Já falei neste espaço, a evolução da tecnologia quanto aos aparelhos de tevê ao longo dos anos de Copa é algo notável. A primeira Copa em cores foi a de 1974, a de 1982, na Espanha, deveria ter sido a terceira mas, para mim, não foi. Houve um recuo, e assisti a praticamente todos os jogos em preto e branco, em um aparelho portátil, ovalado, parecia casca de ovo. Os mais antigos haverão de lembrar do aparelho neste formato, casca de cor laranja, da marca Philco. Quebrou bem o galho. Os tempos de universidade, longe da família, em outra cidade, explicam essa alternativa para ver a Copa de Paolo Rossi e daqueles memoráveis 3 a 2 – memoráveis, mesmo que na derrota.
Cursava o quarto ano da Engenharia Civil na inesquecível Universidade Federal de Santa Maria e morava em um quarto franciscano de hotel na Avenida Rio Branco – certamente uma das vias urbanas mais bonitas do Estado, por sua amplitude, largura generosa, pelo canteiro central convidativo e pela referência urbana e histórica para o crescimento da cidade. O hotel ficava na "baixa Rio Branco", entre a histórica Estação Férrea de Santa Maria e a Rua Vale Machado, que à época tinha um posto de gasolina em formato de cilindro, o "Cilindrão", como ponto de referência. Ali naquele trecho ficavam o Rio Hotel, o Hotel Real e o Hotel dos Viajantes, tudo na mesma quadra. Hotéis de poucas estrelas, mas sinceros no atendimento. Mais em cima, já na "alta Rio Branco", mais ao Centro, havia o Hotel Glória e o Hotel Jantzen. Morava no Rio Hotel, que hoje já não existe mais. Ainda sobre a baixa Rio Branco, era também uma região de alguns estabelecimentos, uns poucos bares e similares, que se confinavam à sombra da cidade. Algo que à época, nos Anos 80, se designava pela expressão "underground", um certo submundo. "No underground, repousa o refúgio", cantaria Paulo Ricardo e seu RPM três anos depois.
Pois bem, em meio a esse pequeno contexto pontilhado, mas também ao contexto urbano amplo e generoso da Rio Branco, ficava o Rio Hotel, um hotel bastante simples, que possuía uma pequena sala de tevê preto & branco para seus hóspedes, algo em torno de 6 metros quadrados, que logicamente ficava apinhada de gente para assistir a um jogo da Copa da Espanha. Como era hóspede fixo, tinha a regalia de ter uma tevê no quarto. Um quarto, aliás, franciscano, como o hotel, com a tradicional cuba que servia de pia para a higiene pessoal fixada a um canto na parede, mais uma mesa, uma cama e um roupeiro, tudo em madeira desgastada. Eram tempos de faculdade e de administração das finanças com rédea curta. E foi naquela tevê Philco ovalada que assisti sozinho, entre os livros de Engenharia, aos gols de Paolo Rossi, um a um, três gols que mandaram de volta para casa aquela que se diz ter sido a melhor Seleção Brasileira, depois dos esquadrões que se formaram à volta de Pelé. Estava consumada o que a história chamaria de "tragédia de Sarriá".
Naquele tempo, o dia não se encerrava por causa de um jogo do Brasil na Copa. Ficou a frustração para os brasileiros. Troquei de roupa e peguei o Expresso Camobi que me levaria até o campus da universidade. A vida tinha de continuar.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres está publicando em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.