Viver um momento de crise como o desastre climático que atinge o Rio Grande do Sul desde o começo de maio pode gerar gatilhos emocionais e desencadear doenças tanto nas vítimas quanto na população que afetada indiretamente pela tragédia.
Além de quem atua na linha de frente, todos que acompanham o aumento da lista de mortos — com 172 pessoas até terça-feira (4) —, a busca por desaparecidos e a soma dos estragos causados em todo o Estado podem sentir os efeitos da tragédia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos seis grupos de pessoas devem ser priorizadas nos primeiros cuidados psicológicos pós-crise. São elas:
- Pessoas que tiveram impacto direto
- Familiares e amigos das pessoas que estavam no local atingido
- Equipes de socorristas, voluntários e jornalistas
- Comunidade que não estava no local, mas faz parte do entorno
- Pessoas que ficam sabendo do caso pela imprensa e formam uma corrente de solidariedade
- Pessoas que poderiam "estar lá", mas por algum motivo não estavam
Conforme a psicóloga e doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Ciomara Benincá, todas essas pessoas podem apresentar sinais de desequilíbrio emocional que podem ou não ser relacionados à existência de comorbidades ou problema já diagnosticados de saúde mental. Sentimentos de empatia e culpa são reações naturais de alguém que, neste caso, está acompanhando a situação vivida no Rio Grande do Sul.
— O fato de sempre lembrar das vítimas ao pegar uma roupa quente ou quando sente fome é normal. Nos leva a pensar em como ajudar, em mandar donativos ou se agarrar a fé. É o que nos torna humanos, nossa capacidade de empatia, de se colocar no lugar do outro. Porém, quando isso tira a nossa paz, nos leva a crença na vida, aí sim temos um traço preocupante — aponta a especialista
Sinais de alerta
Pessoas que já passaram por traumas parecidos ou que convivem com outros problemas psicológicos têm propensão maior a apresentar sintomas que precisam de tratamento profissional. Entre os sintomas de alerta estão a perda de apetite, alterações no sono, frustrações e incapacidade de ver uma saída, como aponta Ciomara:
— Se essa preocupação nos tirar a vontade de fazer coisas, começar a questionar o próprio funcionamento do mundo, não crer no futuro e não parar de pensar sobre isso, deve-se procurar ajuda. Todos podem ser indicativos de processos depressivos. Talvez essa pessoa já estivesse nesse processo e o evento dessa grandeza ajuda a diagnosticar — explicou.
A preocupação de quem não está no local atingido também pode gerar um processo chamado de luto público ou coletivo. Em casos de grandes tragédias e eventos imprevistos, a gravidade da situação e a violência dos fatos acabam gerando um trauma.
— Podemos citar a tragédia da Boate Kiss e a queda do avião da Chapecoense, onde perdemos muitas vidas de uma só vez. Ou até mesmo morte de celebridades. O que acontece é que o paciente se enluta por essas pessoas como se fossem parte da sua vida. Também acontece com pessoas que conheceram as cidades afetadas, que olham a violência das fotos e entendem a dimensão da tragédia, isso acaba gerando um trauma — completa.
O fato de sentir a dor do outro e reconhecer o sentimento de tristeza por empatia é um dos passos mais importantes, diz a psicóloga. São eles que fazem com que as pessoas ajudem, de alguma forma, aqueles que foram afetados pela chuva. Este é um movimento que vemos em todo o país, de pessoas que se solidarizaram pela causa dos gaúchos.
— Para estas pessoas, não importa se conhecem ou não as vítimas, elas se compadecem e entendem que todos são iguais a ela. É isto que induz a fazer algo a respeito e a promover ações. Quem tem uma estrutura psicológica consegue organizar esses grupos. Não há uma maneira correta de “reagir” a essas catástrofes, apenas prestarmos atenção aos sentimentos e procurar ajuda, se necessário — pontuou.