Quando, em setembro de 2018, Donald Trump declarou na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o “fim da ideologia globalista”, alguns diplomatas e chefes de delegações olharam-se. O megaempresário convertido em comandante-em-chefe da maior potência econômica do planeta estaria reivindicando a eliminação da globalização, fenômeno defendido por 10 entre 10 liberais?
O que exatamente ele queria dizer com “globalismo”?
Embaixadores, estrategistas, chefes de governos estrangeiros e pesquisadores debruçaram-se em busca da palavra escondida em notas de rodapé de alguns poucos livros de Relações Internacionais. Não, Trump não havia criticado a globalização, processo de interconexão entre pessoas e países, que permite, por exemplo, que compremos, em um shopping de Porto Alegre, um notebook inventado no Vale do Silício, montado no Brasil, com chip fabricado no Vietnã e cujo atendente de call center mora na Índia.
– A globalização é um termo exaustivamente tratado academicamente: um processo que decorre da própria expansão, internacionalização do capitalismo. Envolve uma série de forças espontâneas, que traz consequências sociais e culturais importantes, que levam a um processo de interdependência econômica entre os países – explica David Magalhães, doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Definitivamente, segundo os cânones das Ciências Políticas e Econômicas e das Relações Internacionais, globalismo não é o mesmo que globalização. O termo utilizado por Trump, que aparecia simultaneamente na campanha de Jair Bolsonaro, e que ficou ainda mais evidente em discursos de integrantes do novo governo brasileiro após a eleição e, sobretudo, a posse, tem outro significado. As origens da expressão, segundo o professor Matias Spektor, vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), estão no livro The Emergence of Globalism: Vision of World Order in Britain and the United States, 1939-1950.
As bombas ainda despencavam sobre a Europa cansada da II Guerra Mundial, entre os anos 1939 e 1945, quando um grupo de intelectuais como o francês Raymond Aron e o romeno David Mitrany tentavam imaginar como seria o mundo quando calassem as armas: por que a chamada comunidade internacional havia demorado para reagir aos planos megalomaníacos de Adolf Hitler? Mais: como evitar, no futuro, o surgimento de um novo Führer?
Das indagações surgiu uma ideia: a melhor maneira de gerir a paz, tema clássico das relações internacionais, seria vincular grandes potências a organismos globais, como se fossem clubes de nações. Não havia, obviamente, internet ou WhatsApp. Reunir representantes de todos os países em uma sala, com direito a fala, reduziria o custo da circulação de informação e aproximaria discursos. Outra vantagem: se houvesse consenso sobre quando usar a força contra um regime tirano, seria mais fácil – e rápido – impedi-lo de praticar matanças como as vistas no Holocausto.
A globalização depende da descentralização, de cada país fazendo o que faz bem. O globalismo é centralizado em políticos e burocratas, pessoas que não foram eleitas, que determinam as regras que podem valer para o mundo.
HÉLIO BELTRÃO
FUNDADOR-PRESIDENTE DO INSTITUTO MISES BRASIL
Boa parte do debate inspirou a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), com uma diferença fundamental em relação à Liga das Nações, que fracassara no objetivo de evitar o conflito: a entidade global contaria com um órgão superpoderoso, o Conselho de Segurança, capaz de decidir a paz ou a guerra. No campo econômico, nações integradas não fariam guerra entre si, porque as perdas seriam mútuas. Era o princípio de outro tratado internacional, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que deu origem à Organização Mundial do Comércio (OMC).
– Soluções globais para esses problemas estão por trás de quase toda a arquitetura do sistema internacional a partir da década de 1940 – explica Spektor.
Uma questão de fronteiras
Com o avanço da tecnologia, o mundo ficou menor – ou “plano”, nas palavras do jornalista americano Thomas Friedman, articulista do The New York Times, na obra O Mundo É Plano – Uma História Breve do Século XXI, lançada em 2005. Ou seja, os campos de competição entre os países desenvolvidos e as nações em via de desenvolvimento chegariam nivelados ao final do século.
Divisões históricas, regionais e geográficas haviam ficado cada vez menos relevantes.
A obra-prima do globalismo é a União Europeia (UE), integrada hoje por 28 países-membros no mesmo território ensanguentado pela guerra: um bloco econômico e político supranacional, onde as moedas de cada nação foram abolidas em troca de uma única, o euro, e governos nacionais têm pouco poder, baseados na livre circulação de pessoas, bens e capitais.
