Correção: no gráfico Recursos Destinados às Escolas, a origem dos recursos das obras é estatual, e não federal como publicado entre as 5h e as 11h de 9 de agosto. O texto já foi corrigido.
Após o trabalho exaustivo da limpeza, o foco passa a ser a reconstrução de escolas atingidas pela enchente de maio. Com o fim do recesso de inverno, os estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Guarani, de Canoas, voltaram às salas de aula nesta semana, mas ainda há muito a fazer, principalmente na estrutura. Os sentimentos se misturam.
— É bom saber que todo mundo está bem, que é possível esse recomeço. É um sentimento de alívio; ao mesmo tempo, estou preocupada. Porque vamos voltar para a escola, mas não vai ser do mesmo jeito. A gente sempre quer as coisas perfeitas para os alunos, mas não vão ser — desabafa a diretora Tatiani Prestes Soares.
Conforme levantamento realizado por meio do Painel da Reconstrução, criado pelo Grupo RBS, desde maio de 2024, o Rio Grande do Sul recebeu R$ 150.008.899,84 para a recuperação das escolas, somando recursos federais e estaduais. Isso equivale a 25% dos valores prometidos.
Desde quarta-feira (7), Zero Hora publica uma série de reportagens que mostra como está a reconstrução do Estado em oito áreas essenciais.
Os números apresentados incluem valores relativos à recuperação da estrutura das escolas públicas, sem levar em consideração repasses voltados às universidades federais e a questões como permanência e alimentação. A previsão, por enquanto, é de que sejam destinados às escolas gaúchas total de R$ 604.654.040.
Estão somados recursos novos, crédito extraordinário e antecipação de benefícios que já existiam, ou adiamento de tributos. Os investimentos estão sendo utilizados para custeio de despesas como manutenção e reparos da infraestrutura física, obras, contratação de serviços e compra de materiais de limpeza, aquisição de mobiliário, limpeza pesada e higienização das escolas.
No gráfico, os valores empenhados são aqueles que o governo reservou para destinar a determinado pagamento. O empenho ocorre, por exemplo, após a assinatura de um contrato para prestação de serviço. Após a execução do serviço, o valor é liquidado. Quando o fornecedor de fato recebe o repasse, o valor é considerado pago.
Boa parte dos valores vem da União. Na semana passada, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 1.248/2024, que libera um crédito extraordinário para o RS. Serão destinados R$ 394,9 milhões para escolas públicas, universidades e institutos federais, conforme o Ministério da Educação (MEC). Entre os valores prometidos pelo governo que constam no painel, esse é o maior montante.
Instituições ainda fechadas
Levando em consideração somente a rede estadual, 17 das 2.338 escolas ainda estão fechadas, precisando de obra ou reparo para voltar a operar. Destas, 15 unidades retomaram o atendimento presencial em local alternativo. Duas escolas não têm previsão de retorno – elas somam 1.027 estudantes.
No total, 21 escolas ainda estão com aulas remotas, híbridas ou por revezamento – formato adotado pelo Estado em que os alunos estudam presencialmente em alguns dias da semana e em casa em outros. Até o início de agosto, eram 21,3 mil estudantes em alguma dessas situações. No retorno do recesso, o número baixou para 11,5 mil.
Não tem como fazer um plano geral, os cenários são distintos. Na região das Ilhas, por exemplo, só conseguimos entrar nas escolas para dar apoio e iniciar a recuperação no começo de julho, muito tempo depois, porque a água demorou para baixar. Em outras, começamos a fazer intervenções ainda em maio. Tem comunidades afetadas no Vale do Taquari que ainda não voltaram para o local. Sempre optamos pelo que é mais rápido possível para garantir a autonomia da escola.
STEFANIE ESKERESKI
Secretária Adjunta de Educação do Rio Grande do Sul
A secretária da Educação, Raquel Teixeira, afirma que todas as escolas com atendimento em local provisório estão em espaços adequados, com a infraestrutura necessária.
— Estas são escolas para as quais ainda não temos solução definitiva, ainda não se sabe o que será feito no prédio original. Tecnicamente, há indicação de que a escola não deveria ser retomada naquele local, por ser local de risco. Então, são situações que estão sendo discutidas com a comunidade, com a prefeitura, engenheiros e arquitetos. Nossa premissa, desde o início, é garantir infraestrutura adequada, para o bem-estar e a segurança dos alunos e professores — afirma.
A Escola Guarani ficou alagada por duas semanas. Na unidade, localizada no bairro Fátima, um dos mais atingidos pela cheia, a água chegou a quase 2 metros de altura e o prédio administrativo foi comprometido. Com os repasses da Secretaria da Educação do RS (Seduc), ao longo de junho e julho, foi possível realizar a limpeza, reparos na rede elétrica e colocar mobiliário novo nas salas de aula.
Professores e gestores estão sem o prédio dos funcionários, onde ficava a biblioteca. A escola retomou o atendimento presencial no local na terça-feira (6), com retorno de 80% dos alunos – cerca de 400. Até o início deste mês, as aulas eram remotas ou por revezamento.
Conforme a secretária Izabel Matte, titular da Secretaria de Obras Públicas do RS, os trabalhos de limpeza pesada das escolas demandaram recursos e tempo. Das 1.103 escolas afetadas, 364 precisaram passar por limpeza. Somente em nove escolas de Porto Alegre, foram retirados 1.500 metros cúbicos de entulho, o que equivale a 250 caminhões.
