Tenho pensado muito em como é difícil dissociar o que as pessoas dizem daquilo que elas fazem. E em como promessas vazias carregam uma irresponsabilidade emocional absurda. Tenho ouvido algumas falarem "ah, eu avisei que era assim", como se isso fosse a desculpa perfeita para qualquer vacilo — e, no caso, fica fácil não precisar arcar com nenhum tipo de responsabilidade. Acho tão complexo não acreditar nas pessoas — especialmente naquelas que estão perto —, que ainda me impressiono quando elas me magoam. Mas sou do tipo que ainda tem fé na humanidade. Juro.
E forjei o meu olhar em um ambiente tão diverso, com experiências tão interessantes, que me desafio a não acreditar na minha percepção prévia sobre as situações. Todos somos bem mais do que um fragmento que alguém decidiu idealizar (ou o oposto disso). Às vezes, é preciso reunir em um mesmo local algumas experiências que ajudam a contemplar essa riqueza — quem não tem um arcabouço variado a essa altura da vida?
Lembro que quando ainda estava na faculdade, entrei em um ônibus em Porto Alegre rumo a um endereço que nunca tinha ido, tampouco tinha estado naquela linha antes. Recorri, então, ao cobrador, para que me sinalizasse o melhor lugar para descer. O ponto não chegava nunca e eu não parava de perguntar a ele. Até que um rapaz cego, que estava ao meu lado e era muito mais bem situado do que eu, decidiu me avisar e explicar a distância que ainda faltava. Me tranquilizou e me ensinou a prestar atenção nas sutilezas da vida, a dar ouvidos para quem tem vontade de ajudar.
Sexta-feira, estava caminhando pela nova vizinhança e contemplando o azul do céu — azul é minha cor favorita e só me traz bons sentimentos —, quando olhei para cima e vi galhos secos de uma árvore, num ângulo que trazia o contraste com a cor e a fotografei. Fiquei orgulhosa contemplando a singeleza e ri pensando que até lembrava a obra Amendoeira em Flor, do Van Gogh, exceto pela falta das flores. Eis outra lição importante, já que o exemplo usado não é para exprimir uma presunçosa erudição: às vezes, o que mais está presente é o que falta, o que não está mais lá. A foto virou quase uma aula de semiótica. Eu sorri ao invés de chorar.
Quando fui voluntária no setor de oncologia de um hospital, fiquei impressionada ao ver que as pessoas com quem conversava queriam me mostrar que eram bem mais do que eu estava vendo, na imagem delas sentadas em cadeiras e ligadas a um fiozinho transparente. Elas andavam a cavalo, cuidavam dos netos, cortavam lenha, tinham sonhos e histórias. Aquele estado era circunstancial e não as definia. O que eu via, era um recorte da realidade. Poucos aprendizados foram melhores do que esse.
Já me perdi ao ajudar um desconhecido a chegar num endereço em Caxias e consegui me encontrar em um metrô em Moscou, com placas escritas em russo. A atenção plena para executar tarefas simples não é só uma fórmula para vender livros e curso online, ela faz diferença no dia a dia. Já me perdi por amor, mas sempre busco me reencontrar. A gente tem que saber voltar para si, né?
Sigo com fé e acreditando que as pessoas podem ser melhores do que parecem, mesmo que avisem que são exatamente como são. Até porque elas podem ser várias. A face que vemos é apenas a que escolhemos contemplar — e está tudo bem.