Pelas regras do Tratado de Schengen, um dos mais importantes da UE, você desembarca, por exemplo, no Aeroporto Fiumicino, em Roma, e pode passar um mês viajando de trem ou carro, passando por Paris, Amsterdã e Berlim, sem ser importunado por policiais ou ter de se explicar em postos de fronteira. Até as diferentes legislações foram harmonizadas.
É aí que surgem as críticas. O que muitos veem como facilidades é entendido por alguns como perda de soberania dos Estados. Conforme o economista Helio Beltrão, fundador-presidente do Instituto Mises Brasil, regras supranacionais são ditadas por burocratas e políticos de Bruxelas, que se colocam acima dos Estado-Nações, alijadas dos interesses dos governos e de suas populações.
– Eles determinam as regras comerciais, de fluxo de pessoas, de regulamentações. A globalização depende da descentralização, de cada país fazendo o que faz bem e se colocando de forma descentralizada. O globalismo é centralizado em políticos e burocratas, pessoas que não foram eleitas, que determinam as regras que podem valer para o mundo – avalia.
A decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, o Brexit, que deve ser concretizada em 29 de março, é uma das expressões mais visíveis dessa insatisfação.
– No Brexit, está claro um cabo de guerra entre globalismo e globalização. O Reino Unido está amarrado à comunidade europeia e não pode fazer acordos com outros países. É obrigado a engolir regulamentações de Bruxelas. Há regras sobre o repolho, por exemplo, e 30 páginas sobre a pesca.
O que o Reino Unido quer com o Brexit é se livrar um pouco desse globalismo – argumenta Beltrão.
Outro economista, Rodrigo Constantino, articulista e autor de blog que se identifica como “um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda politicamente correta”, critica a confusão entre os termos globalização e globalismo.
– Não é a globalização que estamos criticando, assim como não criticamos o livre mercado interno de um país. O que criticamos é o mercado administrado por uma elite poderosa, o management. É a globalização administrada. É exatamente o que as elites empresariais, em conchavo com os Estados, querem fazer no livre mercado interno de um país. Eles querem um capitalismo de Estado – diz Constantino.
A inspiração neoconservadora
O embaixador aposentado e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), José Alfredo Graça Lima, que chegou a ser cotado como ministro das Relações Exteriores de Jair Bolsonaro, questiona o argumento de suposta orquestração da esquerda por meio de organismos internacionais. Segundo o diplomata, que atuou no Departamento Econômico e foi subsecretário-Geral para Assuntos de Integração, Econômicos e Comércio Exterior do Itamaraty – posição em que supervisionou a atuação brasileira na OMC –, o bloco europeu é uma união política e aduaneira, composta por governos de diferentes posições ideológicas:
– Os Estados não professam a mesma fé política. Você tem governos mais para a direita e outros mais para a esquerda. Mas os trabalhos nunca foram dominados por uma tendência específica.
As críticas ao globalismo não são novas nem se expressam apenas no Brexit. Conforme Spektor, as origens estão no movimento neoconservador no início da década de 1970 nos Estados Unidos, com intelectuais como Irvin e Bill Kristol, Norman Podhorez, Max Boot e Robert Kagan. Esse movimento ascendeu com a chegada do Partido Republicano ao poder, com George W. Bush. Spektor enxerga na invasão norte-americana do Iraque, passando por cima das Nações Unidas, no início dos anos 2000, uma das primeiras demonstrações de força política da ala mais conservadora.
À época, John Bolton, hoje secretário de Segurança Nacional de Trump, a quem Bolsonaro prestou continência em dezembro, era representante dos EUA na ONU. A ordem de ir à guerra no Oriente Médio fora tomada pelo núcleo de falcões que influenciava as decisões do Salão Oval – além de Bolton, o subsecretário de Estado Paul Wolfowitz e um dos gurus da ideologia neoconservadora, o vice-presidente Dick Cheney, retratado pelo ator Christian Bale no longa-metragem Vice.
