Foram dois anos de insegurança e expectativa. No começo, a crença de que a qualquer momento tudo voltaria ao normal. Com o passar do tempo, os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) foram se adaptando, fazendo campanhas solidárias e mantendo a estrutura do jeito que era possível. Tudo pensando no momento que, finalmente, chegou: a volta do público para as atividades artísticas, culturais e campeiras.
A Semana Farroupilha 2022 marca o ápice dessa retomada, que já vinha sendo observada em piquetes e CTGs pelo Estado. Bailes, jantares, concursos e outras atividades voltaram a reunir centenas de tradicionalistas no mesmo ambiente, dando fôlego para as instituições. Rio Grande afora, o chimarrão solitário deu lugar novamente ao convívio nos galpões. Invernadas artísticas como a do CTG Tiarayú, de Porto Alegre, voltaram aos ensaios e apresentações para matar a saudade dos amigos e do público.
— Estamos acompanhando de perto o que vem acontecendo em todo o Rio Grande do Sul. Tenho andado bastante, conversado muito com os patrões. A retomada está acontecendo em uma velocidade inferior à que nós gostaríamos, mas isso é natural porque deparamos com uma coisa inédita: o afastamento do quadro social das atividades de CTG, que não ocorreram durante quase dois anos — analisa o presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Manoelito Savaris.
A fim de estimular o retorno do público aos galpões das entidades, o MTG vem cumprindo integralmente seu calendário de atividades. Também estimula as Regiões Tradicionalistas, suas seccionais, a organizar e participar de rodeios, concursos artísticos e esportivos.
O número de tradicionalistas reunidos já nas primeiras atividades dos festejos farroupilhas deste ano mostrou que o público vivia grande expectativa por esse momento. Manoelito Savaris destaca que o acendimento da Chama Crioula, em Canguçu, nos dias 13 e 14 de agosto, reuniu exatos 1.104 cavalos – marca comprovada pela quantidade de Guias de Trânsito Animal emitidas pela inspetoria veterinária.
— Nos dias seguintes, outras cavalgadas foram buscar a Chama Crioula para levar até suas regiões. Tivemos algo próximo de 1,3 mil cavalos. Isso é o maior de todos os tempos. Temos acompanhado a chegada nos municípios e, em quase todos, o público é superior aos de 2018 e 2019 — comemora Savaris.
Vacina em dia, ensaio garantido
Na zona norte de Porto Alegre, o CTG Tiarayú optou por retomar os ensaios das invernadas artísticas apenas depois da segunda dose da vacina contra covid-19. O retorno começou pelos mais velhos, seguindo a ordem definida pelo Ministério da Saúde. A primeira foi a xiru, depois a veterana, a adulta e assim por diante.
Se em todos os lugares a expectativa era alta, no Tiarayú tinha um tempero a mais: depois de alguns anos com problema no isolamento acústico, em 2019, o CTG conseguiu resolver a questão e, quando tudo parecia entrar na normalidade, veio a pandemia. Por isso, a procura tem sido grande.
— Essa retomada para os eventos está bem forte. Os ingressos esgotam em uma semana. Todos os almoços, eventos e tertúlias ficam lotados. Em junho fizemos um baile, que também lotou. O pessoal estava com saudade de dançar — constata Vera Menna Barreto, patroa do CTG.
Ainda assim, a patronagem tem optado por não preencher todo o espaço. Antes da pandemia, eram recebidas quase 500 pessoas, mas, por enquanto, o número de presentes não ultrapassa os 350, contando a equipe de trabalho.
Durante a Semana Farroupilha, o CTG fica dividido entre atividades na sede e no Parque Harmonia, com atrações como o ensaio aberto e o costelão, além de projetos culturais. A capacidade no galpão do acampamento é reduzida: acomoda cerca de 50 convidados – mas chega a 150, já que muitos preferem ficar ao redor da churrasqueira em uma área aberta, mantida estrategicamente com essa finalidade. Para atrair visitantes, o Tiarayú lança mão das ferramentas digitais.
