Há cinco anos, na madrugada de 29 de novembro de 2016, chegavam informações de todos os lados sobre a queda de um avião na Colômbia. Aos poucos, os detalhes foram sendo elucidados e a tragédia era anunciada. A aeronave, uma Avro Regional Jet 85, da companhia aérea LaMia, transportava a delegação da Chapecoense e profissionais da imprensa para a final da Copa Sul-Americana de 2016. O avião caiu nos arredores de Medellín, na cidade de La Unión, e, das 77 pessoas a bordo, 71 morreram. Os seis sobreviventes renasceram. E, junto com eles, as famílias e os amigos das vítimas, o próprio clube e os pouco mais de 200 mil habitantes do município de Chapecó tiveram de recomeçar. E, até hoje, lutar por justiça.
As investigações apontaram uma série de erros que levaram ao acidente. O mais evidenciado foi a falta de combustível, já que a aeronave tinha autonomia para voar cerca de 3 mil quilômetros, e a distância entre Santa Cruz de la Sierra, local da decolagem, e Medellín, o destino, era de 2,9 mil. Assim, não havia combustível suficiente para o caso de algum imprevisto. Era preciso fazer uma escala, que não aconteceu.
De acordo com o relatório final da investigação, foi apresentado às autoridades colombianas um plano de voo que previa uma parada para reabastecer o avião em Cobija, na Bolívia. As autoridades bolivianas, no entanto, tinham em mãos o plano de voo real e, mesmo assim, autorizaram a decolagem. Além disso, o piloto poderia ter evitado o acidente caso alertasse a torre de controle da falta de combustível, indicada por uma luz de emergência, assim que ela acendeu. Mas, conforme a apuração da aeronáutica colombiana, a emergência só foi declarada três minutos e quinze segundos antes da queda.
— O que houve foi uma série de negligências. As pessoas entraram naquele avião para morrer. Elas só não sabiam que morreriam — ressalta Fabienne Belle, presidente da Associação dos Familiares das Vítimas do Acidente da Chapecoense (AFAV-C) e viúva do fisiologista Luiz Cesar Martins Cunha.
Passados 1827 dias do fatídico incidente, que mobilizou o país e toda a comunidade esportiva mundial, pouco foi feito em prol das famílias das vítimas. Responsabilizações? Quase nada. Diversas ações seguem em aberto, apenas uma pessoa está presa e praticamente nenhum auxílio foi prestado pela companhia aérea, que deixou de existir, ou pelas seguradoras envolvidas no caso.
— Sabíamos desde o início que seria um longo caminho para percorrer. Infelizmente, a gente segue o ritmo da Justiça. Não só na questão de indenizações, mas também na questão criminal. Tem casos do acidente da TAM (2007), por exemplo, que ainda estão em aberto. Várias pendências judiciais que as famílias seguem aguardando — relata Fabienne, ciente da demora no desfecho de casos semelhantes.
De fato, o caminho está sendo longo e ainda sem um final visível. Atualmente, o Senado realiza uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que é uma investigação conduzida pelo Poder Legislativo, para apurar o que levou à queda do avião e identificar os responsáveis pelo acidente. Em meio à CPI, a Justiça aceitou uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal de Santa Catarina e tornou rés as seguradoras, resseguradoras e corretoras envolvidas com o voo da Chapecoense.
Além disso, há processos na Justiça para cobrar indenizações em cinco países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Estados Unidos e Inglaterra. São ações abertas pelos familiares das vítimas, que cobram a responsabilização dessas empresas.
Em uma das ações, que tramita na Flórida, onde foi feita a contratação do seguro, o juiz Martin Zilber determinou o pagamento de 844 milhões de dólares (R$ 4,7 bilhões) para as 42 famílias presentes no processo. Uma das seguradoras, a Tokio Marine, porém, moveu uma ação em Londres para que o processo fosse paralisado, alegando que outras 12 empresas teriam envolvimento e teriam de dividir o valor da indenização.
