Não há residência, igreja, capela, parque, praça, empresa e estabelecimento comercial de Caxias que, em algum momento do século 20 não tenha abrigado — ou abrigue até hoje — alguma imagem sacra desenvolvida no lendário Atelier Zambelli.
Com a recente reabertura do Memorial Zambelli, junto aos Pavilhões da Festa da Uva, e a um mês dos 70 anos da morte de Michelangelo Zambelli, em 10 de abril de 1949, recordamos das homenagens prestadas ao escultor pelos jornais "O Pioneiro" e "O Momento" na época de seu falecimento.
Em ambos, nas edições de 16 de abril de 1949, Michelangelo ocupou a seção "Necrologia", espaço destinado a destacar a trajetória de personagens ilustres da cidade — embrião do tradicional "Obituário". Provavelmente elaborado pela família, o texto publicado nos dois semanários é idêntico, com algumas subtrações de frases no Pioneiro, conforme reproduzido abaixo.
Nascido na comuna de Canneto Sull’ Oglio, província italiana de Mântova, em 26 de agosto de 1883, Michelangelo Zambelli tinha 65 anos.
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A seção "Necrologia" em 1949
Após longo período de pertinaz enfermidade, veio a falecer no dia 10, nesta cidade, o senhor Michelangelo Zambelli, um dos mais diletos filhos de Caxias. Pessoa vastamente estimada, descendente de velhos pioneiros da colonização, tinha por Caxias grande simpatia e atração, tanto que, tendo cursado a Academia de Artes de Milão, onde distinguiu-se com invulgar brilhantismo, tornando-se um artista de grandes possibilidades, não se importou de procurar centros maiores para dar a conhecer o seu talento. Retornando ao nosso meio, demonstrou sempre facetas de sua sensibilidade artística, de sua habilidade de escultor exímio e sentimental e de sua capacidade de concepção .
E assim foi que Michelangelo Zambelli, possuído de um desejo intenso de ver sua terra culta e grandiosa, trouxe para ela a sua contribuição. Os trabalhos artísticos que apresentava em público tiveram destacada admiração, constituindo mesmo verdadeira romaria e atração de forasteiros e artistas que vinham a Caxais à procura de seu atelier. Perpetuando o talento de Michelangelo, ficam nos templos religiosos da nossa cidade inúmeras imagens santas e tantas outras espalhadas pelos demais municípios do Estado — e até mesmo mesmo entre muitos da Federação Brasileira.
Na Estátua da Liberdade, que alterosa destaca-se na Praça Rui Barbosa, no coração da cidade, deixou ele um marco da sua habilidade e da sua alma de artista. Como chefe de família e como cidadão, demonstrava traços salientes de seu caráter e das suas nobres qualidades de amigo, pois era grandemente estimado pela bondade que sabia expandir.
Era casado com a senhora Adelina Stangherlin Zambelli, não deixando deste matrimônio nenhum filho. Pranteando-Ihe a morte, deixou seus irmãos Estácio, Edmundo e Ângelo Zambeli e as viúvas Carmela e Octacilia Zambeli, sendo ainda ligado por laços de família com os senhores Antônio Santo Basso, João José Conte e Jonatas Travassos.
A infausta notícia do falecimento deste caxiense ecoou profundamente no seio da sociedade local, a qual prestou assinalados serviços, pois teve a oportunidade de ocupar com muita dedicação diversos cargos em diretorias de algumas das instituições da cidade.
O seu sepultamento foi efetuado no dia 11, às 9h, tendo um grande acompanhamento.
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O início
A trajetória dos Zambelli teve início com a chegada do imigrante italiano Tarquinio Zambelli à Serra por volta de 1883. Egresso da Escola de Belas Artes de Milão, com amplo conhecimento em pintura, escultura e decoração, o patriarca logo introduziu os filhos Michelangelo, Mario Cilo, Annunzia, Estácio e Raffaele no ofício, levando-os para trabalhar no então "Grande Laboratório Artístico de Tarquinio Zambelli e Filhos".
De todos os descendentes de Tarquinio, Michelangelo foi o que teve atuação mais intensa na cidade e região da Serra. Após uma temporada em Buenos Aires, o primogênito fundou em 1915 o "Atelier de Escultura Michelangelo Zambelli & Cia Ltda", localizado na Av. Júlio de Castilhos, 815.
Com o falecimento de Michelangelo, em 1949, a esposa Adelina assumiu a direção do negócio, juntamente com o sócio Nilo Tomasi. A produção seguiu até o início dos anos 2000, quando o velho casarão de madeira, próximo ao Santo Sepulcro, começou a sofrer com a degradação física.
Passado um período de indefinições, entre 2002 e 2004, parte do acervo remanescente foi adquirido pela Festa Nacional da Uva, com suporte técnico e artístico do extinto Departamento de Memória e Patrimônio Cultural, da Secretaria da Cultura.
Nascia aí, no subsolo do Monumento Jesus Terceiro Milênio, o Memorial Atelier Zambelli — fechado desde agosto de 2017 e reaberto ao público em fevereiro último, após mais de um ano fechado para reformas estruturais visando controlar goteiras, mofo e umidade.
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