A estátua do Cristo Redentor convertido em foguete desgovernado na capa da revista britânica The Economist, em 2013, no governo Dilma Rousseff, foi apenas o primeiro indício de que o mundo começava a observar o Brasil com desconfiança. Vieram o impeachment, a campanha presidencial que rachou o país, uma guinada conservadora que, se por um lado animou o mercado com promessas de reformas e enxugamento dos gastos públicos, por outro provocou apreensão pelo alinhamento a líderes nacionalistas e autoritários, que defendem a revisão da ordem global, construída, segundo eles, por um suposto marxismo cultural entranhado em organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU).
A refundação do Itamaraty, prometida pelo chanceler Ernesto Araújo, reivindicava uma aliança carnal com os EUA e a reavaliação de parcerias com governos que não estivessem na mesma batida ideológica – como a China, maior compradora de produtos brasileiros, e os países árabes, importadores de carne halal, mas divergentes da política de Israel.
A turbulência inicial do governo em início de mandato ganhou contornos de crise mais ampla com os incêndios na Amazônia, em 2019. Na gestão Jair Bolsonaro, o Brasil voltava às manchetes internacionais – e para ficar. Se uma imagem vale por mil palavras, nenhuma pega tão mal fora do país quanto a das chamas na floresta. Enquanto o governo federal questionava os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o tamanho da tragédia ambiental, jornais, emissoras de TV e rádio da Ásia à Europa, passando por América do Norte e África, noticiavam o gigantismo do problema: “Fumaça de incêndios florestais na Amazônia mergulha São Paulo na escuridão no meio do dia”, dizia a emissora conservadora Fox News, dos EUA. Do outro lado do Atlântico, no Reino Unido, o jornal britânico The Independent anunciava: “O julgamento final está chegando: o pior incêndio florestal da história”.
Diante das críticas de líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, o governo brasileiro deixou de lado a posição de discrição da diplomacia e respondeu em nível pouco habitual à linguagem refinada da Casa de Rio Branco. Reagiu endossando uma mensagem sexista de um apoiador nas redes, que zombava da aparência física da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, e a comparava à brasileira Michelle Bolsonaro. A francesa tem 67 anos, a brasileira, 38: “Entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?”, dizia a mensagem. Bolsonaro comentou: “Não humilha, cara. kkkkkk”.
Simpatizantes aplaudiram: o Brasil não estava baixando a cabeça para a França. Integrantes do governo se referiram a Macron como “calhorda”, “cretino” e “Mícron”. As críticas se estenderam à chanceler Angela Merkel, depois que a Alemanha recuou da ajuda financeira, junto com Noruega, para o combate ao desflorestamento. A retirada da verba era uma prova de que os danos na imagem internacional do país rapidamente poderiam se converter em prejuízos concretos. Na Europa, parlamentos de três países – França, Áustria e Holanda – aprovaram moção contrária ao acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia devido à falta de garantia de proteção à Amazônia.
A pandemia recolocou o Brasil nas manchetes internacionais com frequência pouco vista. A negação da gravidade do coronavírus pelo governo, a rejeição a dados científicos, a defesa da cloroquina, mesmo sem comprovação médica, as rixas com governadores, que reivindicavam fechamentos da economia, em oposição ao que queria o Planalto, foram migrando das páginas das editorias internacionais para as capas dos diários globais. Quando a covid-19 tomou a curva ascendente no Brasil, o país ficou conhecido mundialmente por demitir o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que seguia protocolos internacionais e defendia o isolamento social, em divergência com a exigência de reabertura de Bolsonaro. “Ministro da Saúde do Brasil demitido após confrontos com o presidente Bolsonaro”, dizia The Straits Times, de Singapura, país que se tornou exemplo de contenção do vírus. “Mandetta era símbolo da luta contra a covid-19”, analisava o francês Le Figaro. “Bolsonaro demite ministro após disputa por causa do vírus”, mancheteava o New York Times.
