A enchente histórica de 2024 no Rio Grande do Sul poderia ter provocado menos vítimas do que as 183 mortes e 27 desaparecimentos registrados em decorrência do desastre. Essa é uma das conclusões de um artigo recém finalizado por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de outras instituições.
Dois elementos centrais poderiam ter preservado vidas, segundo os cientistas: um sistema de alertas mais eficiente e a evacuação de áreas possivelmente atingidas.
“As fatalidades poderiam ser reduzidas melhorando os esquemas de alerta e a organização da evacuação de áreas possivelmente inundadas, e reconhecendo que medidas estruturais de controle de inundações, como diques, não eliminam completamente a possibilidade de ocorrerem inundações. De acordo com pesquisas recentes (Pappenberger et al., 2015; Nonnemacher e Fan, 2023), pode-se afirmar que previsões precisas teriam permitido a preparação da sociedade para reduzir os danos”, diz parte da conclusão do artigo científico.
No documento, os 23 pesquisadores que assinam o artigo destacam que os alertas emitidos pelo governo do Estado não continham informações de áreas que podiam ser alagadas e de níveis máximos que poderiam ser atingidos pelos rios. Em relação às previsões do Serviço Geológico do Brasil (SGB), os autores dizem que as previsões não foram emitidas nos dias mais críticos, uma vez que os equipamentos de medição já haviam sido destruídos pelas águas.
“Instituições do governo estadual emitiram alertas sobre possíveis enchentes em vários rios, mas nenhuma informação detalhada foi dada sobre hidrogramas, mapas de áreas passíveis de inundação ou sobre o nível da água máximo previsto em estações de medição de referência. O Serviço Geológico do Brasil (SGB) emitiu previsões detalhadas para os principais pontos de referência em dois dos rios mais impactados (Taquari e Caí), que foram úteis durante a parte inicial da enchente. Entretanto, estas previsões não foram emitidas durante o período mais crítico da cheia porque alguns dos principais equipamentos de medição foram destruídos pelas águas”, diz outro trecho do artigo.
Pesquisadores dizem que faltou gestão de sistema de proteção contra cheia
O artigo tem objetivo, segundo os próprios autores, de fazer uma espécie de "autópsia" da cheia de 2024 no Rio Grande do Sul, considerando os dados sobre chuvas, níveis dos rios, previsões disponíveis na época, falhas nos sistemas e danos registrados. Além de integrantes do IPH, há pesquisadores de UFSM, UFPel, Furg e Serviço Geológico Brasileiro (SGB) assinando a pesquisa.
No documento, os pesquisadores destacam os diversos problemas nos sistemas de proteção contra cheias nas cidades atingidas, lembrando que a falta de gestão impactou nos danos provocados pelas águas.
“As inundações ao longo dos principais rios afetaram uma área de cerca de 15.000 km², onde vive uma população estimada em 850.000 pessoas. Mais da metade dessas pessoas deslocadas vivem em áreas na Área Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) que deveriam ter sido protegidas por um extenso sistema de defesa contra inundações, composto por diques, muros de contenção, comportas e estações de bombeamento. Esse sistema de defesa contra inundações falhou por uma variedade de razões, demonstrando que um sistema de proteção contra inundações requer, acima de tudo, um sistema de gestão, responsável por manter o sistema capaz de operar nas condições para as quais foi projetado”, diz parte do artigo científico.
Segundo o artigo, o desastre hidrológico percebido no Rio Grande do Sul em 2024 é o maior evento de movimentos de massa (como deslizamentos e queda de barreiras) já registrado no Brasil.