Passados mais de três meses desde o começo da cheia que espalhou destruição em Porto Alegre, o padeiro desempregado Marcos Everaldo Moreira dos Santos, 53 anos, ainda não conseguiu voltar para sua casa na Vila Nova Brasília, bairro Sarandi, na Zona Norte. Apesar disso, considera que tem sorte.
A pouco mais de cem metros de onde vivia, um punhado de casas foi levado pela água quando o Dique do Sarandi rompeu. O fundo do seu terreno se encontra com o paredão do dique, que também verteu água por cima.
— Uma mulher da Defesa Civil passou dizendo que a água iria subir muito e que a gente deveria sair. Eu pensei que só podia estar maluca. Mas, no dia 3 de maio, uma sexta-feira, vi que iria alagar mesmo. Chegou a se formar uma cachoeira — relembra Santos, refugiado no apartamento de um amigo.
Saiu de casa com a roupa que vestia e dois cobertores: um para ele e a mulher, outro para uma neta. Um conjunto de medidas anunciadas pelos governos federal e estadual prevê pelo menos R$ 7,3 bilhões em recursos para prevenção e contenção de cheias no Estado com o objetivo de evitar a repetição de situações desse tipo, mas a maior parte das iniciativas ainda se encontra em fase inicial ou de estudos.
Esta reportagem faz parte de uma série que mostra como está a reconstrução do Estado em oito áreas essenciais (veja abaixo o cronograma). Os dados são do Painel da Reconstrução, do Grupo RBS.
O levantamento realizado por Zero Hora inclui anúncios feitos pelo Planalto e pelo Piratini que contam com definição de orçamento e verba prevista. A maior parte do valor corresponde a R$ 6,5 bilhões em obras e melhorias de drenagem urbana que beneficiam 38 municípios e foram recentemente incluídas no Novo PAC Seleções, programa do governo federal detalhado no dia 30 de julho. Um dos focos é conter as inundações no trecho entre a zona norte da Capital, onde vive Marcos Santos, e o município vizinho de Alvorada.
— A gente espera que melhorem esses diques, ou vai se repetir tudo outra vez — complementa o padeiro, que diz estar "voltando aos poucos" para casa, já que perdeu tudo o que tinha.
A iniciativa individual de maior custo é a execução de obras estimadas em R$ 2,5 bilhões, previstos como crédito extraordinário do orçamento da União, para controle de cheias do Rio Gravataí e do Arroio Feijó, entre a Capital e Alvorada. Envolve intervenções em diques, arroios e investimentos em casas de bombas. A Bacia do Rio dos Sinos, segunda iniciativa mais vultosa, deve receber R$ 1,9 bilhão para melhorias em canais e elevação de diques.
Conforme o Plano Rio Grande, compilado de projetos feito pela gestão estadual, mas que também contempla algumas ações financiadas pela União, o programa de melhorias entre Porto Alegre e Alvorada já superou as etapas de estudos e anteprojeto de engenharia, estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) e projeto básico ambiental.
— Muitos desses anteprojetos foram feitos pelo Estado, e agora deve vir a contratação em regime integrado do projeto executivo e da obra, de uma vez só. A empresa que vai fazer a obra já faz o projeto executivo, o que é muito mais rápido — afirma o vice-governador gaúcho, Gabriel Souza.
Os R$ 4,46 milhões já destinados às fases preparatórias correspondem a 0,2% do custo total estimado hoje. No final de junho, seguia em análise "a adequação do projeto pós-enchentes recentes".
Já as melhorias prometidas para a região do Sinos estavam em fase final de análises ambientais, com 0,4% do orçamento total já desembolsado. Os anúncios com verba federal incluem ainda obras em encostas, estudos e mapeamentos destinados a favorecer ações de prevenção.
— É o mais audacioso plano de recuperação e proteção de um sistema que se mostrou problemático — avalia o ministro para a Reconstrução do RS, Paulo Pimenta.
Principais projetos de drenagem urbana
- Rio Gravataí/Arroio Feijó - Porto Alegre e Alvorada - R$ 2,5 bilhões
- Macrodrenagem urbana em Porto Alegre - R$ 770,4 milhões (soma de cinco projetos em diferentes áreas)
- Bacia do Rio do Sinos - R$ 1,9 bilhão
- Contenção de cheias em Eldorado do Sul - R$ 531 milhões
- Bacia do Gravataí - R$ 450 milhões
Governo do RS foca em ações de desassoreamento e gestão
Se a União destina a maior parte da verba prometida aos gaúchos na área de prevenção de cheias para investimentos em drenagem, o governo estadual concentra fatia mais larga dos recursos anunciados até o momento em medidas de desassoreamento e de gestão de cenários de crise, por meio da construção de um Centro Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres (Cegird) e de 10 núcleos regionais, além do reforço na previsão do tempo com o apoio de novos radares meteorológicos.
Por meio de nota, a Secretaria da Reconstrução Gaúcha informa que "todos os projetos elencados terão garantia de financiamento via Funrigs, que é um fundo público especial de natureza orçamentária, financeira e contábil, com o objetivo de segregar, centralizar e angariar recursos destinados para o enfrentamento das consequências sociais, econômicas e ambientais decorrentes dos eventos climáticos ocorridos em 2023 e 2024".
De acordo com o relatório do Plano Rio Grande de 26 de junho, as instalações do Cegird estavam "em fase de apreciação orçamentária". Já os R$ 300 milhões previstos pelo programa de desassoreamento de rios, lançado em 29 de julho, devem ser aplicados mediante a formalização de convênios com municípios para manutenção de arroios e rios de menor porte. As prefeituras interessadas têm até 27 de agosto para enviar propostas. Já os mananciais maiores deverão ser contemplados por ações diretas do Estado.
Entre outras ações com financiamento estadual, um primeiro radar meteorológico já foi instalado provisoriamente na Capital. O custo da implantação e da operação por cinco anos é de R$ 25,9 milhões. O plano estadual é adquirir mais equipamentos, mas o desenho dessa futura rede ainda está sendo elaborado.
O Piratini também já firmou convênio de R$ 3,1 milhões com a Univates para apoio na revisão dos planos diretores de municípios do Vale do Taquari castigados por enchentes desde o ano passado. O trabalho está em curso.
A série de reportagens
- 7 de agosto - Crédito ao setor produtivo
- 8 de agosto - Aeroporto Salgado Filho
- 9 de agosto - Escolas públicas
- 12 de agosto - Hospitais
- 13 de agosto - Rodovias
- 14 de agosto - Moradias
- 15 de agosto - Prevenção contra enchentes
- 16 de agosto - Ajuda social