Vinte oito dias depois, caía o segundo ministro, Nelson Teich: “Brasil volta a ficar sem ministro da Saúde”, afirmava o Expresso, de Portugal. Nesse intervalo, a renúncia de Sergio Moro, personalidade política brasileira mais conhecida fora das fronteiras nacionais (“estrela”, segundo The Guardian), também deixava o governo. “O juiz símbolo da Lava-Jato era a melhor carta de Bolsonaro”, afirmava o La Nación.
A imagem de um país está ligada ao bem ou ao mal que causa à humanidade. Quando se volta para dentro e contribui menos para o mundo, sua imagem tende a declinar.
SIMON ANHOLT
Consultor internacional
Com o coronavírus em expansão e o descontrole em Brasília, vizinhos começaram a se preocupar. Paraguai, Uruguai e Argentina, que conseguiram controlar o vírus, temem transbordo da doença. Em regiões de fronteira com o Brasil, medidas de flexibilização foram adiadas. Entre Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, o exército paraguaio cavou fossas para evitar a entrada de carros do Brasil. Brasileiros que vivem em Buenos Aires e Assunção relataram xenofobia. Nos EUA, o aliado Donald Trump proibiu o ingresso de quem tivesse passado pelo Brasil no período de 14 dias.
– Se você olha para o Brasil, eles estão passando por um momento muito difícil – disse Trump no último dia 5.
Na mesma data, um episódio reforçou a desconfiança global. No final da tarde, o governo tirou do ar a plataforma que divulgava as estatísticas sobre mortos e infectados pela covid-19. O apagão de dados brasileiros obrigou a Universidade Johns Hopkins, referência de monitoramento da pandemia, a cessar a contabilidade de óbitos no país. O site voltou ao ar no sábado, com metodologia diferente. No domingo, ao divulgar dados divergentes sobre mortes, o Brasil atraiu para si uma aura de dúvida sobre a transparência – colocando-se no mesmo nível de nações autoritárias, como Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte e Turcomenistão – em algumas delas, governos reivindicam que há zero mortos.
Os jornais internacionais voltaram à carga. Em um dos títulos mais duros, o francês Le Figaro afirmou: “Bolsonaro, capitão sem bússola no coração da tempestade”. O argentino Clarín ironizava: “Madrugada confusa”, sobre divergência de números de óbitos no Brasil. O sistema analítico Bites colocou o presidente brasileiro como o terceiro mais citado do G7 na cobertura do coronavírus, entre os dias 1º de março e 4 de maio – atrás de Trump e Boris Johnson, o premier do Reino Unido.
Nos tempos atuais, não há quase diferença entre realidade e imagem. A pandemia é acompanhada em tempo real. O mundo inteiro está vendo o que está acontecendo aqui. Nós hoje estamos sendo considerados, no mundo, o país que teve o pior desempenho, o mais disfuncional em enfrentar a pandemia.
RUBENS RICUPERO
Embaixador, ex-ministro
Jornais internacionais também destacam o apoio do presidente a atos antidemocráticos, com chamas que lembram a Ku Klux Klan, grupo racista nos EUA, exigindo o fechamento do Supremo e do Congresso. Financial Times, espécie de Bíblia dos investidores, fez editorial alertando para o risco à democracia brasileira. A opinião institucional dos veículos, expressa nesses textos, também foi de preocupação em The Washington Post, Le Monde, El País e The Guardian. Nos três meses, da negação inicial à tentativa de ocultação de cadáveres, a imagem do Brasil se deteriora lá fora a tal ponto que, segundo especialistas, as consequências podem ser a perda de investimentos e a erosão do chamado soft power (poder de persuasão na política internacional, algo construído por décadas de prestígio do corpo de diplomatas do Ministério das Relações Exteriores).
– Nos tempos atuais, não há quase diferença entre realidade e imagem. A pandemia, hoje em dia, é acompanhada em tempo real. O mundo inteiro está vendo o que está acontecendo aqui. Jornais mostram cenas de enterros em Manaus. Nós hoje estamos sendo considerados, no mundo, o país que teve o pior desempenho, o mais disfuncional em enfrentar a pandemia – afirma o ex-ministro da Fazenda e embaixador Rubens Ricupero, que assinou, junto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chanceleres e diplomatas de governos anteriores, uma carta de repúdio, na qual criticam a atual condução da política externa brasileira que, segundo eles, atenta contra a Constituição.
