubro ainda não é verão, ainda é meio frio, então a festa tem um impacto positivo bem legal. Ela movimenta bastante os bares e a fabricação — avalia o cervejeiro.
Oportunidade de movimentar o pub
Jeferson Baumgarten Reche, proprietário do Monasterium Cervejas Especiais, concorda que a Oktoberfest ajuda a movimentar o pub, apesar de não ser considerada uma "abertura" do verão. Além de ganhar um aumento na receita com a festividade, o empresário nota que o mês como um todo já tem um reforço no movimento.
— Tem o cenário voltado para o evento. O ambiente cria um clima de festa — descreve Reche.
Atendendo de 350 a 400 pessoas na sua festa de Oktoberfest, no último sábado (15), o Monasterium também apostou em bandinha alemã, gastronomia típica e ambientação do pub. Mas, o que chama atenção do dono é que duas marcas de cervejas importadas da Alemanha, os chopes HB Original e Erdinger, se tornam mais procurados pelos consumidores.
— Eles se dão o direito de consumir mais essas cervejas, principalmente com as canecas de um litro. É tudo para entrar no clima mesmo — observa o proprietário do Monasterium.
Crescimento
:: Com Oktoberfest e também Copa do Mundo, entre novembro e dezembro, o Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja (Sindicerv) espera um crescimento de 8% em vendas em relação ao ano passado
:: Com isso, o Brasil chegaria a 15,4 bilhões de litros vendidos
:: Em 2021, o país foi o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, com 14,3 bilhões de litros, ficando apenas atrás de Estados Unidos (20,3 bilhões de litros) e China (35,9 bilhões de litros)
Celebração e um bom presente
No pub Santa Esquina Beer Shop, que completa dois anos em 5 de novembro, a celebração foi realizada em 8 de outubro e atendeu mais de 300 pessoas. No bar, localizado no bairro Santa Catarina, os consumidores podem escolher entre diversas variedades de cervejas, servidas nas 20 torneiras de chopes do local. Assim, os presentes não ficaram sem a bebida favorita, além de curtirem o ambiente decorado e com atrações musicais. Essa foi a segunda Oktoberfest do estabelecimento, que também realizou o Dia de São Patrício (festa típica da Irlanda) e terá um Halloween em 29 de outubro, promovendo o espaço pet friendly do estabelecimento, em que os participantes também são convidados a levar o seu bicho de estimação.
— Pelos cursos que temos de mestre cervejeiro, sommelier de cerveja e tecnologia cervejeira, e outros cursos, nós procuramos ter as melhores cervejas aqui. Então, tu vem aqui, tem IPA, Helles, por exemplo. A galera vem aqui não sai sem a cerveja que gosta — destaca o gerente Mário Marcos Milani, o Marcão.
Na Oktoberfest, ao mesmo tempo em que o público se alegrava com a festa, os consumidores também podiam conferir um importante diferencial do Santa Esquina: uma máquina de envase, importada da Rússia, que expulsa o oxigênio durante o enchimento da cerveja. Ou seja, a qualidade da bebida é mantida completamente para quem quiser levar para casa. Para isso, o pub conta com uma loja, em que comercializa growlers (recipiente para armazenar a cerveja), e também kits de presente, com copos e taças colecionáveis.
— Eu tenho casos de pessoas que levam para casa ou para praia, deixam dois meses na geladeira e, quando vão abrir, a cerveja ainda está perfeita, por causa desse processo —explica Milani.
Além de poderem levar um pouco desta cultura para casa, os frequentadores também sempre são convidados a aproveitar o espaço do pub.
— O pessoal gosta de vir com os filhos e as bandas da Oktoberfest gostaram muito. A gurizada sentou na frente e acompanhou todas as músicas — descreve o gerente.
Confraternização é o espírito da festa
Na Cervejaria Felsen, a Oktoberfest, acima de tudo, é sinônimo de confraternização. O administrador Anderson Mota descreve que os consumidores não apenas voltam ao bar após a festa, como sempre recordam as edições anteriores da celebração com carinho. Esse sentimento cria o clima de camaradagem, inserido também na organização do evento. Repetindo uma estratégia do ano passado, Mota conta que o espaço é organizado com grandes mesas. Dessa forma, os consumidores compartilham as mesas, o que gera interação e novas amizades.
— É um clima muito familiar. As pessoas vêm para se divertir, sem querer confusão. As pessoas gostaram disso. Todo mundo só falou bem pela tranquilidade. Tem muito casal, família. Vendemos ingressos para 10 pessoas da mesma família, por exemplo. O pessoal vem com esse espírito. Cerveja é isso, remete a reunir pessoas. Tu toma cerveja quando está feliz, ninguém toma cerveja para afogar as mágoas — descreve Mota.
