Professor do Programa de População da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República do Uruguai, o sociólogo Ignácio Pardo avalia como positivas as medidas implementadas até agora pelo governo na contenção do coronavírus, mas alerta que é preciso cautela.
O inverno no país de clima semelhante ao Rio Grande do Sul costuma ser rigoroso. Segundo ele, as baixas temperaturas podem contribuir para uma mudança de cenário.
Por telefone, o especialista, presidente da Associação Latino-americana de População (Alap), concedeu a seguinte entrevista a GaúchaZH.
Que medidas, na sua opinião, foram fundamentais para controlar a pandemia?
No caso do Uruguai, o primeiro ou um dos primeiros casos foi bem identificado e foram tomadas medidas rapidamente. É possível que isso tenha contribuído para que haja poucos casos. Desde que foi decretada emergência sanitária nacional, em 13 de março, o governo pediu que as pessoas que pudessem trabalhar de casa o fizessem. Não houve uma lei, nenhum decreto que tornasse isso obrigatório, mas um pedido para que as pessoas ficassem o máximo possível em casa. Foram suspensas as aulas, os espetáculos públicos, o esporte. Pelo menos, durante os meses de março e abril funcionou bastante essa estratégia de evitar aglomeração, de juntar muita gente em pouco espaço.
Já é possível perceber um maior relaxamento da população?
Nas duas últimas semanas, as pessoas começaram a sair um pouco mais, parece que relaxaram um pouco as medidas. Mesmo assim, não vemos aumento de casos. Na realidade, para confirmarmos se somos um case exitoso (de combate à doença), é necessário esperar a evolução nos próximos dias. Uma coisa é certa: a evolução da doença que se esperava desde o início não ocorreu. E isso é bom porque não colapsou o sistema de saúde, o número de leitos leitos nos hospitais é suficiente.
Chama atenção que as pessoas atenderam o chamado do governo para que ficassem em casa, mesmo sem obrigatoriedade. Como foi possível?
Foi um pedido do governo. Mas, se alguém encontra você caminhando pela rua, a polícia não vai fazer nada. Funcionou a capacidade das pessoas de regularem suas saídas. Além disso, ao não haver aulas, uma vez que estão suspensos os cursos nas escolas, a educação secundária e as universidades, também há menos trânsito de pessoas. As repartições públicas, os funcionários que podem trabalhar a distância, estão fazendo. As condições para que fiquem em casa estão dadas, e as pessoas limitaram voluntariamente suas saídas para passear.
E o uso de máscara?
Foi sugerido que as pessoas usassem máscara. Nesse momento, é obrigatório no comércio e no transporte público. Para caminhar pela rua, é recomendado, mas nem todos usam.
E como está a movimentação de pessoas, aglomerações, em Montevidéu?
Há menos tráfego do que o normal, mas um pouco mais do que em março em abril. Nos primeiros dois meses, havia pouca gente nas ruas. Agora, começa a haver mais. Ainda não é o normal, mas está mais próximo do normal. Estamos aguardando para ver se isso vai gerar uma onda de contágio ou não. O governo está esperando para ver o que acontece neste mês.
E a questão política, a disputa entre governo central e os governadores no Brasil atrapalha o combate à pandemia. Como é no Uruguai?
Em termos territoriais, o Uruguai não é um Estado federal como o Brasil, é um Estado unitário. Os governos locais não têm muito poder. É sempre o governo central que define (as principais políticas). Houve uma mudança de governo em 1º de março, duas semanas antes do início da pandemia. O governo recebeu a pandemia tendo iniciado seu mandato. Acontece que a oposição, a Frente Ampla, que foi governo nos últimos 15 anos, colaborou com a estratégia, pelo menos não impulsionou nenhuma ideia contrária ao que o governo propôs. A disputa política existe, mas não está centrada nas medidas tomadas para conter a pandemia.
Como o Uruguai deve sair da quarentena?
O governo está dando pequenos passos de flexibilização das medidas e vai avaliando para ver como funciona. Por exemplo, voltaram as aulas nas escolas rurais, que têm poucas crianças. Querem ver se isso irá gerar mais contágios para logo em seguida avaliar quando se retorna com a educação geral. Não há muitos detalhes de quando terminará tudo, mas pequenos passos que o governo vai comunicando.
Como vocês veem a posição do Brasil em relação à pandemia?
As comunidades fronteiriças, como em Chuy, têm a situação mais difícil nesse sentido. Claro que vemos com preocupação. Se entramos no detalhe da realidade brasileira, a atitude inicial de Bolsonaro, que creio que continue, parece um pouco negacionista, um pouco anticientífica. Vamos ver como se desenvolvem os próximos passos no Brasil, mas nos causou surpresa quando Bolsonaro começou a tomar decisões (sobre a pandemia) e, ao mesmo tempo, tocava as pessoas, saía (às ruas), parecia um pouco de negação do risco de contágio.
Os uruguaios reconhecem seus números baixos e o esforço do governo no combate ao vírus?
Em comparação com Espanha e Itália, sim. Mas estamos um pouco na expectativa de ver o que ocorrerá, uma vez que estamos perto do inverno. No Uruguai faz bastante frio. Quem sabe ao terminar os próximos dois, três meses, teremos uma ideia definitiva se a pandemia foi menos grave aqui ou se os casos se concentrarão em maio, junho e julho. Talvez falte saber um pouco isso para se ter uma avaliação geral.