A quem pergunta sobre a imagem do Brasil, Ricupero costuma responder:
– Que imagem?
Depois, diante de uma reflexão, pondera:
– (O país é) O lugar do qual as pessoas têm medo.
O valor da marca Brasil
Cientista político e professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard, Hussein Kalout afirma que o coronavírus escancarou as debilidades da atual política externa brasileira.
– Qual país do mundo, em meio a uma pandemia, demite o ministro da Saúde? Qual país categoricamente nega a ciência? Três ou quatro, no máximo. Normalmente Estados totalitários que adotam o mesmo discurso negacionista quanto aos efeitos do problema – pondera o pesquisador, que integra o Belfer Center for Science and International Affairs da Harvard Kennedy School of Government.
O professor conta que, nos corredores da prestigiada instituição de ensino norte-americana, localiza em Cambridge, pesquisadores e estudantes interessados em assuntos brasileiros questionam, com espanto, a gestão da crise sanitária pelo Brasil:
– Não conheço ninguém que se interessa pelo Brasil, dentro do círculo universitário, que não esteja espantado.
Um dos principais brasilianistas dos EUA, Herbert Klein, professor emérito de História de outra prestigiosa universidade, a Columbia, de Nova York, afirma que, mesmo nos sisudos centros acadêmicos norte-americanos, a comparação entre o presidente norte-americano e Bolsonaro é analisada com alguma ironia.
– Chamam o brasileiro de “pequeno Trump”. Isso significa dizer que é uma pessoa que não tem autonomia, não é independente, é parte de um movimento de extrema-direita que copia tudo o que Trump faz, sem originalidade – explica.
Na opinião do pesquisador, que há décadas estuda o Brasil, companhias europeias estão começando a rejeitar a compra de produtos brasileiros, se a nova lei de regularização de terras – que na opinião de ambientalistas pode estimular ocupações ilegais em áreas de florestas – entrar em vigor.
Em entrevista recente a GaúchaZH, o médico brasileiro Miguel Nicolelis, que vive há 32 anos nos EUA, afirmou:
– Talvez quem esteja no Brasil não tenha a exata noção, mas a imagem do Brasil lá fora foi derretida. Não temos mais nada pelo que zelar. Já estávamos nesse caminho, e o coronavírus foi a pá de cal. O presidente Bolsonaro foi eleito por todos os grandes jornais europeus e norte-americanos como o inimigo número 1 do combate ao vírus.
Que país, em meio a uma pandemia, demite o ministro da Saúde e nega a ciência? Três ou quatro, no máximo. Normalmente Estados totalitários que adotam discurso negacionista quanto aos efeitos do problema.
HUSSEIN KALOUT
Professor de Harvard
Mas, quando se fala em imagem do Brasil, o que é exatamente essa representação? Como empresas ou produtos, os países têm, de fato, marcas? Qual seria a “marca Brasil”?
O professor Marcos Machado, que ministra o curso de Country Brand na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica que a “marca país” existe independentemente de um processo de gestão estruturado de construção de uma imagem. É composta por seis pilares relacionados à maneira como o mundo enxerga uma nação:
Turismo – Em geral, está associado a um desejo de conhecer outro país. Responde à pergunta: “Se você tivesse dinheiro e pudesse viajar para qualquer lugar do mundo, para onde iria?”.
Produtos e marcas – O que vem a sua cabeça quando pensa em produtos associados a algum país? Um vinho francês, a marca de um carro, uma roupa, um refrigerante...
Governança – Responde a quanto um país contribui para tornar o mundo melhor, para aspectos globais, como a paz internacional, o respeito ao ambiente, à liberdade e aos direitos individuais.
Investimento e migração – Está relacionado à pergunta: “Se você pudesse se mudar para qualquer lugar do mundo, para onde iria?”.
