O Uruguai viveu em 1º de março uma mudança histórica. Depois de 15 anos no poder, a esquerda entregou a Presidência para um partido conservador, liderado por Luis Lacalle Pou. Treze dias depois da posse, o país registrava os primeiros quatro casos de coronavírus. Após uma das eleições mais disputadas em décadas e de uma derrota por apenas 28.666 votos, poderia se esperar que a oposição ainda estivesse esperneando devido ao resultado, reclamando de fraude ou aproveitando o início da pandemia para entravar o governo. Mas não. O que houve foi um pacto informal contra o inimigo comum, o vírus.
Até esta sexta-feira, passados mais de dois meses, o Uruguai contabiliza 749 casos e 20 mortos pela doença — a segunda nação com o mais baixo número de óbitos no Cone Sul, atrás apenas do Paraguai, e única de todo o continente entre os 42 do mundo que vêm conseguindo domar a doença, segundo o portal Endcoronavirus.org, do New England Complex System Institute.
Na comparação com o Rio Grande do Sul, que tem 14 mortos para cada milhão de habitantes (veja, no site da Secretaria Estadual da Saúde, os números mais atuais de casos no RS), o país contabiliza seis. No Brasil, esse número é 15 vezes maior (veja a evolução dos casos no país em site do Ministério da Saúde).
Diferentemente dos vizinhos Argentina e Paraguai, que também conseguiram conter o vírus até agora, chama atenção o fato de, no Uruguai, a quarentena não ser obrigatória. Ou seja, a economia não fechou. Houve uma convocação por parte do governo para que as pessoas, se possível, ficassem em casa.
A imensa maioria da população atendeu ao pedido, parte do plano Operação Todos em Casa. Empresas se organizaram para permitir o teletrabalho para seus funcionários. Nas atividades em que não era possível o home office, trabalhadores foram orientados a usar máscaras (no comércio e no transporte público) e manter distanciamento.
Isso, para mim, é um sucesso. Não se pode ter euforia, dizer que venceu completamente, porque essa doença ninguém sabe, pode haver um repique. Mesmo o Brasil sendo um país muito maior, quando se compara o coeficiente de mortalidade, que pondera pela população, o nosso é dezenas de vezes maior do que o do Uruguai
JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES
Sociólogo, doutor em demografia pela UFMG
As medidas mais emergenciais foram tomadas no mesmo dia da identificação dos primeiros casos: escolas, universidades, cinemas foram fechados, e eventos com aglomeração de pessoas, como partidas de futebol, acabaram cancelados. O país fechou as fronteiras nas horas seguintes.
O sociólogo José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), analisou as estatísticas do país vizinho e concluiu que o Uruguai caminha para o controle da pandemia, uma vez que o pico de casos ocorreu em 28 de março (com 66 ocorrências) e, desde 3 de maio, houve o registro de três mortes.
— Isso, para mim, é um sucesso. Não se pode ter euforia, dizer que venceu completamente, porque essa doença ninguém sabe, pode haver um repique. Mesmo o Brasil sendo um país muito maior, quando se compara o coeficiente de mortalidade, que pondera pela população, o nosso é dezenas de vezes maior do que o do Uruguai — afirma.
Para o pesquisador, países que conseguiram vencer o coronavírus tiveram uma união entre o poder público e a sociedade civil. É o que se observa no Uruguai. Desde o início, o governo estabeleceu um diálogo com a população, por meio de entrevistas coletivas diárias, informes pela internet e a criação de um aplicativo com dados estatísticos no qual pessoas com sintomas poderiam buscar informações de onde procurar atendimento.
Para amenizar os efeitos da pandemia na economia, o governo lançou um programa de estímulo à iniciativa privada e criou um seguro destinado a quem ficou desempregado ou teve o salário reduzido.
A exemplo do Brasil, as autoridades concederam subsídios a quem está no mercado informal — lá, a ajuda vale por dois meses, com valor equivalente a R$ 895.
Mas, diferentemente daqui, o governo reduziu em 20%, pelo mesmo período, os salários de presidente, ministros e parlamentares.
O dinheiro deverá ser destinado ao chamado Fundo Coronavírus, que ainda é abastecido com dinheiro dos salários e dos fundos de pensão de funcionários públicos que recebem mais de 80 mil pesos mensais (o equivalente a R$ 9,4 mil).
A receita do Uruguai
- Reação rápida: o Uruguai detectou os primeiros casos em 13 de março e, no mesmo dia, o governo declarou emergência de saúde.
- Isolamento do Exterior: no mesmo dia 13, o governo decretou o fechamento de fronteiras, mantendo apenas o tráfego internacional de mercadorias.
- Suspensão de aulas: o funcionamento de escolas e universidades também foi interrompido horas depois. Eventos de massa, como partidas de futebol e espetáculos, foram cancelados.
- Conscientização da população: não houve confinamento obrigatório, mas uma convocação por parte do governo para que as pessoas ficassem em casa e só saíssem para tarefas extremamente necessárias (Operação Todos em Casa). A população aderiu em massa ao confinamento voluntário. Também foram adotados rapidamente hábitos de higiene, como lavar bem as mãos e com frequência, e o uso da máscara (não obrigatório, mas incentivado).
- Características demográficas: o país tem baixa densidade populacional e sem grandes metrópoles - com exceção de Montevidéu, a capital, que tem 1,3 milhão de habitantes, quase a mesma de Porto Alegre.
- Economia: o governo lançou um programa de estímulo à iniciativa privada e criou um seguro destinado a quem perdeu o emprego ou teve redução de salário. Concedeu subsídios, por dois meses, equivalentes a US$ 160 a quem está no mercado informal.
- Contrapartida do governo: por dois meses, o governo reduziu os salários do funcionalismo público e aposentadorias.
- União nacional: políticos de diferentes blocos ideológicos não permitiram que divergências políticas entravassem as medidas de contenção do governo central. Houve um pacto informal entre centro-esquerda (agora, na oposição) e centro-direita (no poder).
- Informação e transparência: o governo realiza entrevistas diárias sobre a situação no país. Um aplicativo foi criado com informações atualizadas de mortos e infectados. Por meio da tecnologia, cidadãos também têm acesso a dados de quem contatar em caso de sintomas.
- Testes em massa: de acordo com o modelo Worldmeter, que monitora a doença no mundo, foram realizados 10.261 exames para cada milhão de habitantes, o triplo em relação ao Brasil.
BRASIL
População: 212,3 milhões
Infectados: 291.579
Mortos: 18.859
Mortos por 1 milhão de habitantes: 90
RIO GRANDE DO SUL
População: 11 milhões
Infectados: 4.973
Mortos: 161
Mortos por 1 milhão de habitantes: 14
URUGUAI
População: 3,4 milhões de habitantes
Infectados: 738
Mortes: 20
Mortes por 1 milhão de habitantes: 6