Por Fábio Bernardi, sócio-diretor de criação da Morya
Assim como em 2013 não era pelos vinte centavos, as manifestações no Chile também não são pelo preço do metrô. Nesse novo mundo complexo, volúvel, instável e ambíguo, as razões podem até ficar difusas, mas os sentimentos são cada vez mais claros e transformadores. Pode anotar aí: as novas gerações não vão mais aceitar passivamente o que antes era apenas tido como a lógica dos mercados. Quem melhor captou isso foi Martin Wolf, analista-chefe do Financial Times, ao apelidar certos regimes dos tempos atuais de "capitalismo rentista", onde o simples acúmulo financeiro como objetivo principal, seja de empresas, governos ou sistemas, faz com que as pessoas deixem de acreditar que podem ter acesso aos benefícios prometidos por empresas, governos ou sistemas.
E se hoje isso é cada vez mais visível na política e nos governos, prevejo que, em pouco tempo, será assim também nas empresas e nas relações sociais. Essa história de que o mercado tudo regula, ou de que a meritocracia deve prevalecer para recompensar as pessoas, é bonita mas irreal – e dita quase sempre por quem já chegou lá.
E isso não tem nada a ver com o Foro de São Paulo, é apenas saber que não dá pra igualar a linha de chegada quando a linha de saída não é a mesma. Os que hoje estão nas ruas são filhos e netos de gerações que se preocuparam em construir carreira e gerar crescimento pessoal, mas, convenhamos, fizeram pouco pelo coletivo. Estão aí o efeito estufa, o aumento da desigualdade mundial, o crash financeiro de 2008, o crescimento dos suicídios entre os jovens e mais uma série de efeitos colaterais do mundo moderno para provar.
Por sorte, o novo mundo tem novos habitantes que exigem que o esforço na vida faça sentido. E eles não vão mais aceitar terem suas oportunidades limitadas por elites empresariais que acumulam apenas para si, sem nunca chegar o dia em que aquele bolo, que todos trabalharam juntos para fazer crescer, é dividido. E não falo apenas de dinheiro, não é uma visão socialista. Trata-se de dividir respeito.
Presidentes que ainda exigem licença paternidade máxima de 5 dias, ficam na porta contando quem se atrasa, enchem os bolsos de dinheiro sem dividir bônus, descontam dia parado de quem foi cuidar do filho numa emergência de hospital, administram aos berros, só contratam gente branca de classe média, pagam salário maior para os homens e fingem serem legais porque patrocinam cultura com o dinheiro do seu imposto de renda, podem esperar: seu dia de Piñeda está logo ali. Não é por vinte centavos, não é pelo preço do metrô, é apenas porque a vida tem que ser maior do que acumular muito e dividir pouco.