Leio que o Brasil vai escalar time reserva para jogar nesta sexta-feira contra Camarões, último jogo da fase de grupos da Copa do Catar. Balanço a cabeça. Precisa tanto?, me pergunto. A França fez isso e perdeu seu jogo para a Tunísia. Sintomas do futebol dos tempos ditos modernos. Hoje, o que se denominou chamar de "fisiologia", na verdade, uma respeitada área científica da medicina do esporte que monitora detalhadamente o organismo dos jogadores, influencia bastante na escalação dos técnicos, indicando quem dá sinais de alguma fadiga ou fragilidade corporal. E os técnicos, não só nas Copas, mas em qualquer campeonato ou torneio, se apressam em retirar jogadores. Em poupar. Em jogar com todo o time reserva. Como vai fazer o Brasil. Uma prevenção que não havia em outros tempos, que não houve na Copa de 70, a Copa do tri no México.
Inesquecível Copa de 70. A maior de todas as Copas, no olhar daquele menino de 9 anos, o mesmo menino que, desde então, empilhou décadas e novas Copas na existência, a cada 4 anos, entre o desenrolar de tantos sonhos, muitos arrependimentos, vários tropeços e algumas suadas conquistas. Assim é a vida. Ficou aquela primeira Copa, marcada como a maior de todas. Todos temos nossos momentos mais luminosos. Uma Copa em que o Brasil, praticamente classificado na fase de grupos, enfrentou o adversário menos famoso e menos glamuroso na última rodada, a Romênia, e não escalou time reserva. Eu, por escolha e vocação pessoal, não escalo time reserva para os jogos da vida. Às vezes, a "fisiologia" vai recomendar prudência, mas quero ir inteiro em todas as bolas.
O Brasil venceu aquele jogo contra a Romênia por 3 a 2, com dois gols de Pelé, e o time titular esteve completo para os jogos seguintes. Pelé não foi poupado, vejam só. O Brasil venceu todos os jogos, e a torcida decorou aquela escalação. Hoje, a fisiologia dá sua contribuição científica e os técnicos exageram na prudência. Perde um pouco da graça.
Por essas e outras, a Copa de 70 ficou marcada. Principalmente, pela qualidade do show. E porque a memória de todo menino, aos 9 anos, retém mais os fatos, aqueles jogos contra a Tchecoeslováquia, a Inglaterra, o Uruguai, a Itália, os primeiros jogos que vi nas Copas. O primeiro gol, as genialidades de Pelé, os gols de Jairzinho, a defesa de Gordon Banks, o "jogo do século", entre Itália e Alemanha – um capítulo à parte –, as goleadas do Brasil. Esses fatos marcam mais e reluzem mais clarividentes do que os fatos e jogos que foram se acumulando com o passar dos anos, e vão abarrotando a memória. Os melhores lugares ficam dedicados mesmo às memórias da infância.
A Copa do México ficou marcada pelos lances, lampejos, as invenções geniais e os exemplos dos principais jogadores. Ficou marcada por todo um ambiente em torno da competição, que não primava pelo exagero da cobertura, mas por uma normalidade saudável, e a vida seguia com seus percalços e tarefas cotidianas. Era uma Copa de 16 times, metade das 32 seleções de hoje, uma Copa mais simples, que era menos negócio – ou um negócio menor – e mais futebol, com um pacote menor de jogos, o que não tirava o brilho da competição. Na verdade, era só um jogo a menos do que é hoje, pois só não havia a fase das oitavas de final. Foi, sim, uma Copa romântica, e não vamos brigar com o romantismo! E, ainda por cima, embalada por vitórias, que fortalecem e forjam a autoestima de um menino de 9 anos.
Esse menino de 9 anos, que ainda está bem vivo, olha para trás e não tem dúvida: a Copa de 70, no México, foi a maior de todas as Copas.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.