As escolas ficaram severamente danificadas. Não era só água. Eram móveis danificados, bibliotecas inteiras, alimentos. Foi um trabalho grande e complexo. Fizemos parte de limpeza com recursos da autonomia financeira, através da Seduc, e também por meio de parcerias.
IZABEL MATTE
Secretária de Obras Públicas do Rio Grande do Sul
Recursos federais
Entre os recursos federais, foram pagos R$ 37.807.200 do Programa Dinheiro Direto na Escola, por exemplo. Estão sendo repassadas parcelas de R$ 7.600 a cada uma das 7.136 escolas contempladas, sendo a quantidade de cotas definida conforme a situação de cada unidade. As equipes diretivas têm autonomia para definir o uso da verba.
A Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Nilton Leal Maria foi uma das 76 da rede municipal de Canoas que já receberam o benefício. Localizada no bairro Harmonia, a instituição foi uma das mais afetadas pela enchente, tendo todo mobiliário e materiais pedagógicos foram danificados.
Com os recursos, foi possível contratar empresa para a limpeza pesada, recolher os entulhos e realizar reparos. Também foram trocadas janelas e portas quebradas pela correnteza. Com verbas da prefeitura, repassadas via programa Gestão Compartilhada, foi feito o conserto da tubulação de gás, limpeza da caixa d’água e desinsetização.
Depois de tudo isso que as crianças passaram, elas precisam de alegria de novo, precisam estar aqui nesse ambiente que acolhe. As crianças necessitam estar dentro da escola, é o lugar seguro para elas, aqui elas se desenvolvem.
GABRIELA VALIM
Diretora Escola Municipal de Educação Infantil Nilton Leal Maria
As aulas devem voltar na próxima quinta-feira (15), com o retorno de cerca de 130 alunos ao local. Ainda há 19 escolas da rede municipal de Canoas fechadas, todas de Educação Infantil. As instituições retornarão gradualmente ao longo de agosto. A prefeitura estima prejuízo de R$ 14 milhões entre materiais didáticos, mobiliário e estrutura.
Até o momento, a Secretaria Municipal de Educação de Canoas investiu cerca de R$ 10 milhões na aquisição de novos mobiliários para as escolas. Os recursos destinados para reforma e recuperação da rede elétrica das instituições atingidas estão sendo executados com o contrato terceirizado que a pasta tem para manutenção das escolas.
Obras pendentes
Três meses após a enchente, a Seduc informou nesta semana investimento total de R$ 129,1 milhões na retomada das atividades. O montante é dividido em parcela de autonomia, merenda escolar, mobiliário e equipamentos e obras em escolas afetadas, incluindo verbas oriundas da Secretaria de Obras Públicas.
Com os R$ 19,1 milhões contratados, 61 escolas estaduais atingidas pela tragédia climática estão em obras. No total, já foram feitos reparos em 179 escolas, sendo 129 delas em Porto Alegre, 26 em Pelotas e 24 no Vale do Taquari. Foram 1.103 escolas da rede afetadas, sendo 606 danificadas.
Os serviços são realizados por meio da contratação simplificada. Outras 215 instituições da rede aguardam reforma, com projetos sem contratação simplificada. Ou seja, estas obras devem levar mais tempo para começar.
A Escola Estadual de Educação Básica Padre Fernando, de Roca Sales, foi destruída pela enchente de setembro do ano passado e, quando se preparava para a reconstrução, veio a cheia de maio e afetou o prédio novamente. Desde outubro, as crianças têm aula em uma sala do salão paroquial.
— Já tínhamos projeto, quase tudo pronto para reiniciar a construção, aí em maio, outra enchente destruiu mais ainda a escola. E agora não sabemos como vai ser essa reconstrução da escola, se vai ser de dois pisos, se vai ser em outro local, não sabemos ainda, porque todo o Rio Grande do Sul foi atingido — afirma a diretora da escola, Bernadete Maria Vuaden Severico.
Ela lamenta que o local improvisado não tem salas de pesquisa e de informática. A antiga sede tinha um mini-auditório para apresentação de trabalho dos alunos e reunião com os pais, e no atual, não há. O espaço do intervalo também é restrito. E houve perda de estudantes.
— Estávamos, em setembro, com 289 alunos, agora estamos com 240 — afirma a diretora.
Conforme a pesquisadora Maria Beatriz Luce, que leciona na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a infraestrutura escolar do RS já estava precisando de um grande projeto de reconstrução antes mesmo dos eventos climáticos. Para além da recuperação e manutenção das instituições de ensino, é preciso repensar nos projetos, segundo a especialista.
Temos prédios datados de diferentes épocas, diferentes governos. Há muitos prédios mais antigos que já estavam requerendo um projeto maior. Me preocupa muito que nós não estejamos tendo uma discussão forte sobre o projeto dos edifícios escolares. Não somente o projeto arquitetônico, mas também a localização das escolas na planta urbana, no mapa da cidade.
MARIA BEATRIZ LUCE
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS
A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) informou que investiu, até o momento, cerca de R$ 5 milhões na limpeza e recuperação das escolas da rede. Ao todo, 14 escolas municipais foram atingidas pela enchente.
Destas, os prédios de 12 passam por obras de recuperação e duas instituições já tiveram os trabalhos concluídos e já foram reabertas. Conforme a Smed, 650 alunos ainda não retornaram às aulas, o que corresponde a 1,4% do total.