Organizando a festa desde 2017, a Felsen viu a celebração crescer ano após ano, com exceção do período da pandemia. Em 2022, a Oktoberfest, realizada no último sábado (15), atraiu entre 500 e 700 pessoas, com consumo entre 800 litros e mil litros. Em um dia, a cervejaria tem 15% de faturamento do mês, reforçando também a importância da festa pelo lado financeiro. Com o crescimento do mercado cervejeiro em Caxias, o administrador espera que, nos próximos anos, um desejo de muitas cervejarias se torne realidade.
— Um dia espero que a gente se reúna para fazer uma (Oktoberfest) de Caxias, como tem de Santa Cruz e Igrejinha. Nós, em uma cidade desse tamanho, temos que ter uma (festa) assim. Mas, enquanto isso, vamos mantendo a tradição — projeta Mota.
Família também quer se divertir
O Galpão Gastro Pub, que funciona há quatro anos no bairro Bela Vista, teve neste ano a segunda edição da sua Oktoberfest. Para o mês, conforme os sócios Tiago Ramos e Marlon Lyra, a previsão é de um incremento de 30% a 40% no faturamento coma festa, que atende entre 500 e 600 pessoas. Assim como outros pubs, o estabelecimento apostou na venda prévia de ingressos, o que ajudou na previsão de consumo e atração do público.
— Até para se programar com questão de quantidade, que aí tem uma previsão melhor, para trabalhar mais seguro. A opção do ingresso foi para sentir como o pessoal está e para se programar — afirma Lyra.
Isso ajudou a prever o consumo entre mil e 1,2 mil litros. Para o dia, o pub também contou com bandas de diferentes estilos musicais, como rock, sertanejo, pop rock e reggae, e apostou, principalmente, em trazer um ambiente para a família. Os sócios notam como este perfil de consumidor busca cada vez mais opções de diversão.
— É como sempre falamos, vamos tentar aderir no que dá certo. As pessoas aderem muito, principalmente os jovens, e atendemos muitas famílias. Nós vemos que as famílias também querem se divertir — destaca Lyra.
Neste ano, o Galpão Gastro também buscou inovar na organização do evento, com a diversificação de estilos da bebida, um ensinamento que os sócios aprenderam na pandemia.
— A gente sempre bateu nessa tecla, a gente tem que inovar, tem que correr pra outros lados e não ficar bitolado sempre na cerveja ou estilo de chope. Então, sempre tentamos diversificar, até mesmo no cardápio e tipos de cerveja — explica Lyra.
Tem até a Caminhada Cervejeira
Quem aproveita para curtir o período de Oktoberfest são os integrantes dos Cervejeiros Caseiros da Serra Gaúcha (Cerva Serra). No dia 8 de outubro, a associação realizou a 3ª Caminhada Cervejeira. A iniciativa, que chama atenção dos apaixonados pela bebida, consiste em um trajeto por bares e pubs da cidade, escolhidos previamente. Nesta edição, 17 participantes passaram por cinco bares, encerrando o trajeto no Oktober do La Birra. Como explica o membro do diretório 2022/2024 do Cerva Serra Tiago Moreno, a atividade foi combinada previamente com as cervejarias e o grupo tomou uma variedade de cerveja em cada uma delas.
— A ideia inicial surgiu para tirar o associado de dentro da associação. Levar a associação para a rua, para sermos vistos de outra maneira. É uma atividade bem de integração, em que chegamos no bar, tomamos a cerveja do estilo definido e partimos para o próximo bar — revela Moreno.
As duas primeiras edições foram também realizadas em 2022, no final do verão e no meio do inverno. Como conta o diretor da entidade, o número de interessados só cresce com iniciativa _ há até mesmo não-sócios do Cerva Serra que gostaram da ideia e pediram para participar de futuras caminhadas. O plano é ter três caminhadas por ano _ a possibilidade de uma quarta, que seria uma edição noturna no verão, está sendo avaliada.
— A galera vai vendo que é um evento bacana e divertido. Inclusive, durante a caminhada eu vou postando nas redes. Até recebi mensagem de pessoas não-sócias que querem participar, então estamos vendo a possibilidade de abrir para esse grupo — relata Moreno.
A Caminhada Cervejeira faz parte de uma série de iniciativas para retomada do Cerva Serra após a pandemia, quando a entidade tinha mais de 100 associados - hoje, são 60. Além desse projeto, a associação tem ainda encontros internos: como reuniões técnicas uma vez por mês, em cada membro leva a sua cerveja e o grupo conversa sobre temas como técnicas de fabricação, workshops e cursos com profissionais para falar sobre as cervejas; e compras coletivas para o grupo.
Mas, o grande evento do Cerva Serra está prestes a acontecer. Em 26 de novembro, nos Pavilhões da Festa da Uva, a entidade celebra os 10 anos de atividade na "edição histórica" do Cerva Serra Festival. Aberto à comunidade, o evento é realizado em parceria com cervejarias registradas, com opções de ingressos para open food e open bar, além de três bandas como atração musical.
— É uma associação de cervejeiros caseiros, mas que tem muitos cervejeiros profissionais e renomados no mercado que surgiram no Cerva Serra — conta o integrante do diretório.