Em 11 de abril, o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Sérgio França Danese, deixou de lado a discrição diplomática para escrever um artigo no jornal La Nacion:
“A sociedade argentina parece estar sendo induzida a um medo extra na temporada global de medos: de que o Brasil, ao supostamente ‘não fazer nada’ com relação ao vírus sars-cov-2, causador da doença covid-19, representaria uma ameaça sanitária para a Argentina. Como todo juízo gerado por medo, este cega mais do que ilumina”, dizia trecho do texto.
Ao explicar medidas do governo brasileiro de enfrentamento da pandemia, que naquele dia fazia 141 mortos em 24 horas, Danese buscava reduzir as críticas, em boa parte dirigidas pelo presidente Alberto Fernández, ao fato de o Palácio do Planalto ter minimizado os riscos do coronavírus. Enquanto a maioria das nações se fechava para tentar conter o coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro defendia a flexibilização das medidas de isolamento e a reabertura da economia. Vinte e nove dias depois, o Brasil contabiliza mais de 10 mil mortos e caminha para ser o novo epicentro da pandemia.
Com números bastante reduzidos de infectados e óbitos, Argentina, Uruguai e Paraguai, veem o Brasil como ameaça à saúde de sua população. Até domingo (10), Argentina registrava sete óbitos para cada milhão de habitantes, o Uruguai tinha cinco mortos em cada milhão e o Paraguai, um. O Ministério da Saúde brasileiro registrava 51. Em uma de suas mais recentes declarações, o presidente argentino voltou à carga:
— Tive uma conversa com todos os governadores por videoconferência. O de Misiones (fronteira com Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) expôs com toda clareza a sua preocupação porque as províncias de Misiones e Corrientes (fronteira com o RS) são entradas de caminhões de carga que vêm de São Paulo, foco altíssimo de infecção.
Em Misiones, a primeira morte foi de um caminhoneiro infectado em São Paulo. No dia 30, um episódio envolvendo o jogador do Inter Renzo Saravia evidenciou os temores.
— Um dos temores com relação ao Brasil deve-se ao fato de que o presidente Fernández está considerando abrir a economia, flexibilizar a quarentena. O medo é de que possam haver movimentos migratórios — contou, de Buenos Aires, o jornalista Marcos Colombo, que trabalha para o site de notícias argentino Infobae América.
Com a curva epidemiológica ascendente no Brasil, cinco fatores preocupam os governos vizinhos: comunidades transfronteiriças, atos pelo fim do isolamento social, longos trechos de fronteiras porosas, atitudes migratórias irregulares e fluxo comercial não interrompido. Argentina, Paraguai e Uruguai implementaram medidas mais duras de restrição de deslocamento e abertura da economia.
Com 700 quilômetros de fronteira comum, o Paraguai está “perplexo”, segundo palavras de um funcionário do governo, com a postura brasileira diante da pandemia. O ministro do Interior, Euclides Acevedo, mostrou preocupação com a “demora do Brasil em adotar medidas sanitárias”.
Outro funcionário, o diretor de Vigilância em Saúde, Guillermo Sequera, publicou no Twitter uma frase que virou símbolo do alerta dos vizinhos: “Se o Brasil espirra, nós pegamos uma pneumonia”.
Na quarta-feira (6), ele explicou à Rádio Monumental 1080 AM que, nas últimas semanas, 80% dos casos positivos de covid-19 no país são provenientes do Brasil, especificamente de São Paulo. Como medida de segurança, todo paraguaio que volta a seu país deve passar por quarentena em albergues definidos pelo governo. Na quarta-feira, havia 1.936 pessoas nessa situação. Dessas, 177 testaram positivo para coronavírus — 150 haviam chegado do Brasil. Em 1º de maio, dos 67 casos positivos no Paraguai naquele dia, 63 haviam chegado do Brasil, segundo a diretora-geral de Migrações, Angeles Arriola.
A flexibilização das restrições, em vigor desde a última segunda-feira (4) em todo o Paraguai, não valem para a região de Ciudad Del Este, que faz fronteira com a brasileira Foz do Iguaçu (Paraná), apesar da pressão de empresários locais. A Ponte da Amizade também seguirá fechada. Na fronteira seca, entre Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero, militares cavaram fossas para evitar a passagem.
Na fronteira com o Rio Grande do Sul, o Uruguai anunciou que, “por preocupação” com a pandemia no Brasil, aumentará ainda mais o controle e criará um protocolo para fluxo de pessoas nas cidades binacionais, como a gaúcha Chuí e a vizinha Chuy.
— A população está levando em conta as medidas e sugestões do governo nacional. Só saem para trâmites necessários — relata Karla Mateluna, consultora da Organização Internacional de Migrações (OIM), órgão das Nações Unidas, que vive no lado uruguaio.
A fronteira entre os dois países está fechada. Somente podem circular cidadãos do país e estrangeiros com dupla nacionalidade. Brasileiros que trabalham na cidade podem transitar mediante registro. O Uruguai não tem transmissão comunitária de coronavírus.
