Nesta semana de homenagens aos mortos, fazemos uma“ viagem” ao Cemitério Público Municipal de 72 anos atrás. Destacada como “a sementeira do passado da cidade”, a necrópole caxiense teve parte de sua história resgatada pelo jornalista Duminiense Paranhos Antunes no álbum "Documentário Histórico do Município de Caxias do Sul 1875- 1950". Confira o texto original de 1950:
“O cemitério atual da cidade de Caxias do Sul, entregue hoje à Municipalidade, foi fundado em 1901, sendo transportados para o mesmo os restos mortais dos que haviam sido enterrados no primitivo e pequeno cemitério que existia antigamente no local em que se cruzam atualmente as ruas Bento Gonçalves e Moreira César, lugar esse conhecido nos primórdios tempos por‘ morrinho’.
A história do primeiro cemitério, onde também existia a primeira igrejinha tosca construída na Colônia – e para cujo campo santo foram levados os primeiros moradores falecidos –, é contada pelos antigos com a lembrança da grave epidemia que grassou na Colônia logo após a chegada dos colonos de origem polaca, fundadores mais tarde do povoado de São Marcos. A referida epidemia, atacando principalmente aqueles colonos, dizimou famílias inteiras moradoras do lugar. Os corpos eram ali sepultados, e os que sobreviveram, mudaram- se pouco depois para o núcleo onde hoje assenta a pitoresca Vila de São Marcos, que foi então batizada popularmente com o nome de São Marcos dos Polacos.
Mais tarde, com o alastramento da povoação, foi escolhido novo local para a construção da morada dos mortos, sendo, então, em 1901, inaugurado o cemitério atual”.
BRONZE E MÁRMORE
Alertas e denúncias sobre as más condições do cemitério público já eram uma realidade em 1950, conforme o texto original do livro:
“O cemitério não tem merecido a devida atenção dos que deveriam cuidar daquele patrimônio histórico. O poder municipal, embevecido pelo encantamento da cidade-moça, cuidando mais de embelezar a sua zona urbana, para o agrado dos visitantes, tem esquecido a necrópole, descurando- se do seu merecido cuidado. Apesar de possuir belos monumentos em bronze e mármore, com uma bem construída capela ao centro, na entrada, não está de acordo com a luxuriante estrutura da cidade, em franco progresso, conservando ele ainda em redor primitivas cercas de arame farpado”.
A saber: no início dos anos 1950, a entrada principal do Cemitério Público Municipal recebeu uma ampla reforma. A mando do governo municipal, foi construído o pórtico, complementado pelo portão de ferro e pela escadaria de pedra, o que, segundo o texto de 1950, “ oferecia uma melhor impressão ao visitante”.
SILÊNCIO SEPULCRAL
Além dos dados históricos sobre o surgimento da necrópole municipal, o autor Duminiense Paranhos Antunes visitou e descreveu poeticamente a“ morada eterna”. Confira o texto original de 1950 – com todo o rebuscamento e os exageros ufanistas da época.
“ Na contemplação objetiva de uma ideia, após havermos percorrido paragens longínquas, sacudindo a poeira dos arquivos, de onde exumamos fatos e coisas do pretérito, acompanhando a formação histórica dessa terra e a marcha evolutiva da cidade e do município, fomos nos deter às portas da Necrópole Caxiense, impregnada de misticismo. E ali, diante da majestade daqueles túmulos brancos, lendo as inscrições talhadas nas lápides antigas, sob as quais dormem o seu sono eterno os primeiros povoadores desta terra, sentimos que o passado de Caxias está dentro daquele pedaço de chão, da “cittá” dolente.
No silêncio sepulcral daquele lugar respeitoso, ouvindo apenas o sussurrar do vento sacudindo as palmeiras e as folhas dos ciprestes, sob cuja sombra se estende uma imensidão de cruzes assinalando os túmulos, e vendo as flores postas sobre o mármore das campas, ali colocadas por certo pela mão de alguém que ficou curtindo a saudade do ente querido que partiu, ficamos postados por logo tempo, com a imaginação abismada no etéreo, na contemplação do nada...
E após, lembrando o sacrifício por que passaram os que ali dormem o seu sono infindável, para levantar a gigantesca obra do presente, desbravando matas, construindo as primeiras casas, estendendo as primeiras searas, instalando as primeiras fábricas, pintando, enfim, uma nova civilização nestas paragens – para entregarem a nós a majestosa cidade que hoje é Caxias do Sul, sentimos aqueles túmulos como que falando, contando- nos a luta do passado e, numa apoteose, levantarem-se das campas frias todos aqueles bravos, para nos dizer, apontando a cidade, além:
— Fomos nós, pioneiros da terra, que, rasgando, as entranhas deste solo, nele lançamos a semente do progresso… Que a posteridade saiba avaliar o nosso sacrifício, elevando cada vez mais o nome de Caxias do Sul, que construímos...” .
UM FUNERAL EM 1945
Um dos funerais que mais mobilizaram a comunidade caxiense na primeira metade do século 20 foi o do empresário Abramo Eberle, falecido em 13 de janeiro de 1945, aos 65 anos. O cortejo fúnebre reuniu centenas de parentes, funcionários e amigos, que acompanharam o caixão desde o palacete da família (na esquina da Sinimbu com a Borges de Medeiros, local do velório), até o Cemitério Público Municipal.
Durante a passagem do esquife pelo portão principal da metalúrgica, funcionários organizados em alas exibiam fitas pretas no braço em sinal de luto.
Quando a comitiva parou, o lendário sino da fábrica (a campanela) tocou em homenagem ao fundador. Na sequência, o bispo Dom José Barea comandou os trabalhos do réquiem na Catedral.
A cerimônia de despedida, junto ao jazigo da família, foi conduzida pelo padre Ernesto Brandalise. Já os discursos ficaram a cargo do político Ary Zatti Oliva, representando a prefeitura, e do orador oficial da empresa, senhor Albano Volkmer.
Nas fotos acima, dois momentos da homenagem a Abramo Eberle ocorrida um ano depois, em 1946, quando a empresa completou seu cinquentenário de fundação. O orador Albano Volkmer e o padre Ernesto Brandalise conduziram a cerimônia.