Copas do Mundo são aulas de Geografia. E de Geopolítica. Geografia foi uma disciplina que sempre me atraiu. Sabia todas as capitais "decor e salteado". Pois a cada Copa, a cada Olimpíada, temos contato com os diversos países, e uma atualização da geopolítica, os novos países que surgem, que se desmembram, que trocam de nome. O Brasil iniciou esta Copa do Catar jogando contra a Sérvia, e estreou na Copa de 2014, no próprio Brasil, enfrentando a Croácia. Pois bem, nos dois casos, fossem as Copas jogadas antes de 1998, esses dois jogos de estreia teriam sido disputados contra os iugoslavos. Como foi a estreia do Brasil na Copa de 74 na Alemanha, um 0 a 0 sofrido contra a Iugoslávia, que até merecia ter ganho aquele jogo.
O fim da Iugoslávia foi em 2003, mas já em 1991, com a criação da Croácia, ela começou a ser desmembrada, na esteira dos movimentos iniciados com a independência de países no Leste europeu, em especial nos anos 90. A Iugoslávia, então, começou a se fragmentar, e resultou em seis nações: Sérvia, Croácia, os mais conhecidos, Bósnia-Herzegovina, Eslovênia, Montenegro e Macedônia. E ainda tem a conhecida província autônoma de Kosovo. Aula de Geografia, aula de Geopolítica.
A Sérvia surgiu como país apenas em 2006. Já Croácia e Iugoslávia ainda conviveram juntas na Copa de 1998, na França, a última dos iugoslavos, a primeira dos croatas, que estrearam com um terceiro lugar. A Sérvia estreou nas Copas mais recentemente, em 2010. A Geopolítica é cheia de datas a partir do fim dos Anos 80 e início dos 90, e a Copa acompanhou essas mudanças todas.
A Copa da Alemanha, naquele 1974, certamente teve o jogo mais emblemático em se tratando de Geopolítica. Eram tempos de Guerra Fria, as tensões entre os mundos capitalista e socialista, simbolizadas por um marco divisório emblemático, a chamada Cortina de Ferro, linha de fronteira atrás da qual estavam os países socialistas, e um marco físico, o Muro de Berlim. Pois naquela Copa, o sorteio colocou frente a frente, na fase de grupos, as então chamadas Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental, essa última integrante do bloco socialista. É, havia duas Alemanhas, surgidas depois da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha Ocidental ganhou aquela Copa, mas, na fase de grupos, sofreu sua única derrota na competição, justamente para a Alemanha Oriental. Foi um jogo histórico, vitória muito comemorada pelos alemães orientais, em sua única participação em Copas. Aliás, logo depois, na fase seguinte, perderam para o Brasil por 1 a 0. A Alemanha seria reunificada em 1990, depois da queda do Muro de Berlim, em 1989 – Muro que também divide as copas que acompanhei: cinco antes da queda, nove depois dela.
E ainda teve o Zaire. Entre 1971 e 1997, foi o nome da República Democrática do Congo. O país africano disputou sua única Copa também na Alemanha, em 74, e caiu na chave do Brasil. Aliás, para se classificar e seguir adiante, o Brasil precisava vencer o Zaire por 3 a 0 na última rodada, e venceu, em jogo dramático, com o terceiro gol marcado por Valdomiro, ex-ponteiro do Inter, já perto do fim. Só que, dias antes, o Zaire sofrera a segunda maior goleada em Copas, a primeira até então, quando perdeu de 9 a 0 justamente para a Iugoslávia. Vejam só, dois países que deixaram de existir com esses nomes.
A Copa de 1974 foi cheia de eventos da Geopolítica. Foi mesmo uma aula de Geografia.
* Desde sábado (19/11), e durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres está publicando em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.