Quem visita há mais tempo o Acampamento Farroupilha, montado no Parque Harmonia, em Porto Alegre, pode ter percebido: nos últimos anos, o evento tem ganhado cada vez mais diversidade e renovação, sempre com o cuidado de manter o tradicionalismo. Seja nos produtos à venda ou nos piquetes construídos, todo ano, o espaço ganha novidades.
Uma das atrações implantadas nesta edição é o piquete Pêlo Escuro, que homenageia o poeta gaúcho Oliveira Silveira, idealizador do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Montado pela única filha do escritor, Naiara Rodrigues Silveira Lacerda, o espaço busca fazer um resgate da obra “Pelo Escuro”, do autor, e analisá-la sob a ótica do afrogauchismo. O assunto vai ao encontro do tema do Acampamento Farroupilha deste ano — Etnias do Gaúcho: Rio Grande Terra, de Muitas Terras.
— É importante termos este piquete para trazermos a questão da representatividade, da visibilidade. Precisamos dizer que este é um lugar onde eu posso, onde eu tenho o direito de estar. Anos atrás, não havia piquetes de negros, ou havia um que outro. Agora, com o tema desta edição, se abriu essa possibilidade. É difícil? É. Mas é possível, então vamos ocupar, estar aqui, trazendo a nossa etnia, a nossa cultura e mostrando que nós também construímos este Rio Grande do Sul — destaca Naiara.
Nos próximos dias, serão levados para o Acampamento Farroupilha alguns itens da exposição sobre Oliveira Silveira que hoje ficam na Casa de Cultura Mario Quintana. Uma apresentação do projeto do piquete estava prevista para ser realizada no final da tarde deste domingo (18).
Além de temas relacionados ao afrogauchismo, Naiara, que é professora em uma escola para surdos, também faz questão de que o espaço seja inclusivo e acessível, recebendo também, por exemplo, pessoas surdas e um grupo de autistas.
Elementos tradicionais recebem adaptações
No comércio, as cuias de chimarrão entraram em clima de eleições — a tenda da lojista Rosária Mengue, por exemplo, personalizou o objeto com artes alusivas aos candidatos à presidência Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
— Nós costumamos fazer bastante personalização e percebemos que estão usando muito nessas eleições. A gente vê toalhas e tudo mais dos candidatos, então por que não fazer uma cuia? Acabamos fazendo e está saindo bastante, de ambos — relata a comerciante, que diz também estar vendendo muito cuias com pulseiras e bombas coloridas.
Já o publicitário Saulo Machado apostou na mistura de referências gaúchas com a cultura pop para criar estampas diferentes para camisetas, mas que ainda assim tragam a identidade do Rio Grande do Sul. Lá, a famosa capa do álbum Abbey Road ganhou uma versão pilchada de uma banda quase igual à original – a “Tchê Beatles”. Em outra camiseta, o cavaleiro das trevas passa a se chamar “Batchêman” e exibir o contorno de um chimarrão. A série Stranger Things ganhou uma tradução gaudéria: “Tri Estranho”.
— O gaúcho consome muita coisa daqui. Nesse contexto, criamos estampas bacanas fazendo uma brincadeira, unindo elementos do gaúcho com elementos pop, usando séries, álbuns. A ideia é fazer uma tradução divertida, que as pessoas queiram usar. Tem tido uma aceitação legal — comenta o lojista, que também é o idealizador das estampas.
Mais tradicional, a família de Christopher Fagundes mantém uma tenda que vende itens como os lenços e os vestidos de prenda, que são seu carro-chefe. A preocupação em manter as roupas com as mesmas características é grande, mas há espaço para adaptações ao longo dos anos.
— Eles vão mudando aos poucos. A gente incorpora outras coisas, muda elementos, aumenta o babado, o bordado. Vai mudando, mas sem fugir da tradição. A gente tem que seguir a cultura gaúcha, tem que ter babado, as cores tradicionais, como o vermelho e o rosa — observa o comerciante, que veio de Caxias do Sul para participar do evento.
Costumes se mantêm vivos
Maicon e Bianca da Silva não pouparam detalhes na vestimenta para visitar o Acampamento Farroupilha. Moradores de Alvorada, procuram ir com o filho, Felipe Koch da Silva, cinco anos, pelo menos uma vez por semana ao Parque Harmonia. A tradição começou há cerca de 10 anos, mesmo antes de o menino existir.
— Eu sempre tento buscar a verdadeira cultura gaúcha. Me espelho no Mano Lima e no Baitaca, que são meus ícones. Tem gente que se pilcha de texano e não sabe da nossa verdadeira cultura — critica Maicon.
Nascido em Palmeira das Missões — a “Esparta gaúcha”, segundo ele —, Maicon conta que seu bisavô participou da Revolução Farroupilha. Por isso, faz questão de manter as tradições daquela época e levar seu filho para vivê-las também.
Outro que passeava a caráter junto com a família era Henrique Cunha, 58 anos.
— Viemos caracterizados porque é bom cultuar a tradição gaúcha. A gente gosta — resume Henrique, que mora em Canoas, mas prefere o espaço montado em Porto Alegre.
Além dos frequentadores tradicionais, alguns personagens vão se criando no ambiente. Há quatro anos, Fabiano de Souza interpreta o Licorvo, um menino pobre que foi morar em Porto Alegre e, com o sonho de se pilchar, foi recebendo doações de vestimentas nem tão tradicionais.
— Ganhei camisa, bomba, cuia, correntes e, a cada ano, a gente vai melhorando mais, renovando alguma novidade pro pessoal do acampamento ficar mais contente com o meu trabalho. Visito vários acampamentos e tiro foto com as pessoas — relata Fabiano.
Para este domingo, estão previstas atrações culturais até as 22h, terminando com o show de Os Fagundes. Também há apresentações marcadas para a segunda (19) e a terça-feira (20). Clique aqui para conferir toda a programação.