– Esse movimento neoconservador da década de 1970 e mesmo dos anos 2000, você pode criticar muito, mas tinha um embasamento sólido. É uma crítica de filósofos à ideia de que o melhor modo de gerir o ordenamento internacional é via multilateral. Há filósofos brilhantes que são neoconservadores – considera Spektor.
Na corrida presidencial de 2016 nos EUA, o estrategista da campanha de Trump, Steve Bannon, apropriou-se dessa agenda, estendendo-a mais à direita do espectro político. Em seu site Breitbart News, passou a atacar os organismos internacionais, as organizações não governamentais, como Greenpeace, e as fundações, como a Open Society, do megainvestidor húngaro George Soros. Pelo argumento de Bannon, haveria um conluio internacional, financiado por elites progressistas, para chegar ao poder e colocar em prática uma agenda de esquerda que estaria impregnada em Hollywood, no Vale do Silício, em decisões de Bruxelas e em universidades públicas mundo afora. Bannon, o homem que construiu Trump candidato, costuma dizer que o pensamento da nova esquerda ocupa meios de pensamento, implementando um projeto de aniquilação da cultura ocidental cristã ao impor temas como o feminismo ou o que chama de “gayzismo” (termo pejorativo para se referir às causas LGBT+), além do ambientalismo e do multiculturalismo.
– No limite, é você coordenar o show todo de cima para baixo. É criar os Estados Unidos da Europa, sendo que os EUA da América foram criados de forma muito mais orgânica e natural, de baixo para cima. É diferente de você juntar, em uma sala, elites e burocratas supostamente representantes do povo e criar, em uma canetada, de cima para baixo – diz Rodrigo Constantino.
As ideias deram origem à chamada direita alternativa nos EUA, a alt-right. Vários integrantes do governo Bolsonaro admiram Bannon.
Em agosto, o filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), foi aos EUA se encontrar com o marqueteiro. Bannon, que deixou a Casa Branca por divergências com Trump, comanda hoje uma fundação para promover a alt-right. Um de seus planos é criar uma universidade de viés conservador, cuja sede seria na Itália e que forneceria uma base ideológica e religiosa para amparar uma estratégia de transferência das ideias dessa corrente dos EUA para a Europa, transformando-a em uma espécie de Internacional Populista.
Um mentor brasileiro
No Brasil, essa abordagem apareceu pela primeira vez por meio do filósofo paulista Olavo de Carvalho no artigo Do Marxismo Cultural, publicado no jornal O Globo em 2002. Aos 71 anos, o escritor, que mora nos EUA desde 2005 e é autor de 18 livros, segundo seu perfil no Twitter, construiu carreira como articulista de jornais, defendendo ideias da direita. Nos últimos anos, por meio de profícua produção de vídeos na internet, ele tem denunciado o globalismo e o Foro de São Paulo (“a maior organização política que já existiu no continente”), além de criticar “ideologia de gênero, abortismo e gayzismo”.
O perfil de Olavo de Carvalho no Facebook conta com mais de 543 mil seguidores. Em um texto de novembro de 2008 intitulado Milagres da Fé Obâmica, por exemplo, ele descreve Barack Obama, então candidato à Casa Branca, como um político “apoiado entusiasticamente pela Al-Qaeda, pelo Hamas, pela Organização de Libertação Palestina, pelo presidente iraniano Ahmadinejad, por Muammar Kadafi, por Fidel Castro, por Hugo Chávez e por todas as forças antiamericanas, pró-comunistas e pró-terroristas do mundo, sem nenhuma exceção visível”.
– No Brasil, praticamente não há lei que não seja votada no parlamento que não venha de algum modo pronta de centrais globalistas. Ou vem diretamente da ONU ou vem dessas fundações que promovem essa onda globalista – disse Carvalho em vídeo recente no YouTube.
O filósofo é admirado por alguns dos mais próximos assessores do presidente Bolsonaro e teria indicado nomes do primeiro escalão, como o do chanceler Ernesto Araújo e o do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, titular da Educação. Um dos livros mais famosos de Carvalho, O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota, estava sobre a mesa de Bolsonaro em sua primeira fala com presidente eleito, em transmissão pela internet. Trata-se de 193 artigos e ensaios publicados em diversos veículos de imprensa entre 1997 e 2013 nos quais “o autor reflete sobre temas do dia a dia, analisa as notícias, o que nelas fica subentendido e procura entender o que se passa na cabeça do brasileiro”.
