— o que é morrer?
ela estava fritando bife pro almoço.
— o bife é morrer, porque morrer é não poder mais escolher o que farão com a sua carne. quando estamos vivos, muitas vezes também não escolhemos, mas tentamos.
O trecho acima foi extraído do meu livro favorito no ano, O peso do pássaro morto, da Aline Bei, autora poética e talentosa que descobri tardiamente — por essa obra, ela recebeu o prêmio São Paulo de Literatura 2018. O romance em forma de poema trata das perdas de uma mulher sem nome, dos oito aos 52 anos, e as marcas emocionais que elas provocam — "quantas perdas cabem em uma mulher?", versa o texto da orelha da obra.
Fiquei pensando se não são justamente as perdas que nos definem melhor do que aquilo que supomos ter ganho. Se o que deixamos ir — por vontade ou de forma arbitrária — nos constitui como sujeitos, nos obriga a amadurecer e a perceber que não existe um antídoto para isso. Podemos, para nos sentirmos vivos, tentar iluminar o entorno, enxergar uma pontinha de luz até em situações mais sombrias. Conseguir acender a luz de alguém em dias que a escuridão parece infinda. São pequenas satisfações, é verdade, mas são efêmeras.
Há quem diga que o milho de pipoca que não passar pela panela vai ser milho de pipoca para sempre. Para se transformar, o jeito é jogar-se no fogo (metaforicamente, óbvio) e deixar brotar o que nem sabíamos que existia dentro de nós. Aí não há mais como retroceder à dúvida inicial: vamos substituindo certezas e questionamentos ao longo da vida, quebrando dogmas e testando limites para ter a sensação de que sempre há algo que podemos controlar. A tentativa de saber o que faremos com a nossa carne, enquanto ela estiver sob nossa responsabilidade.
Às vezes, tenho a impressão que vivemos como se estivéssemos em um jogo de videogame, repetindo ações que ainda não foram bem assimiladas para que possamos passar à fase seguinte. Como se existissem sempre tarefas e aprendizados em cada micro interação que fazemos, em como a busca pelas recompensas imediatas pode não ser tão valiosa como conseguir chegar à próxima etapa. É estimulante, desafiador, lindo e cansativo. De vez em quando nem dá vontade de jogar, mas não chega a ser uma alternativa inteligente. Pode ser anestesiante e fácil, mas não serve para muita coisa. Não vamos decorar todas as jogadas, não teremos um caminho sólido que já foi traçado por ninguém e tampouco conseguiremos alcançar o pódio em todas as vezes que nos esforçarmos para tal. Mas o importante é a tentativa, o percurso.
A vida só se resolve de um jeito: vivendo-a, mesmo que a próxima fase demore a chegar. Como diz um amigo querido, se tirar o “V” dela, só sobra a ida. O resto é o fim da linha.