Mesmo em tempos de quarentena, isolamento social e trabalho à distância devido à pandemia de coronavírus, há quem não tenha o privilégio de abrir mão do deslocamento diário pela cidade. E para quem precisa fazer isso, o transporte público acaba sendo a opção mais frequente. Um dos setores mais afetados, por exemplo, é o das empregadas domésticas e diaristas. Como o trabalho depende da presença nas residências onde atendem, não comparecer, muitas vezes, implica também em deixar de receber.
Na terça-feira, uma nota técnica publicada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), orientou empregadores a liberarem as domésticas e diaristas de seus postos, mantendo o pagamento dos salários. A negociação pode ser feita entre a trabalhadora e o patrão. Na prática, porém, isso acaba dificultando o processo.
Conforme a advogada Aretha Azevedo Claudino dos Santos, da Themis, esta classe trabalhadora em específico é muito vulnerável, sendo formada, principalmente, por mulheres negras, mais velhas e que moram em regiões periféricas, necessitando de transporte coletivo para chegar ao trabalho. Com isso, o risco ao qual ficam expostas aumenta.
— São cerca de 6 milhões de domésticas no Brasil. Em boa parte, pessoas que não tem plano de saúde, dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Então, para que a gente consiga achatar a curva da epidemia, evitando um pico que sobrecarregue o sistema, devemos redobrar atenção com estas pessoas. Se não, só os casos suspeitos já vão superlotar o SUS — projeta Aretha.
Suspeita
No Rio de Janeiro, aliás, suspeita-se que a primeira morte causada pelo coronavírus seja de uma empregada doméstica. Ontem, o Ministério da Saúde informou que a vítima era uma mulher de 63 anos, idosa, diabética e hipertensa, moradora do município de Miguel Pereira. A descrição é a mesma dada pela prefeitura da cidade, que comunicou, na segunda-feira (17), a morte de uma paciente de 63 anos, empregada doméstica, que trabalhava no Rio de Janeiro e esteve em contato direto com a patroa dela, que esteve na Itália e foi diagnosticada com a Covid-19.
Aretha — que faz parte da assessoria jurídica do grupo Themis — Gênero, Justiça e Direito Humanos, criado em 1993 com objetivo de fortalecer o conhecimento das mulheres sobre seus direitos e o sistema de justiça —, alerta que, em casos nos quais os patrões sejam considerados pacientes suspeitos ou confirmados da doença, a dispensa deve ocorrer com a remuneração assegurada, conforme lei federal aprovada em janeiro. O mesmo se repete no caso da trabalhadora contrair o coronavírus. O período de isolamento deve ser considerado falta justificada.
Dispensa por escrito
Para presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, nos casos em que os patrões dispensarem empregadas sem a continuidade do pagamento, é importante pedir que o comunicado seja feito por escrito. Isso porque mesmo nos casos em que o trabalho semanal é menor do que dois dias — ou seja, não configura vínculo empregatício —, a constância semanal do trabalho também pode configurar uma prestação de serviço e resguardar direitos à trabalhadora.
— A empregadora deve se comprometer a custear os dias em afastamento. As pessoas precisam saber que do jeito que o patrão precisa se alimentar a pagar as contas, a trabalhadora também — adverte Luiza.
A diarista Terezinha dos Santos, 60 anos, está passando por esta situação. Foi dispensada do trabalho para evitar exposição aos riscos, mas também teve os pagamentos suspensos.
— É complicado, tenho as contas e não tenho dinheiro para pagar. Não sei até quando vai durar essa coisa de vírus. É complicado, pois eu sempre trabalhei para fora. O fim do mês vai ser triste — lamenta ela.
Nos casos em que a dispensa não puder ser feita, devem ser fornecidos equipamentos de proteção individual (EPIs), principalmente, álcool gel.
Tire suas dúvidas
Sou trabalhador/a doméstico/a. Sigo trabalhando normalmente? Que cuidados devo ter?
Se os seus patrões não tem suspeita ou confirmação de coronavírus, é necessário que sejam oferecidos, ao menos, equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras e, principalmente, álcool gel. O produto deve ser entregue num frasco que possa ser carregado, para que a aplicação possa ser feita após o embarque e desembarque no transporte público.
Meus chefes me dispensaram, mas não vão pagar meus dias afastada. Como proceder?
A Fenatrad orienta que nestas dispensas sem pagamento, é necessário pedir uma declaração por escrito. Posteriormente, a empregadora deve se comprometer pelo custeio dos dias em afastamento. A nota técnica no Ministério Público do Trabalho (MPT), entretanto, orienta que todas as dispensas sejam custeadas, ou seja, que o pagamento de salário seja mantido.
Estou com suspeita ou confirmação de coronavírus. Posso ficar em casa?
Sim. Conforme a nota técnica divulgada pelo MPT nesta semana, deve-se garantir que trabalhadoras e trabalhadores domésticos sejam dispensados do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, pelo período de isolamento ou quarentena caso tenham sido diagnosticados ou sejam suspeitos de contaminação da doença.
Meus patrões estão com suspeita ou confirmação de coronavírus. Devo ficar em casa?
Sim. Conforme a nota técnica divulgada pelo MPT, empregadores com em período de isolamento ou quarentena devem dispensas as domésticas do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada.
Só tenho o transporte público para chegar ao trabalho. Existe alguma outra possibilidade?
Os patrões devem garantir, quando possível, que o deslocamento da pessoa que realiza o trabalho doméstico, e também de empresas prestadoras de serviços de limpeza ou de cuidado, ocorra em horários de menor movimentação de pessoas, para evitar a exposição a aglomerações, quando o deslocamento é feito por meio de transporte coletivo.
Meus filhos estão em casa, sem aula, mas sigo trabalhando. O que fazer?
A nota técnica do MPT sugere que seja flexibilizada a jornada de trabalho. Isso pode ser acordado com o empregador. Ou seja, a doméstica pode ficar por períodos menores no trabalho, podendo atender também sua família.
*Fonte: Ministério Público do Trabalho (MPT), Aretha Azevedo Claudino dos Santos, assessora jurídica do grupo Themis, e Luiza Batista, presidente da Fenatrad.