Legado cultural – Trata-se da contribuição de um país para áreas como música, cinema, literatura, esporte, filosofia.
Pessoas – Responde à questão: “O quanto você gostaria de ser amigo de alguém desse país?”.
Um país que projeta uma “marca forte” costuma pontuar bem nas seis dimensões. Segundo Marcos Machado, o Brasil tem como característica uma boa percepção na dimensão “pessoas”. Mas, pontua ele, a imagem de um país violento, com notícias de estrangeiros assaltados, prejudica o item “turismo”. Sobre governança, estamos melhores do que países com regimes menos democráticos, como Venezuela e Nicarágua, por exemplo. O pesquisador analisa que, como legado cultural, a música brasileira já não é mais tão conhecida lá fora, se comparada ao pop norte-americano, e nossos ídolos mais recentes do esporte andaram encrencados com a Justiça: Neymar foi denunciado por estupro (o caso foi arquivado) e Ronaldinho está preso no Paraguai.
– Em resumo: a gente sempre foi bem no quesito “pessoas”. O brasileiro, de modo geral, é visto pelo mundo como um povo simpático, amigo, feliz. Boa parte das nacionalidades acha que somos o povo mais feliz do mundo, e a gente não desmente – analisa o professor, que salienta, entretanto, que o Brasil não tem um plano estruturado de gestão de marca.
A gente sempre foi bem no quesito ‘pessoas’. Boa parte das nacionalidades acha que somos o povo mais feliz do mundo, e a gente não desmente.
MARCOS MACHADO
Professor da ESPM
Nesse ponto, a Alemanha fez o tema de casa. Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a reunificação, o país investiu pesado em ações de propaganda. De um passado manchado pelo nazismo à Guerra Fria e com uma capital dividida por quase 30 anos, emergiu uma nação moderna, cuja imagem hoje está associada ao respeito aos direitos humanos, ao ambiente, ao desenvolvimento tecnológico e à receptividade a estrangeiros. A Copa do Mundo de 2006 foi a grande vitrine dessa repaginação. A seleção alemã deixou escapar a taça, mas o país se mostrou como uma nova Alemanha ao mundo. Oito anos depois, no Brasil, seus jogadores ficaram hospedados em Porto Seguro (BA), treinaram na praia e despertaram o carinho dos brasileiros. Isso também foi uma ação de marketing, segundo pesquisadores. Houve o 7 a 1, a maior derrota do Brasil, mas, depois, na final, dada a simpatia da delegação, muitos brasileiros torceram para os alemães.
Criador do método – e do ranking que leva seu nome, o Índice Anholt-Ipsos National Brands (NBI) –, o consultor britânico Simon Anholt afirma que as pontuações médias do Brasil caíram em 2015 e não se recuperaram desde então. Antes, conforme ele, o país costumava ocupar a 20ª ou a 21ª posição na relação de 50 países. No ano passado, caiu para o 27º lugar.
– O apelo internacional do país parece estar desaparecendo rapidamente. A imagem de uma nação está frequentemente ligada ao bem ou ao mal que causa à humanidade e ao planeta fora de suas fronteiras. Quando um país se volta para dentro e contribui menos para o mundo, sua imagem tende a declinar – pontua o pesquisador, referência mundial em pesquisas sobre imagem internacional de países.
A Alemanha manteve em 2019 a primeira posição no ranking pela terceira vez consecutiva. A França, que estava no quarto lugar, pulou para o segundo, e o Canadá, que estava em quinto, subiu para o terceiro. O Reino Unido, que ficou na terceira posição em todos os anos desde 2011, caiu para a quarta. O Japão, que estava em segundo, caiu para o quinto lugar. Os EUA seguem em sexto. Anholt explica que a nova pesquisa, a ser lançada em setembro, possivelmente computará o impacto das respostas do governo brasileiro aos incêndios na Amazônia e à crise do coronavírus.
Lula era superpopular no Exterior, ninguém se queixava dele até a Lava-Jato. FHC tinha boa reputação, um governo visto como sólido, autônomo e independente, fazendo grande esforço para manter os mercados abertos a produtos de países em desenvolvimento. Tudo isso desapareceu com Bolsonaro.
