Não lembro exatamente quem me ensinou a organizar o molho de chaves pela ordem que as portas precisam ser abertas. Sei que não faz tanto tempo assim e, na época, adorei a lógica simples de vencer pequenas etapas e ser didático para alguém que não está acostumado às novas fechaduras. Nem sempre as situações são tão fáceis de serem descomplicadas. Tenho lidado com molhos de chaves novos, que se alternam em minhas mãos. Não é raro eu ter que manusear várias chaves em busca daquela que funcione, num exercício quase misterioso e repetido mais de uma vez — isso só acontece comigo?
Percebi, no entanto, que a falta de método provoca um suspense bom, de acompanhar se a tentativa ao acaso vai ter desfecho positivo. E nem sempre conseguimos imprimir esse ar de novidade em simples tarefas cotidianas, né?
O molho de chaves é minha metáfora da modernidade. O termo, escrito pela primeira vez pelo poeta francês Charles Baudelaire, representa a busca pelo eterno ao mesmo tempo que convive com o efêmero. O polonês Zygmunt Bauman foi quem conseguiu traduzir esse pensamento de forma mais pop, tornando o conceito da ambivalência como chave para pensar a modernidade líquida: quanto mais empregamos a ciência e a razão para resolver problemas, mais aparecem imprevistos que sequer foram imaginados. Acho que essa ideia encontra eco na vida de qualquer um. Planejar não garante exatamente que as coisas saiam como estavam previstas, mas pelo menos dá para pensar nos riscos e nos desafios que aparecem pelo caminhos antes, que, de fato, eles apareçam. Viver é isso, viver é só hoje. Amanhã talvez não dê tempo, não podemos economizar em afetos e palavras, pois.
Enquanto manuseio chaves do apartamento novo, tento acelerar o tempo para que ele fique, de fato pronto. Por outro lado, estendo o tempo para produzir boas memórias no espaço que me abriga há alguns poucos anos. Logo ele estará vazio, mas sei que um lugar aparentemente desocupado nunca está vazio. Ficam as memórias, as gargalhadas, os choros, as partidas e as chegadas. Os amigos reunidos na sala, a mesa que é quase um obstáculo na cozinha, as bagunças depois dos encontros felizes. E as possibilidades que irão surgir para quem estiver nele a partir de então.
Gosto de pensar que o movimento serve, também, para transformar nossa energia, para nos devolver aquele senso de mistério como a busca pela chave que sirva. Mais cedo ou mais tarde, a gente encontra o caminho. E é sempre assim: o final de uma história acaba dando espaço para um novo começo, mas nós sempre ficaremos naquilo (naqueles) que nos abrigaram.