Por Fábio Bernardi, sócio-diretor de criação da Morya
Podia ser uma série da Netflix com várias temporadas, mas esteve em cartaz numa das muitas periferias brasileiras. Podia ser qualquer lugar, até mesmo em Porto Alegre, mas aconteceu no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Podia ser ficção, mas é a mais pura realidade. Podia ser apenas uma questão de bandidos, mas infelizmente não é. Podia ser apenas uma história de um homem desconhecido, mas vai lendo que a história dele se encontra com a sua lá no final. E quem morre no fim é a justiça.
Antônio Ilário Ferreira, vulgo Rabicó, é mais um traficante que comanda a venda de drogas num morro qualquer. Um dia, Rabicó diz para seu então aliado 2N que deseja comprar 23 caixas de munição para fuzil AK, com entrega imediata. As caixas viriam do Paraguai com entrega em no máximo uma semana. Porém, desconfiando da lealdade de 2N, Rabicó mudou de ideia e mandou Schumaker executá-lo. Veio então outra reviravolta: 2N soube do plano, matou o Schumaker, virou 3N, mudou de facção e agora briga contra Rabicó pelo controle do Complexo do Salgueiro. Rabicó também entra em campo no Morro do Juramento, na zona norte carioca. Lá manda entregar R$ 300 mil a um fornecedor de drogas e armas, querendo ampliar seus domínios. Rabicó gere seus negócios na pontas dos dedos – literalmente.
Cinquenta quilos de cocaína ontem, R$ 250 mil em drogas hoje, 500 quilos de maconha amanhã, seis fuzis com 24 pentes na semana passada. O movimento cresce a ponto de Rabicó precisar comprar um caminhão apenas para fazer o transporte de armas e munições. E assim como Rabicó tem vários fornecedores e receptadores, também precisa ter várias contas bancárias. Nos últimos meses, por exemplo, Rabicó usou 14 bancos diferentes para transferir recursos aos seus parceiros de negócios, como Monstrão da Mangueira e Marreta, chefe do Comando Vermelho. Com tantas conversas e tantos bandidos, Rabicó acabou pego em receptações telefônicas, negociando armas e drogas abertamente. Tudo gravado. Mas tudo isso não adiantou nada.
Rabicó tinha sido condenado a 27 anos e três meses de prisão, e estava preso há 11 anos e oito meses. Mas não está mais. Foi solto pelo ministro Marco Aurélio Mello há cerca de 10 dias. Mas o ministro foi exigente: pediu para Rabicó ficar em casa e atender a qualquer chamamento judicial, mantendo-se numa postura íntegra. Não se sabe se Rabicó aceitou o pedido, mas ouviram-se algumas risadas na cadeia.
No Brasil o crime compensa. Ao menos até a segunda instância.