HERBERT KLEN
Brasilianista
– Meu palpite é de que as percepções sobre o Brasil, em particular no item governança, continuarão em declínio e poderão cair mais rapidamente do que antes – projeta.
Mas o especialista destaca que nem sempre crises domésticas têm impacto na imagem externa do país. Ele cita o caso da Grécia, que viveu uma catástrofe econômica alguns anos atrás, mas que não ofuscaram sua imagem – a maioria das pessoas ainda pensa na Grécia como um país maravilhoso, ensolarado, cheio de praias, pessoas bonitas e comida deliciosa. Questionado sobre como o mundo vê o Brasil hoje, Anholt é sucinto:
– Com uma mistura de prazer, carinho e muita tristeza.
A guinada diplomática
Mesmo sem investimento para construir uma marca, ao longo de décadas o Brasil foi conhecido como o país das praias, do Carnaval, do futebol. Diferentes estudos acadêmicos criticam materiais promocionais e informativos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), que contribuíram, nas décadas de 1970 e 1980, com a imagem estereotipada do Brasil no Exterior, como a divulgação de fotos de mulheres com forte apelo sensual. Nessa construção de imagem, as telenovelas também exerceram importante papel.
No campo da política, o país conta com um dos corpos diplomáticos mais respeitados do mundo. Nos fóruns internacionais, é conhecido como uma nação pacífica, que costuma se colocar historicamente como mediadora de conflitos. Também era um modelo internacional em temas como saúde pública (combate ao HIV) e defesa do ambiente, com personagens que ganharam destaque, a exemplo do ativista Chico Mendes e da ex-ministra Marina Silva.
Uma ação clássica de projeção de imagem foi dada durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, com a partida de futebol entre a Seleção Brasileira e o Haiti, em uma Porto Príncipe ainda se recuperando da guerra civil, em 2004. Cenas de craques como Ronaldo, Adriano, Roberto Carlos e Juninho Pernambucano desfilando em blindados Urutu e Cascavel com o emblema da ONU se tornaram históricas. Outra ação que contribui para a reputação brasileira como uma nação amiga foi a colaboração de décadas das Forças Armadas em missões de paz das Nações Unidas, desde o Batalhão de Suez, nos anos 1950, até a operação no Caribe, encerrada em 2017. No Timor Leste, o trabalho de um brasileiro, o diplomata Sérgio Vieira de Mello, ajudou a erigir as instituições de um nascente país independente.
O Brasil sempre se caracterizou por ser um país obediente às normas internacionais, que era capaz de ser parte da engenharia de grandes consensos, indutor de processos de paz. O que se percebe aqui fora, em relação ao Brasil, é que se abriu mão de todo esse capital diplomático. A leitura que se faz é de que o Brasil está fora do compasso de sua normalidade histórica.
HUSSEIN KALOUT
Professor de Harvard
O brasilianista Herbert Klein resume a atuação internacional dos últimos presidentes, o que é chamado de diplomacia presidencial.
– Lula era superpopular no Exterior, ninguém se queixava dele até a Lava-Jato. Fernando Henrique Cardoso tinha boa reputação, um governo visto como sólido, autônomo e independente, fazendo grande esforço para manter os mercados abertos a produtos de países em desenvolvimento. Tudo isso desapareceu com Bolsonaro – afirma Klein.
Na opinião de especialistas, a atual postura combativa da política externa, o alinhamento incondicional aos EUA e o desapreço por organismos multilaterais, como a ameaça de saída da Organização Mundial da Saúde (OMS), configuram uma guinada histórica para um país que se orgulhava da ausência de inimigos.
– A imagem do país é a semelhança e o retrato de seu governo. O Brasil sempre se caracterizou por ser um país obediente às normas internacionais, que era capaz de ser parte da engenharia de grandes consensos, indutor de processos de paz. O que se percebe aqui fora, em relação ao Brasil, é que se abriu mão de todo esse capital diplomático. A leitura que se faz é de que o Brasil está fora do compasso de sua normalidade histórica – pontua Hussein Kalout.
