Seis anos e meio depois de chegarem ao pátio da Trensurb, em Porto Alegre, os trens com carrocerias da francesa Alstom e truques da espanhola CAF não têm mais falhas graves que impeçam seu funcionamento.
Dos 15 veículos, 11 trens estão operacionais e quatro em manutenção corretiva. São ajustes de rotina como falhas de ar condicionado, câmeras e baterias, que não são de responsabilidade do fornecedor. A principal pendência no momento não impossibilita a circulação da nova frota, mas priva usuários de terem mais distanciamento entre si durante as viagens: a aplicação de uma solução para acoplar dois veículos, o que oferece mais segurança sanitária durante a pandemia. O trabalho está suspenso devido à dificuldade dos técnicos do consórcio FrotaPoa (Alston e Caf) virem até Trensurb em razão da pandemia.
Até chegar ao patamar de zerar todos os problemas graves — e ter apenas ajustes que não inviabilizam a operação dos trens —, os veículos da Série 200 deram muita dor de cabeça à Trensurb e foram bem pouco utilizados pelos usuários. Comprados por R$ 244 milhões com a promessa de oferecer conforto e ar condicionado ao passageiro e economia de energia para a Trensurb, os veículos apresentaram coleção de problemas técnicos pouco tempo depois de chegar a Porto Alegre.
A frota foi comprada em 2012, começou a rodar em setembro de 2014, mas não funcionou simultaneamente antes de março de 2019. Em maio de 2018, o Grupo de Investigação da RBS (GDI), revelou conjunto de 20 falhas graves que, naquela época, deixavam 11 dos 15 veículos encalhados.
Os problemas técnicos se iniciaram apenas sete meses após o começo da operação dos trens, quando um dos veículos descarrilou, em 7 de abril de 2015, e culminaram com o recolhimento da frota, em abril de 2016, em razão da identificação de infiltração nos rolamentos. Durante o período de conserto, novos defeitos foram identificados, como vazamento em amortecedores, falta de vedação da caixa de graxa, deformação das bolsas de ar (responsáveis por garantir a estabilização do veículo), deterioração nos batentes laterais e problemas na fixação dos carros com o truque. Todos itens fundamentais para a segurança dos trens.
Inquérito
Em 2016, o Ministério Público Federal (MPF) em Novo Hamburgo abriu inquérito civil para investigar a causa da paralisação dos novos trens adquiridos pela Trensurb. O procurador Celso Tres estabeleceu cronogramas para o conserto dos veículos e acompanhou os prazos, mas não chegou a apresentar denúncia contra a gestão responsável pela compra:
— Nos concentramos mais em cobrar para que fossem consertados. E de uma forma geral, a Trensurb se mobilizou para isso. Mas não tivemos êxito na questão da responsabilização da gestão que fez a compra. Ainda tenho intenção de ajuizar a ação.
Nove meses após a frota finalmente funcionar simultaneamente, em dezembro de 2019, GZH revelou que nove dos 15 trens voltaram a apresentar falhas, como problema de nivelamento e trinca no suporte da biela. Ambos problemas no truque do trem, plataforma sobre a qual a carroceria é assentada.
As falhas foram corrigidas. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, a Trensurb encontrou dificuldade em acoplar os vagões. A junção de dois trens disparou um alerta no sistema de freios. Para oferecer mais espaço entre os passageiros, a empresa pretendia conectar dois trens de quatro vagações — o que já é feito com os trens antigos, da série 100, especialmente em horários de pico.
— Está muito melhor do que já foi, mas ainda aparecem algumas pendências. Os trens antigos são muito mais fortes e garantem o serviço — afirma um profissional da manutenção da Trensurb, que prefere não se identificar.
Ao longo de 2020, uma solução para juntar dois trens foi aplicada, testada e aprovada. Desde 24 de fevereiro, dois dos 15 trens circulam acoplados, transportando passageiros. A aplicação dessa solução a toda a frota, segundo a Trensurb, ainda não foi possível em razão da pandemia.
89% quitado
No momento, há um técnico do consórcio FrotaPoa trabalhando presencialmente na Trensurb. O contrato entre estatal e fornecedores foi prorrogado até 27 de maio. Devido ao agravamento da pandemia, outros técnicos do consórcio que viriam a Porto Alegre foram impedidos de viajar e os trabalhos para solucionar as pendências como o acoplamento dos trens estão suspensos. A pandemia também atrapalhou de forma significativa a realização de trabalhos de campo, como testes dinâmicos.
Internamente, a diretoria da Trensurb reconhece que a relação com o consórcio melhorou nos últimos dois anos. No passado, a falta de entendimento entre estatal e a fornecedora era perceptível pelo tom das trocas de correspondências e atas de reuniões realizadas no período em que a frota estava fora de operação.
Do valor total da frota (de R$ 244 milhões), a Trensurb já quitou R$ 218,33 milhões, ou 89,3% do total. O pagamento foi suspenso em 2016 — quando toda frota foi recolhida — e será retomado este ano. Ainda há um saldo a ser pago que necessita de atualização. Sobre essa quantia, a Trensurb analisa o valor da multa a ser cobrada devido à sucessão de problemas técnicos dos veículos. Os números, não divulgados a gZH, estão sendo avaliados pelas áreas técnica e jurídica da empresa e serão submetidos a aprovação do Conselho de Administração.
Passageiros
No momento em que a nova frota está apta para operação, a Trensurb apresenta queda de 62% no contingente diário de passageiros. Em março, a média de pessoas transportadas por dia útil foi de 63.140. Antes da pandemia, era de 170 mil.
essa redução já era observada antes mesmo do coronavírus impor o distanciamento social. Entre 2018 e 2019, houve redução de 7,14% no total anual de usuários transportados — passou de 51,7 milhões para 48 milhões. O último ano em que a Trensurb registrou aumento na demanda foi em 2014, quando cerca de 58 milhões usaram o serviço — crescimento de 8% em relação a 2013. De 2015 em diante, os números só caíram.