Até esta quinta-feira (19), o Uruguai contabiliza ao menos 55 casos confirmados de coronavírus, uma cifra considerada alta para o tamanho da população do país, de cerca de 3,5 milhões de pessoas. A vizinha Argentina, com mais de 43 milhões de habitantes, por exemplo, tem 97 casos. A explicação para grande parte do número uruguaio chega a ser tragicômica.
A decoradora Carmela Hontou, 57 anos, que ficou doente durante duas passagens pela Europa nos primeiros meses deste ano, foi a um casamento com 500 convidados no mesmo dia em que retornou ao país.
Carmela teve febre alta e inflamação na garganta quando foi a Milão e Madri no fim de janeiro. Nesta primeira viagem, um médico da companhia de seguros que a examinou na Espanha receitou antibióticos e recomendou que, ao chegar ao Uruguai, fizesse exames.
— Ele me deu antibióticos para tomar por 14 dias, mas tomei menos, porque me sentia bem — disse ela.
Exames, Carmela não fez. No final de fevereiro, viajou a trabalho outra vez às duas cidades. Ao chegar a Madri, sentiu-se mal. Procurou conhecidos em Milão, que recomendaram não viajar à cidade, muito afetada pelo coronavírus.
Permaneceu então alguns dias na capital espanhola, onde voltou a ter febre. No dia 7 de março, retornou ao Uruguai. Como não havia o registro de nenhum caso da covid-19 no país quando aterrissou, ainda não havia protocolo em vigor no aeroporto de Carrasco.
Carmela foi para casa e, mesmo apresentando sintomas de que poderia estar infectada, compareceu a um casamento da alta sociedade uruguaia, no bairro nobre de Carrasco.
De acordo com o jornal uruguaio El Observador, fontes do Ministério de Saúde Pública afirmam que, dos 55 casos confirmados no país, 44 foram contaminados a partir da cerimônia. Desse número, nem todos compareceram à festa, mas foram infectados a partir do "vetor Carmela", ou seja, pessoas que tiveram contato com a decoradora.
Em entrevista ao site Infobae, ela disse que não considerou a possibilidade de não ir ao evento, uma vez que o noivo é "como um filho". Depois da festa, Carmela voltou a passar mal, foi a um hospital e recebeu o diagnóstico de coronavírus. Um escândalo, então, tomou conta de seu círculo de amigos e das redes sociais.
Muitos publicaram comentários públicos criticando a empresária. Em grupos de WhatsApp, convidados a condenaram por ter ido ao evento. "Ela não sabe o que está acontecendo no mundo?", "vive em um túper (tupperware)?" e "ela poderia ter contaminado um povoado inteiro" eram algumas das mensagens.
Também ao site Infobae, Carmela se defendeu:
— A repercussão foi muito feia. As pessoas pensam que fui a um casamento só para propagar um vírus, tratam-me como uma terrorista, e não foi assim.
Com o diagnóstico, a decoradora se transformou em um dos primeiros casos, se não o primeiro, do novo coronavírus no Uruguai. Na sequência, outros 20 convidados da festa receberam a notícia de que estavam contaminados.
A partir do caso, o governo passou a adotar o protocolo de enviar para quarentena quem chega dos países mais afetados, como Espanha, Itália, Coreia do Sul e China, mesmo que não apresente sintomas.
A história não parou aí. Liberada do hospital para cumprir quarentena em casa, Carmela foi denunciada por vizinhos e pelo porteiro do prédio, segundo os quais a decoradora continuava a receber visitas de amigos e parentes. Entre os visitantes, seus dois filhos.
Investigação
Assim, o promotor Alejandro Machado passou a investigar a conduta da empresária e prepara uma acusação formal na Justiça de dano e violação às regras de vigilância sanitária. Machado também emitiu ordem para que os filhos da decoradora sejam investigados.
Um dos filhos da empresária já recebeu o diagnóstico de covid-19 e não estaria fazendo o isolamento obrigatório. A lei uruguaia determina, em seu Código Penal, que atentar contra a segurança sanitária do país é passível de uma pena de dois a 24 meses de prisão.
As autoridades sanitárias estão, ainda, convocando todos os presentes à festa de casamento na qual Carmela esteve para que realizem exames para determinar se foram infectados.
O vice-ministro de Saúde Pública, José Luis Satdjian, confirmou que, de 55 casos no país, 20 estão relacionados ao episódio da festa. Ele usou o episódio como exemplo de responsabilidade coletiva que toda a população deveria assumir.
Depois dos primeiros quatro casos, identificados na última sexta-feira (13), incluindo o de Carmela, o número de infectados subiu para oito no domingo (15) e estava em 55 na manhã desta quinta-feira (19).
O governo do recém-empossado de Luis Lacalle Pou ordenou o fechamento de shoppings e lojas, exceto as que vendem alimentos e medicamentos. O presidente ainda suspendeu o funcionamento de parques e locais públicos de diversão.
Carmela respondeu às críticas por meio das redes sociais. Em posts no Instagram, disse que decidiu ir à festa porque "não estava mal e não tinha nenhum sintoma". A empresária afirma ainda que, ao retornar ao Uruguai, perguntou no aeroporto se havia alguma medida a quem chegasse da Europa, e a resposta foi negativa.