Obama usa o termo "cidadão global". Ele era o presidente do mundo. E Trump venceu com "America First". A visão cosmopolita (de Obama) é típica da elite progressista, que acha que todo imigrante é o colega de Harvard.
RODRIGO CONSTANTINO ECONOMISTA
Em vídeos, Carvalho cita como um dos centros de decisão do globalismo, ainda, o clube de Bilderberg, um encontro anual de especialistas em indústria, finanças, educação e meios de comunicação que fazem parte da elite política e econômica da Europa e da América anglo-saxônica. O sigilo em torno do grupo contribui para a mítica em torno dele. Conforme o jornalista espanhol Daniel Estulin, autor de A Verdadeira História do Clube Bilderberg, o clube nasceu em 1954 com o objetivo de “debater assuntos relevantes e de interesse mundial”. O clube seria capaz de provocar uma crise financeira em determinado país, para beneficiar outro; teria o poder de derrubar e eleger governos, para defender este ou aquele interesse; e provocaria uma guerra se isso fosse do interesse de seus integrantes. Ou seja, maquinar planos para manipular o mundo de acordo com seus interesses. Do grupo, fariam parte, além de Soros, personalidades americanas como os ex-presidentes democratas Bill Clinton e Barack Obama.
– Basta ver os discursos do Obama. Ele usa o termo “cidadão global”. Ele não é mais o presidente dos EUA. Era o presidente do mundo. Enquanto o Trump venceu com o discurso muito claro de America First, Obama achava legal falar que era cidadão do mundo, do globo. É uma visão cosmopolita típica da elite progressista, que acha que todo imigrante é o colega de Stanford, ou de Harvard – critica Constantino.
Embora seja um dos admiradores de Carvalho, Constantino, no entanto, discorda do filósofo com relação à ideia de um clube de Bilderberg:
– A turma numa mesa controlando: eu acho que não existe isso. Mas é óbvio que o Soros, o Obama, esse pessoal mais progressista, a família Clinton, tenta assumir as rédeas do negócio. Mesmo o globalismo, no entanto, é mais caótico do que o pessoal da direita que fala em conspiração gostaria de admitir.
Conforme Spektor, no Brasil expressa-se a terceira geração do neoconservadorismo americano, derivada de Bannon.
– É uma geração levada mais à direita e descolada de qualquer base empírica – critica.
O combate ao esquerdismo
Na defesa que faz de Trump, o chanceler Araújo entende que o globalismo não é apenas uma ideologia, mas um esquema de dominação global que visa substituir as culturas tradicionais por uma moral secular, cosmopolita e esquerdista. O braço ideológico do globalismo é o chamado “marxismo ideológico”.
– O globalismo comunista está passando por mutações muito rápidas desde maio de 1968, nas quais a estratégia marxista-leninista foi trocada pela ideologia diversitária. Já não se fala do proletariado, mas das minorias. Essas minorias podem ser étnicas, sexuais, regionais, imaginárias – adverte Constantino.
É aí que a história entra outra vez. A partir do final da década de 1990, o escritor conservador William S. Lind publicou vários artigos que descreviam a evolução de um movimento transnacional. Conforme Magalhães, a teoria, com penetração na direita norte-americana, foi sintetizada na conferência que proferiu em 2000, denominada Origens do Politicamente Correto, na American University, em Washinton.
Lind descreve que, após a I Guerra Mundial, dois intelectuais marxistas, o italiano Antonio Gramsci e o húngaro Georg Lukács, procuraram compreender por que a revolução socialista não havia se internacionalizado, conforme previa Lenin. Para eles, a cultura ocidental e a religião cristã cegavam a classe trabalhadora e, para que a revolução proletária triunfasse, seria necessário destruir a superestrutura ideológica do Ocidente. O professor da PUC-SP explica que a nova estratégia do movimento comunista, elaborada por Gramsci, ordenava que, ao invés de fazer a revolução socialista, como ocorrera na Rússia, os marxistas no Ocidente deveriam se embrenhar em instituições – escolas, imprensa, igrejas e universidades – todas as entidades que influenciavam a cultura.