— Com essa função de WhatsApp, ficou bem mais fácil. A gente se divide e coloca os convites. Tem uma procura muito grande não apenas de sócios mas, também, da comunidade, de amigos. O pessoal voltou mesmo — comemora a patroa.
Galpão novo e público de volta
Em meio à pandemia, uma debandada de sócios e grandes dificuldades financeiras. O que poderia ser a deixa para que se desistisse deu ainda mais força a integrantes do CTG Independência Gaúcha, de Esteio. A ideia de desmanchar o galpão, que já não tinha mais condições de receber o público, para construir um novo, não poderia ter vindo em um momento mais desafiador.
— Quando a gente ia fazer o primeiro evento de 2020, no dia 4 de abril, veio a pandemia e tudo parou. Meses depois, nos vimos com o galpão desmanchado, situação financeira quebrada, mas não desistimos nunca — lembra, com orgulho, o patrão Adenilso Krupinski.
O tempo passou, o trabalho deu resultado e o galpão foi reinaugurado. A estrutura ensejou a criação da atração que tem sido o carro-chefe nessa retomada: a Quinta Galponeira. Os bailes lotam o salão e já receberam alguns dos principais nomes da música tradicionalista. No começo, eram cerca de 400 dançarinos pelo salão – hoje, já se vê a marca de 600 pessoas.
A atividade das invernadas artísticas ajuda a manter o CTG movimentado, não apenas pelos ensaios e apresentações, mas porque os integrantes participam e levam convidados aos bailes. A contribuição só não é maior porque, com a pandemia, adolescentes acabaram descobrindo outros gostos e se distanciando um pouco – diferentemente dos menores, levados pelos pais, que voltaram com mais facilidade.
Na Semana Farroupilha deste ano, o Independência Gaúcha mostra que está em plena força e vigor. A entidade participou da comitiva da 12ª Região Tradicionalista na busca da Chama Crioula e promoveu tertúlias, apresentações e encontros na sede montada junto ao acampamento do Parque Estadual de Exposições Assis Brasil.
— É muito gratificante. Tu vês a importância que teve aquele trabalho de formiguinha. A recompensa está sendo hoje, com todos os eventos lotados — diz Krupinski.
Integração, mais do que nunca
Caracterizado por ser um ambiente de confraternização, o tradicionalismo recorre justamente a esse conceito para lotar os galpões novamente. Em Garibaldi, o CTG Sentinela da Serra aposta na participação de outras entidades para atrair público e engajar a comunidade.
Ao longo da Semana Farroupilha, o café da manhã ficou a cargo de faculdades, associações e empresas. A cada dia, um responsável diferente, como estratégia para movimentar também aqueles que não são tradicionalistas e aproximar do dia a dia do galpão, que fica junto ao Parque da Fenachamp.
— Reunimos em média 50 pessoas todas as manhãs. Depois do café, fazemos o hasteamento das bandeiras e o dia continua com almoço, jantar e baile – detalha o integrante Douglas de Quadros, que também é vice-coordenador da 11ª Região Tradicionalista
A programação musical, diária, levou entre 300 e 400 pessoas ao Sentinela da Serra. Mesmo que também sinta a ausência dos adolescentes neste retorno, motivo pelo qual tem atuado apenas com as invernadas mirim e adulta, Douglas exalta o bom movimento deste ano. Além da programação cultural, está prevista a realização do tradicional Rodeio Crioulo de Garibaldi, promovido em parceria com o poder público municipal.
O patrão do CTG, Paulo Botta, fala da retomada com otimismo. Apesar dos desafios, principalmente na parte artística, ele destaca a dedicação de todos os integrantes para fazer com que tudo volte ao normal, sem medo.
— A satisfação de ver o público em grande número é muito grande porque demonstra o amor e o respeito com nossa cultura — resume.