— Não contamos com a boa vontade das seguradoras e da corretora. Eles se colocam como sem nenhuma responsabilidade nesse processo todo. Isso também é um entrave nos processos — explica Mara Paiva, vice-presidente da AFAV-C e viúva do ex-jogador e comentarista Mario Sergio.
Mas, mesmo antes de o avião partir de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, os erros já estavam colocados. No seguro contratado pela LaMia, a apólice excluía a Colômbia, que seria o destino da aeronave, dos territórios sobre os quais poderiam voar. Além disso, a quantia de 25 milhões de dólares (R$ 139 milhões) era insuficiente, ainda mais para carregar uma equipe de futebol.
Ainda assim, a única responsabilizada até o momento é a boliviana Celia Castedo, controladora responsável por assinar o plano de voo. Ela mora no Brasil desde 2016, quando solicitou asilo alegando ameaças por conta de declarações sobre o voo 2933, e teve prisão assinada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que determinou a sua extradição. Uma nota divulgada pela Polícia Federal diz que ela é "procurada pela Justiça boliviana para responder pela suposta prática do crime de atentado contra a segurança no espaço aéreo".
— Querem usar a Celia para ser o boi de piranha. Isso é menosprezar a inteligência das pessoas que estão indo atrás de respostas. Ela teve a sua parcela de culpa enquanto profissional, mas não é só isso. Essa é uma ponta, e sempre estoura na ponta mais fraca — lamenta Mara.
Na parte criminal, existem muitos elementos que precisam ser levantados para que se tenha uma condenação pelos atos e pelas omissões também. Em seguida ao acidente, algumas pessoas até foram presas, mas logo foram liberadas
FABIENNE BELLE
presidente da AFAV-C e viúva do fisiologista Luiz Cesar Martins Cunha
Por parte das seguradoras, o máximo que foi feito foi uma oferta de acordo da Tokio Marine para o pagamento de um fundo humanitário no valor de 225 mil dólares (menos de R$ 1 milhão à época), com a condição de que quem recebesse essa quantia desistisse de qualquer ação judicial contra as empresas envolvidas.
— A companhia aérea deixou de existir depois do acidente, nem tiveram a capacidade de dar apoio psicológico às famílias. A LaMia era um fantasma que foi exorcizado e deixou todo mundo na situação que você vê até hoje. Com relação à seguradora, a Tokio Marine se propôs a pagar esse fundo humanitário, que tinha como objetivo a isenção de responsabilidades. Algumas famílias aceitaram, por uma questão de necessidade mesmo, mas é uma ajuda que tira os direitos das famílias. Essa foi a única ação que a seguradora teve — ressalta Fabienne Belle, presidente da AFAV-C.
A missão da associação, segundo ela e Mara, é lutar para que os responsáveis não fiquem impunes e outras famílias não passem pelo que elas e tantos outros parentes das vítimas tiveram de sofrer.
A gente espera que o relatório dessa CPI no Senado nos ajude a dar uma chancela e possamos anexar aos nossos documentos nas ações judiciais, para mostrar que o nosso país reconhece que essas pessoas morreram por uma série de erros e negligências
MARA PAIVA
vice-presidente da AFAV-C e viúva do ex-jogador e comentarista Mario Sergio
— Por isso não queremos passar pano, não queremos que isso aconteça de novo, para que outras famílias não sintam a dor que a gente sente. Esse é o nosso compromisso, porque nós fomos vítimas dessas irresponsabilidades, dessas más práticas. Como vamos nos calar? Chegamos até aqui, o pior a gente já passou — destaca a viúva de Mario Sergio.
O pior pode já ter passado, mas ainda há um longo caminho até que todas as indenizações sejam devidamente pagas e os responsáveis, punidos. Só assim essa página triste da história do futebol brasileiro poderá ser virada, embora jamais esquecida.