Memória

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Os festivais de canto talian em Serafina Corrêa

Confira parte da história das Cantorias Italianas, que movimentaram o município a partir da primeira edição, em 1986

Rodrigo Lopes

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Acervo de Elias De Marco / divulgação
O disco da terceira edição da Cantoria Italiana, ocorrida em 1988

Colaborador informal da coluna Memória, o leitor Elias De Marco vem realizando uma pesquisa sobre os festivais de canto italiano que movimentaram a cidade de Serafina Corrêa nos anos 1980 e 1990 – vale saber que o município é conhecido como a Capital Nacional do Talian e tem o dialeto como língua co-oficial.

O trabalho de Elias também coincide com as comemorações dos 61 anos de emancipação político-administrativa – o município originou-se de territórios de Guaporé e Casca em 22 de julho de 1960 e celebra aniversário em 25 de julho.

Confira o texto:

“Na década de 1960, nos primórdios da redescoberta da cultura “taliana”, um movimento de jovens serafinenses que estudavam em Porto Alegre lutava pelo resgate e ênfase da língua na cultura e na música. Sonhavam com o retorno do orgulho pelo canto talian. Cada membro trazia consigo riquezas imateriais – cantos tradicionais, provérbios, frases analíticas, saberes culinários –, formando a primeira sociedade de serafinenses com esse objetivo.

“La Società del Ombrelin”, ou simplesmente “L’ombrelin”, nasceu na capital gaúcha, mais precisamente em uma pensão da Av. Independência, no prédio histórico de número 813, ainda preservado. Esta pensão era de propriedade do serafinense Genoíno Zanatta e da esposa, Odila Massolini Zanatta. Por ter nascido de vários sócios fundadores – e como cada um deles lembrava pelo menos algumas cantorias –, a partir dessa tomada de consciência o grupo não perdia mais a chance de se reunir para cantar, principalmente em apresentações para o público.

Cerca de 10 anos depois do início do movimento, o canto talian já voltava a ser praticado com orgulho em Serafina Corrêa. Alguns grupos já estavam se organizando, e o apego pela cultura e pela música enfraquecia o preconceito contra as mesmas.

Por influência do filme Borsalino – e pelo gosto de um modelo de chapéu italiano que ganhava enorme destaque na produção –, no início da década de 1970 houve a fusão de “La Società del Ombrelin” com um grupo chamado “Borsalino”, com participação de todos os membros. A formação, mesmo que ainda denominada como um grupo informal, permanecia com grande simpatia ao empenho em reavivar a cultura “taliana”. ”

Ademir Antônio Bacca / divulgação
O público prestigiando a Primeira Cantoria Italiana no Cine Teatro Carlos Gomes, em 1986
Acervo de Idilene Soccol / divulgação
O Grupo Stella Alpina, formado por Maria Amélia Arroque Gheller (violão), Élide Seganfredo, Idilene Soccol, Inês Calza, Nilo Silvestrim (gaita) e Roberto Mauro Arroque (violão)
Ademir Antônio Bacca / divulgação
Confraternização de músicos serafinenses

O despertar nos anos 1970

Com as comemorações do centenário da imigração italiana, em 1975, vários eventos pela Serra passaram a mesclar gastronomia e música – desde a Noite Italiana de Antônio Prado até a Vindima da Canção, em Flores da Cunha, e um festival de canto em talian, em Protásio Alves.

Conforme Elias, esse lento despertar marcou a estreia de um grupo de serafinenses em um festival no distrito de Evangelista (Casca), em 1985. O grupo “I Amicci de la Cantoria” abria, assim, os caminhos para o renascimento do canto coral talian tradicional em Serafina Corrêa. Segue o texto de Elias:

“A ideia de um festival de música “taliana” surgiu em 1986, a partir de uma intenção do prefeito Sérgio Massolini e de sua secretária de Educação, Rosa Maria Cervieri, que abraçaram a causa e viabilizaram o “Cantoria Italiana”, primeiro nessa linha em Serafina Corrêa. Na época, o termo “talian” e suas derivações ainda eram utilizados de modo informal. A primeira “Cantoria Italiana” foi um sucesso e tornou-se um marco no resgate da música tradicional. A segunda edição, em 1987, apresentou crescimento de público e abrangência, deixando claro que um sonho já seria possível: um festival que também incluísse novos cantos compostos em italiano ou em talian”. 

Acervo de Idilene Soccol / divulgação
O Grupo Gli Amicci della Cantoria: Nilo Silvestrin (gaita), Roberto Mauro Arroque (violão), Albino Ziliotto, Valdir Bianchet, Pedro Bortolini, Luiz de Cesaro e João Canton
Ademir Antônio Bacca / divulgação
Grupo Herança: Duarte Francisco Rottava, Geraldo Peccin, Solange Maria Soccol, Paulo Scheffer, Evandra Maria Cervieri e Sandra Cervieri.
Ademir Antônio Bacca / divulgação
O Grupo Sagra: Geraldo Pecci, Duarte Francisco Rottava, Evandra Maria Cervieri, Solange Maria Soccol, Artemio Silvestrin e Marilda de Marco

Novos rumos

A ousadia em utilizar conceitos avançados para a qualificação da Cantoria Italiana marcou a edição de 1988 – dirigida pelo prefeito Sérgio Antônio Massolini, pelo secretário Geraldo Peccin e por Ademir Antônio Bacca, presidente da Fundação Serafinense de Cultura. Espécie de vitrine para grupos e artistas da região, foi a primeira edição a incluir uma categoria de projeção folclórica, concebida dentro do espírito tradicional.

“Em 1989, o temor de que o evento pudesse ter descontinuidade, devido à posse de um novo prefeito, tomou conta da população serafinense. No entanto, a nova administração empenhou-se no crescimento do festival, e durante os quatro anos de administração do prefeito Luís Antônio Grechi Gheller foram realizadas quatro edições das Cantorias Italianas. Elas continuaram sendo anuais até a sexta, e o evento seguiu crescendo em números, qualidade e prestígio – Maria Amélia Arroque Gheller, cantora e violinista, revelou-se uma estrela para o município de Serafina Corrêa”.

O fim das cantorias após 13 edições


Conforme Elias, os tempos foram mudando e um novo conceito de cantoria transformou o festival.

“O evento deixou de ser realizado todos os anos e passou a privilegiar canções em um formato moderno, com guitarras elétricas. Então, a turma autêntica saiu de cena. Além disso, muitos músicos profissionais apenas cantavam em italiano, não em talian. A partir daí, o público começou a perder a identificação que tinha desenvolvido com as cantorias, ainda que se mantivesse uma boa qualidade musical. Tudo isso, associado ao aumento progressivo de custos, levou à inviabilização após a edição número treze”.

Colaboração


Material reproduzido da pesquisa "A Herança das Cantorias", de Elias de Marco, com informações de Roberto Mauro Arroque.

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