Felix Weil fundou, na Universidade de Frankfurt, o Instituto para Pesquisa Social, entidade que ficaria famosa pelo nome de Escola de Frankfurt. Seus principais nomes, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Markuse e Walter Benjamin, estabeleceriam os cânones da crítica à cultura de massa. A nova esquerda e o movimento da contracultura dos anos 1960 e 1970, eternizados no chamado Maio de 1968, seriam o grande ponto de inflexão marxista. A luta não seria mais pelos trabalhadores, mas por valores, como a liberalização sexual, questão de gênero e direitos humanos.
– A esquerda abandona o discurso de classe e passa a adotar uma estratégia cultural, de defender minorias, apregoar a revolução sexual, liberalizar os costumes.
Os conservadores vão fazer a leitura de que se trata de uma guerra contra a cultura ocidental e de derrubar os cânones do cristianismo e de tudo o que representa o Ocidente – explica Magalhães, que buscou fazer uma genealogia do globalismo e do antiglobalismo.
Docente da pós-graduação em Relações Internacionais na FGV e professor visitante da Universidade de São Paulo (USP), Vinicius Rodrigues Vieira afirma que o viés de esquerda das universidades brasileiras, crítica habitual dos conservadores, é consequência da perseguição do regime militar.
– A história estava sendo contada pelos vencidos do regime – dizia uma de suas professoras de História na USP. – Era uma referência a muitos intelectuais que voltaram do exílio e reassumiram suas posições nas universidades, começando a construir uma narrativa que se tornou predominante nos últimos 30 anos. No ambiente acadêmico, dominam as ideias de esquerda, centro-esquerda, ou, como dizem nos EUA, as ideias liberais. Nisso o pessoal que apoia o Bolsonaro e o Trump, ditos populistas de direita, tem razão.
Uma guerra de narrativas
Vinicius Rodrigues Vieira destaca, entretanto, que fenômenos como a globalização foram vistos com desconfiança pela esquerda. No primeiro Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2001, eram comuns frases e cartazes antiglobalização.
– Já ouvi colegas mais simpáticos ao PSOL e ao PT criticarem os direitos humanos como instrumento do imperialismo norte-americano – diz.
Há uma guerra de narrativas, na opinião do professor, em que os conceitos são pouco precisos e instrumentalizados, dependendo do interesse de cada grupo.
– O problema do Brasil talvez tenha sido uma vinculação grande da academia com um partido específico, o PT. Da mesma forma, nos Estados Unidos há uma vinculação excessiva da academia com o Partido Democrata; no Reino Unido, com o Partido Trabalhista; na Alemanha, com os social-democratas – opina.
O empresário Roberto Rachewsky, fundador do Instituto Estudos Empresariais (IEE), entende que o termo globalismo carrega, em si, uma carga ideológica. Ele acredita que nem o fenômeno, nem os seus críticos valorizam o indivíduo.
– Como indivíduos, somos seres soberanos. É o indivíduo quem promove, por meio de sua ação, do uso de sua liberdade, a busca pela felicidade. Transações internacionais não são feitas exatamente por Estados e governos. São feitas por empresas ou por indivíduos – defende.
Rachewsky faz ressalvas às regulações de organismos internacionais, que, segundo ele, inibem a liberdade e restringem o uso da propriedade privada.
– O nacionalismo tem seus problemas, e o globalismo, também – conclui.
Helio Beltrão salienta que nem todos os organismos multilaterais são globalistas:
– Os tribunais penais, a corte de Haia, a Interpol são órgãos que não se sobrepõem ao Estado nacional.
Ao destacar a propagação de discursos antiglobalistas e a popularidade do que seria o termo entre os críticos da esquerda, Spektor considera que essas ideias encontram apelo porque buscam explicar o mundo de forma simplista, “em preto e branco”:
– Essa ideia (o antiglobalismo) apresenta um mundo de mocinhos e bandidos, no qual você tem um grupo nítido que pode ser culpado por todas as mazelas. Nesse sentido, a direita de Bolsonaro se iguala à esquerda mais radical. Da mesma maneira que, na esquerda, muita gente denuncia o imperialismo por trás de qualquer mazela, do outro lado você tem um grupo que atribui todas as mazelas a uma suposta cabala, a um conluio esquerdista que estaria impregnado em organismos multilaterais. Ambas as interpretações, que dividem o mundo entre mocinhos e bandidos, são empiricamente falsas.