Quem mora aqui na Serra gaúcha e gosta de ouvir histórias, certamente, já escutou a de alguma pessoa bem-sucedida na vida adulta que, na época da escola, não tinha sapatos para calçar. Que ia às aulas de chinelo ou com os pés descalços e guardava o único par de calçados para usar na missa ou em momentos especiais. A gente nunca sabe mesmo dos outros. Muita gente também já deve ter ouvido a expressão de que, para saber o que alguém passa, seria necessário calçar os sapatos alheios. Uma metáfora bonita para a empatia.
Eis que essa ideia fofa acabou virando uma espécie de imersão na Biblioteca do Sesc Caxias, em uma ação que pode ser conferida até o dia 20. Há dias em que eu gostaria que meus pés estivessem em outros sapatos é o nome da exposição que convida os visitantes a abrirem caixas com peças aleatórias e conhecer os relatos dos donos ou donas dos acessórios. Achei um exercício maravilhoso. Nada como a experiência para trazer a realidade aos nossos dias.
Por falar em vida real, convido quem não conhece a saber mais sobre a trajetória de Edu Lyra, uma das pessoas mais incríveis desse país. Admiradora de longa data do trabalho que ele faz na Gerando Falcões — ONG com a premissa de que a pobreza seja peça de museu antes de Marte ser colonizado —, tive a oportunidade de assisti-lo ao vivo na palestra de abertura da Gramado Summit, na quarta-feira. Além dele trazer uma série de percepções bem inspiradoras, como “são ideias e não circunstâncias que nos definem” — ao explicar como um “preto, favelado e filho de pai bandido” conseguiu se tornar uma das personalidades mais influentes no mundo e de como a mãe dele foi decisiva para que seguisse sonhando, apesar de viver em um barraco sem assoalho — criou um ecossistema de desenvolvimento social, que virou um espelho de representatividade, perspectiva e referência para milhares de crianças e jovens de periferias país afora. E virou orgulho para quem não viveu na periferia, como eu, mas busca se conectar de alguma forma com essas pessoas que precisam ouvir que podem ocupar todo e qualquer espaço.
É interessante observar, também, como existe diversidade de pensamento e graus de importância sobre o que é o sucesso e como ele é medido. Alguns mentores com presença significativa nas redes sociais apontaram caminhos para ser rico e influente. Existem tantos nichos possíveis de negócios, que vale a pena observar como a busca pelo ponto final dá sentido ao dia a dia de muitos deles. E como esse reconhecimento parece distante da ideia do que é ser bem-sucedido para gente como o Edu, que chama a atenção porque quer mudar o mundo e tornar a vida das comunidades mais fácil, quer que as pessoas nascidas em casas sem calefação, piso de mármore e wi-fi tenham a capacidade de sonhar da mesma forma que qualquer criança que joga tênis em quadras construídas em condomínios fechados.
Edu empresta seus sapatos para que aqueles com menos condições socioeconômicas possam ir mais longe, mas também para que pessoas bastante favorecidas economicamente possam caminhar ao lado dele. Eis o sucesso por empatia.