Mariana conversa concentradamente com um rapaz que mostra a ela a foto do filho que mora na Alemanha com a mãe polonesa. Diz que deixou a Tunísia num bote e viu compatriotas morrerem nas 14 horas exaustivas de viagem pelo mar. Antes disso, tinha brigado com o motorista de ônibus que andava em alta velocidade e freava muito. Em poucos minutos, o jovem mostrou duas facetas distintas. Achei curioso, porque normalmente é preciso um pouco mais de tempo para observar alguém com compaixão e desconfiança.
Um grupo de mulheres toca samba no Clube Oriental de Lisboa. Lá pelas tantas, faz uma homenagem a Clara Nunes. Melissa me escreve dias depois e recomenda um samba em Portugal feito por uma amiga porto-alegrense. Uma amiga que tocava Clara Nunes numa gira semanal — justamente a que tínhamos assistido.
Jantamos com um porto-alegrense e a mulher, milanesa. Ele toca numa banda famosinha que gravou com Ney Matogrosso e canta músicas deliciosas em italiano, que passaram a fazer parte dos nossos cafés da manhã, alternando com Bella, Ciao e, especialmente, com a versão brasileiríssima Só Quer Vrau, que rendeu um momento saia-justa quando o fortalezense Carlos foi alugar carro na Toscana e, sem querer, começou a tocá-la na frente dos italianos. Só a gente achou engraçado, é verdade.
Foi bem menos emocionante do que fazer dueto com o dono de um restaurante à beira-mar em Sorrento, após eu pedir Caruso a ele. Perguntou se queria na versão de Bocceli ou Lucio Dalla e, obviamente, escolhi a última — para orgulho do meu pai e desespero da minha mãe (risos). Ele se emocionou, contou que pertencia à quarta geração de pescadores da família, que o cantor costumava comprar peixes no barco dele e que era um bravissimo ragazzo.
Lembrei da canção Todo se Transforma, do Drexler, que cita o desencadeamento poético das ações cotidianas que estão interligadas com diferentes pessoas e partes do mundo. Experimentamos um pedacinho disso na sala do apartamento da Mariana no Príncipe Real, com boa parte dos primos reunidos por coincidência bem longe de casa — o que só costuma acontecer em datas especiais, desde que cada um decidiu viver em um canto.
Pareceu uma espécie de síntese, das mais clichês, eu sei, de que viajamos não só para observar o mundo, mas também para nos reconhecermos e percebermos como estamos muito mais interligados do que costumamos supor.