Mais impopular presidente da história recente do Brasil, Michel Temer livrou-se durante sua passagem pelo Palácio do Planalto de duas tentativas de abertura de processos, enquanto acumulava antipatias e demonstrações de desprezo. Alvo obstinado do então procurador-geral de Justiça, Temer arrastou-se como pôde, não sem queimar o que lhe restava de imagem pública, até o fim do mandato, e virou figura carimbada entre as apostas de que, mais dia ou menos dia, responderia pelas acusações em série que empilhara desde a fatídica gravação noturna no porão do Palácio Jaburu em maio de 2017.
Entre a obrigatória investigação e o provável julgamento, com possível condenação, no entanto, deveria ir uma distância mais ampla antes de ser decretada a prisão do ex-presidente por tempo indeterminado. A adoção de uma medida extrema como a prisão preventiva tem por objetivo garantir a ordem, impedir que o suspeito atrapalhe as investigações, a exemplo da ocultação de provas e ameaças a testemunhas, ou a continuidade da atividade criminosa. Até onde se pôde constatar, a presença de um ou mais destes requisitos não são inquestionáveis no caso da prisão de Temer.
A necessidade de cadeia antes do julgamento deveria ser melhor comprovada no caso do ex-presidente
Se é temerário acusar o juiz Marcelo Bretas de "exibicionismo", como o fez um ex-ministro, ou de agir em represália à decisão do STF que remete à Justiça Eleitoral ações originadas em caixa 2, também o é despachar de ofício para a cadeia alguém que, se desejasse esconder provas, já teria tido o espaço de quase dois anos para tanto. Difícil acreditar ainda que o ex-mandatário, recolhido virtualmente ao anonimato há quase três meses, represente no momento um risco para a ordem ou para a sociedade.
O fato de ter sido inquilino do Palácio do Planalto não deve produzir qualquer privilégio ao cidadão comum Michel Temer desde o dia 1º de janeiro passado. É justo observar, porém, que o ex-presidente Lula, sobre quem recaem processos em série, corretamente só foi preso depois de julgado e condenado em segunda instância após meses de intenso vaivém jurídico, com pleno direito de defesa e recursos. A prisão é alvo, até hoje, de controvérsia baseada na interpretação da Constituição.
Colocar Temer na cadeia, mesmo sem condenação legal, atende, sem dúvida, a um clamor da maioria do povo brasileiro, justificadamente saturado com a procissão de escândalos em Brasília. Mas não é a voz das ruas que deve fazer justiça, e sim as leis e o sistema jurídico. Ao não conseguir afastar integralmente a sensação de arbitrariedade ou de exagero na prisão de Temer sem ter sido julgado, a força-tarefa e o juiz Bretas correm o risco de reforçar os argumentos dos que tentam destruir a reputação de uma operação jurídico-policial que mudou a história do país.
É certo que, a não ser os envolvidos direta e indiretamente, a ninguém interessa desmanchar a imagem da Lava-Jato. Por isso, não deveriam seus mentores e executores ser, a exemplo do que ocorreu com a malfadada criação de uma fundação sob inspiração dos procuradores com bilhões de multas da Petrobras, responsáveis por dar combustível para questionamentos sobre a legitimidade e a extensão da mais relevante iniciativa na história brasileira para dar um basta à corrupção.