Quarenta e nove anos e 25 dias separam o nascimento dos convidados dessa live que apresento a vocês hoje. Quarenta e nove anos e uma eternidade, para ser mais específica.
Se não fossem os recursos digitais, não conseguiríamos unir, mesmo que metaforicamente, Mario Quintana e Mia Couto num mesmo ambiente. Adianto que, como se trata de nosso primeiro encontro, posso parecer mais tiete do que mediadora. Perdoem-me. E, se gostarem, deem um like e ativem o sininho para receberem as notificações do canal.
Quando pensei no título para essa conversa, lembrei imediatamente de Do Amor e outros demônios, nome instigante de uma obra de Gabriel García Márquez que gosto bastante. Sabia que queria de falar de amor, já que as abordagens poéticas dos convidados interessam muito e porque amor, ao menos nas redes, sempre tem bom potencial de engajamento. E, também, porque imaginei que seria um bom momento para conhecê-los. Juntos.
Outro convite que faço de antemão a vocês: reparem na sonoridade da nossa conversa, nos sotaques dos convidados. Quintana, nascido no Alegrete, na campanha gaúcha, não perdeu o falar da fronteira, mesmo tendo passado a maior parte do tempo em Porto Alegre, embora guarde grande erudição no vocabulário. Mia, nascido em Beira, na moçambicana capital da província de Sofala, traz um acento do português de Portugal em sua fala. É como se trouxessem suas pátrias a cada sílaba que pronunciam. Ao mesmo tempo, conseguem expressar-se de forma tão universal, que faz pouca diferença se são da cidade ou têm os pés na terra. Reparem nos “Ds” (forte no Mario, enfraquecido no Mia) e nos “Ss” (no Mia, em forma de “X”), por exemplo, em como a poesia já se constitui a partir do falar dessa dupla. Mas chega de preâmbulo, podemos começar, porque já falei o suficiente.
Mia me interrompe: “O suficiente é para quem não ama. No amor, só existem infinitos”, ao que Quintana completa: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo...". Sabia que nosso encontro seria lindo, mas não imaginei que já começaria no auge. (Corações começam a aparecer na tela). Tento esboçar uma pergunta, empolgada com a intensidade que os convidados trouxeram para a conversa:
— Melhor do que o amor, de fato, é a preparação para o amor?
Mia tem a urgência como convicção. Vai falando sobre a aproximação de dois corpos, sobre o lábio ardendo entre tremor e temor e sentencia: “o amor não tem depois”. Quintana, prevendo a efemeridade — e nem precisamos evocar Bauman — diz que o amor precisa acontecer bem devagarinho: “a vida é breve, e o amor mais breve ainda...”. Mas, quando se trata de contar aos outros sobre um sentimento, recomenda ter cuidado: “Como é ridículo o amor... alheio!”.
Fico sorrindo ao imaginá-lo olhando para os casais pseudo apaixonados nas redes sociais — quem não conhece algum? —, em um modus operandi que não combina nem com o “amar baixinho” nem com a exposição “ridícula”.
Mia lembra que já escreveu sobre isso tempos atrás e que a história de seu personagem poderia funcionar como uma espécie de conselho: “Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios”.
– Mas, Mia, então as pessoas não devem verbalizar o que sentem?
“O silêncio não é a ausência da fala, é o dizer-se tudo sem nenhuma palavra”, responde. Mario completa: “amor é quando o silêncio a dois se torna cômodo”. Lembro a ele que tinha escrito que, por falar em silêncio, que “apenas as amadas mortas amam eternamente”. Ele sorri sem mostrar os dentes.
Peço, então que eles falem sobre a própria vida sentimental:
— E quanto de vocês têm nos textos? Essas declarações que aparecem nos poemas são sempre autobiográficas?
Quintana, sem hesitar, revela: “nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”. Mia prefere responder misteriosamente, com um provérbio africano que está na epígrafe do livro A confissão da Leoa: “até que os leões inventem suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça”. Como nossa live está terminando, Mia pede para completar a ideia antes de se despedir: “A felicidade e o amor se parecem. Não se tenta ser feliz, não se decide amar. É-se feliz, ama-se”. Quintana, para fechar, diz que “amor é morar um no outro”.
Os coraçõezinhos voltam a subir pela tela e eu desisto de tentar ler todos os comentários. Nossos 523 participantes da live interagiram muito entre si e imagino que vão se apropriar dessas falas em seus próximos posts. Para terminar em grande estilo, vou usar uma dessas frases do Mia que cito sempre que posso: “para ida sem vinda basta o tempo” — e o nosso, infelizmente, acabou por hoje. Obrigada pela companhia e até breve!