O trânsito em cidades divididas apenas por uma rua, como também é o caso de Santana do Livramento e Rivera, preocupa. Para uruguaios, foi implementada a modalidade de “cero kilo” para desestimular compras na fronteira. Apenas moradores de um raio de 20 quilômetros e que apresentem documentos que comprovem residência podem comprar até cinco quilos de mercadorias por pessoa. O governo aumentará os controles internos próximo à fronteira.
Situação em cada país
Paraguai
- A quarentena obrigatória, iniciada em 10 de março e encerrada domingo (3), só permitia sair de casa para ir a mercados, farmácias e bancos. Quem fosse pego na rua, podia ser detido ou multado, caso não apresentasse justificativa. Na segunda (4), teve início o que chamam de “quarentena inteligente”.
- A primeira etapa das medidas de flexibilização da contenção permitiu a reativação de mais de 50% do sistema de produção. O Paraguai já não tem pacientes com covid-19 em unidades de terapia intensiva. O governo decidiu manter o fechamento das fronteiras e implementar o ensino a distância até dezembro.
- O que está fazendo em relação ao Brasil: o governo se recusou a abrir gradativamente a fronteira com o Brasil, como queriam os comerciantes da fronteiriça Ciudad del Este. A Ponte da Amizade, entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, está fechada para trânsito de pessoas e veículos a passeio — apenas tráfego do comércio internacional é permitido.
Uruguai
- O país registrou os primeiros casos da doença em 13 de março. No mesmo dia, declarou emergência sanitária. Não foi houve quarentena obrigatória, mas medidas de isolamento social. O Uruguai fechou suas fronteiras aos estrangeiros, exceto residentes ou cidadãos de países do Mercosul em trânsito para seus países de origem, e proibiu as saídas do país para fins turísticos. O transporte de mercadoria é exceção. Nas cidades-limítrofes, como Chuy e Rivera, por exemplo, cidadãos podem circular. Os órgãos públicos do Uruguai retomaram os atendimentos presenciais depois que o governo afirmou que a situação está controlada no país.
- Na segunda-feira (4), foram reabertas 85% das lojas no centro de Montevidéu. Embora o governo tenha ordenado apenas o fechamento de shopping centers, a maioria do comércio na capital parou de funcionar em março, quando a emergência de saúde foi declarada.
- O país não tem transmissão comunitária de coronavírus. Autoridades têm evitado críticas diretas ao governo brasileiro.
- O que está fazendo em relação ao Brasil: o Uruguai aumentou os controles na fronteira com o Brasil, fechada desde março. Será criado um protocolo para fluxo de pessoas nas cidades binacionais, como Chuy. O ministro da Saúde Pública, Daniel Salinas, realizará uma ronda pelas cidades fronteiriças para “ajustar os protocolos” e trabalhar “com maior coordenação com as autoridades brasileiras”. O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, anunciou que seu governo tenta desenhar uma política de saúde conjunta com Bolsonaro para evitar contágios em massa na fronteira.
Argentina
- Em 15 de março, o governo impôs uma quarentena obrigatória para todos que regressavam à Argentina, com multa de até 100 mil pesos (cerca de R$ 8,5 mil) e prisão de seis meses a dois anos. Em 20 de março, endureceu ainda mais o isolamento, decretando uma quarentena compulsória e fechando as fronteiras. Foi a primeira medida radical no combate à pandemia.
- Desde segunda-feira (4), há flexibilização: para metade da população que vive nos grandes centros urbanos do país com mais de 500 mil habitantes, como Buenos Aires, a quarentena segue com restrição total.
- Inicia-se, porém, uma fase de flexibilização para a outra metade da população que vive nas cidades com menos de 500 mil pessoas, onde não houve registro de casos nos últimos dias. A decisão sobre como prosseguir com essa flexibilização caberá aos governadores de cada província. O rígido distanciamento social parece ter dado resultados.
- O que está fazendo em relação ao Brasil: a fronteira com Brasil está fechada desde março. A situação deve se prolongar porque o governo teme aumento de contágios do Brasil se houver flexibilização das medidas. Cidadãos argentinos que vivem no Brasil e ingressam no país para visitar familiares devem ficar em quarentena. No caso do lateral-direito do Inter Renzo Saravia, que esteve no país, autoridades locais determinaram o isolamento e testagem de 22 pessoas que tiveram contato com o jogador.
Brasil
- Registra curva ascendente de casos de covid-19. No sábado (9), foram 730 mortes em 24 horas. É o sétimo país com maior registro de doentes. O Brasil tem o maior número de reprodução de covid-19 entre 48 países analisados pelo Imperial College de Londres. As regras de distanciamento social variam conforme o Estado. Nove unidades da federação concentram 90% da mortes. Estado mais afetado, São Paulo registra 3.608 mortos. Cidades do Maranhão, do Pará, do Ceará e bairros do Rio de Janeiro decretaram o chamado lockdown, face mais drástica do distanciamento social, para tentar conter a disseminação da doença.
- Na quinta-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro disse que assinará um decreto para ampliar a quantidade de atividades essenciais, como a inclusão da construção civil. Procurado, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu a pedido de manifestação por parte da reportagem.