Também chama a atenção o mal-estar com vizinhos e aliados tradicionais. Durante a campanha presidencial na Argentina, Bolsonaro, em visita ao Rio Grande do Sul, sugeriu que, se a chapa integrada por Alberto Fernández e a vice e ex-presidente Cristina Kirchner vencesse a eleição, no ano passado, o Estado poderia se tornar um novo Amapá – que, na fronteira com a Venezuela de Nicolás Maduro, recebeu grande fluxo de migrantes fugidos do regime autoritário. Fernández ganhou, Bolsonaro não foi à posse do novo líder do até então principal parceiro econômico do Brasil na América Latina e os dois ainda não se encontraram – algo pouco usual em se tratando de vizinhos, comandantes dos principais países sul-americanos e parceiros geopolíticos.
Há cinco anos, tínhamos grande popularidade. Podemos voltar a ter essa imagem, depende do tipo de governo. Há uma visão geral sobre o Brasil que não se perde: um país bom, tropical, com boa produção agrícola, com gente muito doce.
HERBERT KLEIN
Brasilianista
É possível reconstruir a imagem de um país ou os danos são irrecuperáveis? Para o professor Machado, como a própria Alemanha mostrou, o trabalho de construção de marca deve transcender governos – não bastam apenas ações de marketing; é preciso que toda a sociedade se envolva. No Brasil, ele afirma, esse plano nunca entrou na agenda de um presidente. Há iniciativas locais. Ele cita como exemplos cidades que investem em suas marcas, como Gramado, e projetos setoriais, como o desenvolvido pelo Instituto Nacional do Vinho (Ibravin) em internacionalizar o produto brasileiro.
– Quando você pensa a marca de um país, a gente primeiro precisa parar de brigar para depois se organizar – ensina.
Klein afirma que a imagem externa, mesmo que prejudicada, pode se alterada rapidamente. Ele lembra que até a eleição de Trump, em 2016, os EUA eram bem-vistos pelo mundo, com um presidente muitas vezes mais popular fora das fronteiras norte-americanas do que no âmbito doméstico, Barack Obama:
– Atualmente, os EUA são malvistos pela Europa. Nós, há cinco anos, tínhamos grande popularidade. Podemos voltar a ter essa imagem, depende do tipo de governo. Há uma visão geral sobre o Brasil que não se perde: um país bom, tropical, com boa produção agrícola, com gente muito doce.
Formal ou informalmente, Portugal tem sido exemplo positivo. Apesar da fronteira com a Espanha, um país devastado pelo coronavírus, os portugueses conseguiram conter o vírus e são modelo de liderança interna.
Na Europa das famílias reais e dos primeiros-ministros encastelados em seus gabinetes, a imagem do presidente português, Marcelo Rebelo, de bermuda azul-celeste, usando máscara de proteção e respeitando o distanciamento físico de outras pessoas na fila do supermercado de Cascais, tornou-se emblemática – e, positivamente, ganhou as capas dos jornais internacionais.
Em 25 de junho, em conversa com apoiadores na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro foi abordado por uma simpatizante que pediu à Secretaria de Comunicação (Secom) para fazer uma “propaganda melhor” dele. Segundo ela, o presidente “não está sendo bem-visto no Exterior”.
– A imprensa mundial é de esquerda. O Trump sofre muito nos EUA também – respondeu o presidente.
Jornais como o Financial Times, que publicou artigo intitulado “O populismo de Jair Bolsonaro está levando o Brasil ao desastre” e o editorial intitulado “A autodestruição do ‘Trump tropical’”, no fim de abril, são veículos de direita. Assim como a The Economist, da foto do Cristo Redentor despencando como foguete no governo Dilma e tradicionalmente de postura liberal, que publicou artigo acusando o presidente de subestimar a pandemia.
GaúchaZH enviou solicitação de manifestação ao Itamaraty, explicando o teor da reportagem, mas, até a sexta-feira, 12/6, não havia recebido resposta.