Passados 200 anos de seu nascimento, um dos mais interessantes e misteriosos personagens do Rio Grande do Sul ganha, finalmente, um registro histórico à altura de sua trajetória. Chega nesta semana ao mercado o livro "Escritos Perdidos: Vida e Obra de um Imigrante Insurgente – Johann Georg Klein (1822- 1915)", de autoria dos pesquisadores gaúchos João Biehl e Miqueias Mügge, ambos da Universidade de Princeton (EUA).
A obra conta a história de vida de Klein e revela uma nova e misteriosa faceta do admirável personagem que, apontado como o mentor intelectual da Guerra dos Mucker, passou seis anos na prisão, acusado de sedição contra o império brasileiro.
Nascido na região do Hunsrück – à época, Prússia Renana, e atualmente, Alemanha –, Klein imigrou para o Brasil em 1852, aos 30 anos. Vinha fugindo das guerras, do recrutamento militar e da miséria que afligia a Europa em finais do século 19. Chegando aqui, estabeleceu- se na Colônia de São Leopoldo, local onde foi colono, professor primário e pastor evangélico-luterano.
Em sua viagem da Alemanha ao Brasil, Klein trouxe consigo um surpreendente manuscrito, redigido pouco mais de uma década antes, quando tinha apenas 16 anos. Reunindo um extenso comentário bíblico-teológico e amplas reflexões sobre ética pessoal e comunitária, ele deu ao texto o título de "Vom Katechismus" (Do Catecismo) – confira mais abaixo.
TEOLOGIA LUTERANA
Em "Escritos Perdidos", o público também tem acesso a esse “livro transatlântico” (em tradução de Johannes Hasenack), além de vários ensaios que sobreviveram ao apagamento imposto pela história oficial. Considerado um raro testamento de teologia luterana leiga, o material resistiu intacto por quase 200 anos: primeiro sob os cuidados de sua família, depois sob a guarda do historiador Leopoldo Petry e seus descendentes, até chegar ao conhecimento de Biehl e Mügge, que à época pesquisavam sobre o cotidiano das antigas colônias alemãs do RS.
Dado como perdido para a história, o manuscrito original, visto por muitos como “o catecismo dos Muckers”, também foi digitalizado e, agora, pode ser consultado online por meio do site da biblioteca da Universidade de Princeton. A publicação do documento (produzido em letra gótica Sütterlin – antigo sistema de escrita cursiva germânica) permite uma nova mirada sobre aquele que foi considerado um homem cismático e criminoso; a “inteligência” por trás das lideranças Muckers; a profetisa Jacobina Mentz e seu marido, o curandeiro João Jorge Maurer (foto abaixo).
Segundo Biehl e Mügge, a ligação de Klein com a família Mentz-Maurer ofuscou uma fascinante trajetória de imigrante e intelectual colono. Para os pesquisadores, longe de ser um tratado Mucker, "Vom Katechismus" é uma obra que revela uma mescla de culturas erudita e popular e permite visualizar o mundo intelectual e religioso dos colonos alemães.
TRAJETÓRIA TEUTO-BRASILEIRA
Lançada pela Editora Oikos (www.oikoseditora.com.br), a obra foi recebida com entusiasmo por pesquisadores em todo o Brasil. Segundo o professor Luís Augusto Fischer, “trata-se de um livro exemplar, que combina a cuidadosa técnica historiográfica e a virtuosa sensibilidade antropológica, e que se deixa ler como um ótimo romance”.
Já a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz (USP) diz que “além de termos em mãos um caso individual reconstituído com rara beleza, nos é apresentada uma trajetória coletiva de colonos teuto-brasileiros, com seus valores, suas ideias e subjetividades”.
Para João José Reis (UFBA), um dos mais respeitados historiadores brasileiros, “ao contar a inquietação intelectual e espiritual de Klein, sua busca por justiça para si e sua comunidade, sua rebeldia contra a opressão dos poderosos locais, Biehl e Mügge esclarecem o verdadeiro papel desempenhado por Klein naquela que foi a maior tragédia da diáspora alemã no Brasil do século 19”.
O MANUSCRITO
Na crônica "Um Livro Transatlântico", publicada em Zero Hora dia 28 de junho, o professor Luís Augusto Fischer forneceu mais detalhes sobre o manuscrito “Vom Katechismus”:
“Para além da visão de mundo do jovem Klein, é comovente acompanhar um dicionário tentativo que ele foi fazendo nas margens do próprio manuscrito. Ele ia aprendendo o português e anotando, organizadamente, em seções divididas entre “ Coisas da escola”, “Coisas na casa”, e bem assim coisas no ar e na água, coisas de pau e de couro. O excelente livro de Biehl e Mügge é precioso por nos devolver um cotidiano ao mesmo tempo remoto e povoado de sonhos e pesadelos iguais aos que acontecem na vida de qualquer um de nós”.
A OBRA
O livro de 476 páginas, que conta também com uma versão em alemão, estará disponível para compra no site www.oikoseditora.com.br. O valor é R$ 75.
Parceria
Informações e fotos desta página foram publicadas originalmente na coluna Almanaque Gaúcho, do colega Ricardo Chaves, de Gaúcha/ZH.