“Solidão também é movimento. Boa dança”, escreveu-me Aline Bei, minha autora favorita do momento, na dedicatória do poético Pequena Coreografia do Adeus. No dia que o livro chegou aqui em casa, os escritos não podiam ser mais apropriados. Tanto que levei um bom tempo para ter coragem de voltar a dançar e até de folhear as páginas, que pareciam o prenúncio de algo que estava acontecendo ao mesmo tempo em que a pretensa promessa se anunciava.
Começar a dançar — e a cantar — pelo apartamento foram indicativos da volta à normalidade, seja lá o que isso signifique. E nem estou falando de dancinhas a la Tik Tok, mas tirando onda como quem esteve nas pistas nos anos 1990, dançando pagode, É o Tchan e Claudinho e Buchecha, sempre com coreografias divertidas (duvidosas?). Sabe, tchurururu... Tentei até ensaiar o passinho, jeito mais contemporâneo e mais complexo de se mexer, sem muito sucesso. Mas, no final das contas, o importante é se movimentar.
Foi também o que aprendi antes mesmo de começar as aulas de canto: a gente só consegue cantar quando está feliz e é tão bom já acordar cantarolando e seguir cantando no chuveiro, nos deslocamentos, no intervalinho do trabalho... Venho esperando alguns movimentos há tempo, mas agora eles começam a virar realidade. Que bom.
Por falar em realidade, às vezes é importante recorrer a pequenos momentos de felicidade, que ajudem a anestesiar as mazelas cotidianas. Vejo pessoas queridas de perto e de longe padecendo de doenças graves e fazendo de tudo para aproveitar instantes do jeito que der — a banalidade se torna um momento especial e não é assim que deveria ser? —, e acabo voltando ao presente, o único momento que realmente temos e onde podemos fazer a diferença. O resto são lembranças ou imaginação.
Tenho tentado recordar as sensações de quando li O Livreiro de Cabul, da jornalista norueguesa Åsne Seierstad, lançado em 2006. Lembro da angústia que senti a cada página virada. Penso em como a vida das mulheres afegãs era horrível naquela sociedade e mesmo aquele não sendo meu lugar de fala, não tenho pudor nenhum em versar sobre os horrores de viver enclausurada sob o terrorismo. As imagens da ascensão do Talibã ao poder e do desespero dos afegãos e, sobretudo, das afegãs, ainda me deixam atônita. Aquela foto que simula o desaparecimento das mulheres no regime, dos corpos sendo cobertos até serem apagados completamente, é tristíssima.
Numa escala menor de gravidade, fui surpreendida por comentários maldosos e desculpas sem cabimento nos últimos dias e consegui entender que tenho a minha parcela de responsabilidade, porque opto por sempre acreditar na melhor versão das pessoas (inclusive na minha).
Mais do que isso, opto a leveza, apesar das dificuldades que se impõem. Não deixo de me comover com as dificuldades e por isso mesmo saio rodopiando e cantando pela casa, sabendo que estar lúcida para fazer essa escolha já é um motivo e tanto para agradecer.