Zico quase não errava pênaltis. Lembro de dois em toda a carreira, fui descobrir um terceiro no Google. Mazzaropi, goleiro do Vasco e depois do Grêmio, defendeu um numa decisão por pênaltis entre Vasco e Flamengo na Taça Guanabara de 1976. Adolescente ainda, lembro de ouvir a narração do jogo em um radinho de pilha. No entanto, o pênalti errado por Zico que entrou para a história foi na Copa de 1986, de novo no México, no tempo normal das quartas-de-final contra a França – sempre a França. O jogo estava empatado em 1 a 1 e Zico teve a chance de colocar o Brasil na frente aos 30 do segundo tempo, e de praticamente carimbar a vaga para o Brasil às semifinais. Mas o chamado "Galinho", que quase sempre convertia cobranças de pênalti, desta vez bateu mal, de forma irreconhecível, e o goleiro francês Bats defendeu. O jogo foi para a prorrogação e, depois, o Brasil perdeu nos pênaltis.
Desta vez, diante da França, diferentemente do que acontecera em 1982, quando assisti sozinho, em um quarto de hotel, à eliminação do Brasil para Paolo Rossi e a Itália na Copa da Espanha, acompanhei aquele jogo com amigos e colegas do apartamento onde morava – as chamadas "repúblicas" – do tempo de faculdade, no lendário Edifício Taperinha, bem no centro de Santa Maria. O Taperinha vale um pequeno parêntesis, um ícone da arquitetura e da história de Santa Maria. Já era um edifício avançado em anos, construído nos Anos 50, mas glamuroso e um tanto charmoso no cenário urbano santa-mariense, a meia quadra da praça principal, a Saldanha Marinho, e do Calçadão da Dr. Bozzano, centro nervoso e cultural da cidade, onde tudo acontecia. A gente descia do apartamento e estava no centro de tudo, no coração da cidade. O Taperinha era uma referência arquitetônica em Santa Maria. Havia uma magia e uma certa reverência da população em reconhecimento à história do prédio. Arquitetonicamente, a edificação era e ainda é interessante, mais largo do segundo ao oitavo andar, com mais apartamentos, um terraço enorme no nono andar, e depois se estreitava, com menos imóveis residenciais, até o 14º andar. Ao todo, eram 16 pavimentos. O terraço era mágico. Via-se o centro da cidade do alto e, de lá, tentei ver o cometa Halley nas noites de 1985, um ano antes da Copa do México, mas minhas tentativas e as de meus colegas foram todas frustradas.
Pois estávamos, o grupo de colegas e amigos, ali no apartamento do 5º andar do Edifício Taperinha, no meio da tarde, todos esparramados sobre o tapete da sala e diante da tevê, quando Zico errou aquele pênalti. Depois o jogo seguiu e o Brasil perdeu nos pênaltis. Houve rápidos comentários entre nós, mas lembro que todos descemos à Rua do Acampamento, que passava em frente, e cada um seguiu para seus compromissos com espantosa naturalidade. Como em 1982, depois do jogo contra a Itália, naqueles Anos 80 o dia não se encerrava por causa de um jogo do Brasil na Copa. No máximo, havia a pausa para assistir à partida, sem preparativos desde a manhã e interrupções no cotidiano. Hoje, o serviço público altera horário de atendimento ao público, algo impensável nas Copas dos Anos 80. Parecia mais civilizado, racional e lógico. A vida seguia, com seus compromissos e atividades, e era bom daquele jeito. Afinal, a Copa é um momento mágico, mas ainda é nada mais do que uma competição de futebol.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres está publicando em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.