Tapar buracos deveria ser um paliativo, mas virou regra em Porto Alegre. Segundo a prefeitura, apostar mais na recuperação total do pavimento não cabe no orçamento de uma cidade com 1,1 mil quilômetros de vias asfaltadas. Mas o barato tem saído mais caro. Dados da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) mostram que cada metro quadrado de buracos tapados em 2016 custou, em média, R$ 57,30. Em 2017, a prefeitura está gastando menos em um programa de revitalização total: R$ 56,66 por metro quadrado, em média.
O normal é que recapeamento seja bem mais caro. Deveria custar pelo menos o dobro do que o tapa-buraco.
Jorge Ceratti
Especialista em pavimentação e doutor em Engenharia Civil
A iniciativa, financiada pela Corporação Andina de Fomento (CAF), terá investimento de R$ 29,2 milhões – menos do que os R$ 31,1 milhões que a prefeitura gastou em reparos pontuais nas ruas entre 2009 e 2016.
— O normal é que recapeamento seja bem mais caro. Deveria custar pelo menos o dobro do que o tapa-buraco, porque envolve material usinado, mais nobre do que o usado normalmente no tapa-buraco — destaca Jorge Ceratti, especialista em pavimentação e doutor em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
E os reparos feitos parecem não surtir efeito, pois são realizados de forma recorrente. A pedido do Grupo de Investigação da RBS (GDI), a Smim listou as cinco vias que mais receberam intervenções entre 2010 e 2017. Foram 4,6 mil ocorrências nesse período. A Avenida Protásio Alves recebeu o título de "campeã de operações tapa-buraco". Foram 1.287 ocorrências em menos de 7% de todo o traçado da via. Os buracos apareceram praticamente nos mesmos lugares. O investimento no período chegou a R$ 369,4 mil. Na Avenida Ipiranga, terceira da relação, foram 911 intervenções em menos de 3% de todo o traçado da via. O gasto, apenas nessa avenida, foi de R$ 129,3 mil.
Engenheiro civil e doutor em Transportes pela UFRGS, João Fortini Albano explica que a operação tapa-buraco é uma forma de manter o revestimento de um pavimento em boas condições para garantir segurança aos motoristas. Mas, na maioria das vezes, não é executado de forma adequada, observa o especialista. Sendo assim, a durabilidade é muito pequena.
— Então, pode-se resolver momentaneamente as reclamações dos usuários. Mas, após uma ou duas chuvas, é preciso repetir a operação. E o pavimento fica sempre em péssima situação. Muitas vezes, os repetidos gastos poderiam ser substituídos por uma restauração total e definitiva do revestimento — comenta.
Por que Porto Alegre gasta mais fazendo um serviço de pior qualidade, e que pode durar somente algumas semanas, em vez de investir menos e ter uma durabilidade muito maior do asfalto? Ceratti avalia que a grande questão é que a prefeitura muitas vezes não tem capacidade de investimento para fazer reparos de maior porte. O custo imediato do tapa-buraco – mesmo que, acumulado, saia caro – não é alto.
— A prefeitura não tem capacidade de fazer reparo de maior porte, embora o custo fique equivalente do que será gasto rotineiramente — avalia o engenheiro.
AS CAMPEÃS EM INTERVENÇÕES
Cinco vias de Porto Alegre que mais receberam intervenções entre 2010 e 2017
Avenida Protásio Alves
1.287 intervenções em 6,79% da via (gasto de R$ 369,4 mil)
Avenida Bento Gonçalves
1.167 intervenções em 4,59% da via (gasto de R$ 281,9 mil)
Avenida Ipiranga
911 intervenções em 2,39% da via (gasto de R$ 129,3 mil)
Avenida Juca Batista
701 intervenções em 7,07% da via (gasto de R$ 211,8 mil)
Avenida Edgar Pires de Castro
602 intervenções em 8,73% da via (gasto de R$ 214,4 mil)
Fonte: Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim)
CONTRAPONTO
O que diz a prefeitura
O supervisor da Divisão de Conservação de Vias Urbanas da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim), Carlos André Matos, explica que o valor de R$ 57,30 por metro quadrado de asfalto no tapa-buraco leva em consideração todos os custos que a prefeitura tem, inclusive os fixos.
Um desses gastos que a administração municipal tem mensalmente – aplicando ou não asfalto em tapa-buraco – vem das duas usinas de asfalto. Antes sucateadas, tiveram um investimento de R$ 3,2 milhões para serem reativadas, mas, hoje, operam abaixo da capacidade, explica Matos. Foram inauguradas entre 2015 e 2016 no bairro Restinga, na Zona Sul, e no bairro Sarandi, na Zona Norte.
Como tenho usinas para produzir, como tenho pessoal e a prefeitura tem um custo fixo para pagar esse pessoal, tenho de usá-los
Carlos André Matos
Supervisor da Divisão de Conservação de Vias Urbanas da Smim
— Não posso ter esse pessoal parado. Nesse aspecto, como tenho usinas para produzir, como tenho pessoal para produzir, e a prefeitura tem um custo fixo para pagar esse pessoal, tenho de usá-los — diz Matos.
Quanto mais asfalto a prefeitura produzir, mais barato o metro quadrado custará. A dificuldade financeira, porém, fez reduzir a produção. Matos reconhece que, na atual situação, as usinas de asfalto se tornam muito onerosas para a prefeitura:
— Em razão da falta de recursos, sim. Mas elas foram adquiridas numa época em que se previa que a gente poderia fazer mais trabalhos. Estávamos com duas usinas completamente sucateadas. Modernizamos tendo como meta a possibilidade de se fazer mais serviços.
Mesmo assim, a política adotada pela prefeitura é de que os investimentos em tapa-buraco serão mantidos porque é preciso garantir a segurança viária, argumenta o titular da Smim, Elizandro Sabino:
— O tapa-buraco tem de ocorrer. Operações do tipo ocorrem em toda a cidade, não só nos trechos mais problemáticos.
Sabino explica que a maior quantidade de tapa-buracos nos últimos meses é porque, no começo do ano, a crise financeira fez a prefeitura restringir pagamentos a fornecedores. Com poucos recursos, a saída é fazer serviços restritos:
— Precisamos dar conta do represado. A demanda de buracos é muito grande. Mas dependemos da Secretaria da Fazenda. É difícil estabelecer uma previsão sem ter dinheiro.
A promessa é de que, no futuro, a situação seja diferente. A partir de um melhor planejamento, Sabino espera reverter a atual demanda de ações tapa-buraco.
— Solicitamos um estudo para nossos técnicos para prever o que será feito pelos próximos anos, a fim de garantir a fluidez viária — promete.