Os buracos nas ruas da capital gaúcha são resultado de uma equação perversa. Com impostos, cidadãos pagam por uma pavimentação malplanejada e malfeita. Asfalto que deveria durar uma década abre em poucos anos e se torna uma sucessão de remendos. Como a burocracia faz com que o conserto demore, crateras renascem a cada chuvarada e drenam mais uma vez recursos dos cofres públicos.
Entre julho e setembro, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) examinou contratos públicos e contratou o Laboratório de Pavimentação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para realizar testes no pavimento das ruas da Capital. A reportagem constatou vários casos em que o asfalto, planejado para durar 10 anos, já está totalmente esburacado. Em alguns pontos, em dois anos já havia buracos. As razões: erros de projeto e de execução, problemas na qualidade do material usado e falta de manutenção.
A série de reportagens que se inicia nesta quinta-feira (21) e segue pelos próximos dias vai mostrar que o pavimento de Porto Alegre é atingido por problemas como falta de drenagem da água infiltrada, mistura asfáltica fina demais para o volume de tráfego, solo pouco denso e até buracos abertos por prestadores de serviços e que nunca foram consertados adequadamente. Buraqueira que causa danos materiais e prejuízos financeiros a motoristas.
Os problemas são conhecidos da prefeitura e dos órgãos de controle. Entre 2010 e 2015, auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) alertaram várias vezes para serviços que foram cobrados, mas não realizados. Relatórios das auditorias obtidos pela Lei de Acesso à Informação mostram avisos que incluem possível favorecimento de empresas — alguns dos alertas foram feitos antes mesmo de as obras, que hoje apresentam defeitos, começarem.
Por fim, a reportagem mostrará que nas cinco principais avenidas da cidade foram tapados quase 5 mil buracos nos últimos três anos - e qual o custo desse megarremendo. E a tentativa de explicação da prefeitura de por que o maior investimento dos últimos anos em pavimentação — R$ 30 milhões em renovação de vias da Capital — foi iniciado em fevereiro e já apresenta buracos. É um problema sem solução? Não. A solução, também detalhada na investigação, passa por mais planejamento e menos improviso.
Os cinco erros mais comuns encontrados pelo especialista
Entre julho e agosto, o GDI visitou 80 trechos em 65 ruas das zonas Norte, Sul, Leste e Centro que foram recapeados entre 2010 e 2015 pela Procon Construções, contratada pelo setor de Conservação da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim). Estas obras, incluídas nos Programas de Revitalização Asfáltica 3, 4, 6 e 7, custaram à cidade R$ 15,5 milhões — valor correspondente a 55,2% do investido pela cidade em serviços de capeamento e recapeamento asfáltico nestes cinco anos.
Metade das vias visitadas pelo GDI apresentava rachaduras, fissuras e desgaste no asfalto. Destas, 19 tinham problemas mais graves, como calombos e buracos que se tornam obstáculos para o tráfego de veículos. O GDI, então, contratou o coordenador do Laboratório de Pavimentação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Glicério Triches, para verificar as causas da buraqueira das 12 ruas em pior estado e mais quatro avenidas com grande fluxo de veículos.
Nos dias 5 e 6 de agosto, Triches, engenheiro com doutorado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), avaliou as ruas e apontou as principais causas da buraqueira. A lista inclui problemas de execução, mas também de planejamento da pavimentação.
Um exemplo é a Avenida Sertório, na Zona Norte, recapeada em setembro de 2015. Esse tipo de recuperação, que coloca uma capa de asfalto nova após raspar o revestimento antigo, tem vida útil de 10 anos quando é bem feito. Mas, dois anos depois, a avenida já tem buracos.
Na rótula das avenidas dos Gaúchos e Assis Brasil, Triches apontou que a mistura usada para o recapeamento foi inadequada para uma via com tanto movimento — o pavimento já está sendo "empurrado" para o acostamento.
— Em dois anos, não poderia estar assim de jeito nenhum — afirma o professor.
Segundo ele, a intervenção em 2015 foi feita sem mexer na base estrutural do asfalto. Foi feita a fresagem (a raspagem do pavimento antigo), mas não se reforçou a base:
— Quando a prefeitura contrata a empresa, precisa realizar uma avaliação estrutural para identificar pontos de muita deformação e fazer remendos mais profundos.
Como foi feito o teste
- 80 trechos visitados pelo GDI em 65 ruas que foram recapeadas entre 2010 e 2015
- Metade das vias tem sinal de desgaste no asfalto
- 19 têm problemas graves
- 16 foram verificadas pelo especialista contratado pelo GDI, incluindo quatro que não receberam recapeamento, mas têm grande fluxo de veículos