Por Fábio Bernardi, sócio-diretor de criação da Morya
Parem de nos matar.
A frase acima estava numa faixa estendida no enterro de Ágatha, uma menina de oito anos morta com um tiro pelas costas, provavelmente por um policial, quando voltava pra casa com a mãe no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Menina. Oito anos. Morta. Tiro. Pelas costas. Com a mãe. Policial. É absurdo e inaceitável que esta sequência de palavras esteja na mesma frase.
O Brasil de hoje se divide entre quem chama isso de tragédia e quem chama de fatalidade. É claro que um policial militar não acorda, coloca a farda, se despede da família e vai pro morro com a intenção de matar uma criança com um tiro pelas costas. Claro que não. Mas você imagina este mesmo policial disparando um tiro a esmo numa Kombi de gente branca no Leblon ou no Moinhos de Vento? Matar uma menina negra num morro não é um mero efeito colateral de uma pretensa guerra às drogas. É a própria guerra destruindo corações e mentes, é a própria droga, inebriando o cérebro e deixando doentes os seres humanos que tudo aceitam em nome do projeto político que defendem.
Ágatha Félix, que estudava inglês e fazia balé, que não votou em Lula e nem em Bolsonaro, teve sua infância exterminada à bala. Seus pais tiveram sua vida ferida de morte para sempre. Na escala de atrocidades humanas não há nada que chegue perto de matar uma criança. Ainda mais com um tiro pelas costas dado pelo Estado que deveria defendê-la. Roubar milhões da Petrobrás não faz cócegas perto disso. Desviar dinheiro do BNDES, financiar ditadura em Cuba, apoiar o Hugo Chávez, tudo isso é café pequeno. Chega dessa falácia de querer nos colocar nesse falso dilema moral, "mas no tempo do PT isso", "o Freixo aquilo" e a Rede Globo aquilo outro". Enquanto trocamos fake news nas redes sociais a verdade é baleada todos os dias pela realidade. E se Lula não assinou recibo da corrupção e Witzel não puxou o gatilho, ambos são culpados porque estimularam ou fecharam os olhos para os crimes de suas tropas.
Como podemos normalizar a morte de uma criança com um tiro pelas costas? Como pode ter gente que prefere virar a cara e olhar para outra coisa?
Olhe de novo para a foto de Ágatha vestida de mulher maravilha. Sorrisinho de quem sonha, brinca, imagina. Conta fábulas para si mesma. Sobrevivendo graças à alegria e à invenção, diante da violência do tráfico, das milícias e até do governo com suas forças policiais desmedidas. Com pode haver uma "política de atirar"? Como podemos normalizar a morte de uma criança com um tiro pelas costas? Como pode ter gente que prefere virar a cara e olhar para outra coisa? Que relativismo cínico é esse? Se você acha que a vida de uma criança está abaixo da política ou da ideologia, se você iguala a proteção à vida ao crescimento econômico, você que está aí sentado lendo seu jornalzinho e tomando seu chimarrão quentinho, protegido debaixo do seu teto numa casa toda chaveada, desculpe, mas você também é responsável. Essa menina também morreu nas suas mãos.