A série de desencontros entre o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno familiar com os partidos e a liderança da Câmara começa a cobrar uma conta para a qual o país não está preparado. Sem um controle de danos efetivo, o palavreado agressivo de quem ainda não desceu do palanque passou a gerar uma curva acentuada de desgaste da figura presidencial e a contaminar a perspectiva de uma reforma da Previdência profunda e relativamente rápida. A equação é simples: sem reforma, as contas públicas do Brasil vão entrar em uma espiral crescentemente negativa. Sem estabilidade fiscal, o governo não investe em obras e serviços, empresários arquivam planos e investidores estrangeiros passam ao largo do Brasil. Ou seja, há um aprofundamento da recessão e do desemprego. Em última, análise, o governo Bolsonaro afundaria, levando com ele as esperanças de uma recuperação da economia, abrindo a porta para toda sorte de propostas messiânicas, aventureiras ou irresponsáveis.
Cabe ao presidente da República liderar o processo da reforma da Previdência pelo exemplo
Para evitar o naufrágio, é preciso que o presidente tome atitudes objetivas, a começar por assumir a liturgia do cargo. Bolsonaro deve entender que ser presidente é diferente de ser deputado. Na Câmara, qualquer um pode dizer qualquer asneira que lhe venha à cabeça – o máximo que lhe ocorrerá é ser carimbado de político exótico. Na cadeira presidencial, uma vírgula fora de lugar em uma frase dita de supetão mexe com a bolsa e o câmbio, afasta amigos, cria inimizades, abre crises desnecessárias.
Governar é também admitir ser impopular ao propor remédios amargos, e aceitar pagar um preço por isso. Nem sempre a vontade popular, ainda mais em tempos de manipulação digital, deve imperar. Fosse assim, imagine-se o resultado de um referendo para saber se as pessoas desejam seguir pagando impostos. Cabe ao presidente assumir abertamente a responsabilidade pela superação das dificuldades – e não, por receio de perder popularidade, terceirizá-la para o presidente da Câmara.
Bolsonaro assumiu a Presidência disposto a reescrever a história política brasileira, o que seria positivo se viesse a corrigir os muitos desvios do sistema. Para redesenhar a paisagem política, seria de esperar que o presidente ampliasse seu arco de apoio social e partidário, mas não é o que se vê. Ao dar trela ao discurso radical e antipolítica, Bolsonaro segue um curso contrário e se isola de seus seguidores mais fiéis em um mundo de fantasia que combate inimigos imaginários. No fundo, ele prega para os convertidos em vez de buscar construir pontes. Escapar da armadilha do casulo ideológico pressupõe que o círculo mais íntimo do presidente pregue a pacificação dos contrários, e não o conflito, nas redes sociais. Em circunstâncias normais, o guerrilheiro de celular na mão é um boquirroto que não mereceria qualquer atenção. Mas, se carrega o sobrenome do presidente ou é cortejado em um jantar presidencial, seus estragos, inclusive os causados em companheiros de governo, passam a ser assunto de Estado. Tais ataques desgastam o governo, o presidente, o cenário político e a economia.
A hora é de unir o país ou de, ao menos, buscar consensos mínimos, no interesse maior da população, tenha o eleitor votado ou não na proposta de Jair Bolsonaro. Cabe ao presidente da República liderar o processo da reforma da Previdência pelo exemplo. Enquadrar os membros de seu entorno que jogam combustível na fogueira das vaidades já seria um bom início.