Última região de Porto Alegre onde a água baixou e ainda em estado de alerta, devido à nova cheia, o bairro Arquipélago, que compreende as ilhas do município, tem cinco escolas públicas: quatro estaduais e uma municipal. Até agora, nenhuma pôde abrir as portas, e tampouco houve remanejo dos alunos atendidos.
Há atividades remotas sendo oferecidas aos alunos das escolas estaduais Almirante Barroso, na Ilha da Pintada, e Alvarenga Peixoto, na Ilha dos Marinheiros. As direções também têm feito uma busca ativa para mapear onde estão seus estudantes, já que muitos perderam suas casas, e se têm condições de participar de aulas online.
Em duas das cinco instituições públicas das Ilhas – a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Ilha da Pintada e a Almirante Barroso –, o momento é de limpeza pesada. Ambas foram adotadas pela Marinha do Brasil, que disponibilizou militares para fazer a lavagem dos espaços e do mobiliário que puder ser recuperado.
Segundo informações da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), a previsão é de que a Marinha finalize a limpeza da Almirante Barroso no final de junho. A instituição é a maior do Arquipélago: em 2023, possuía 522 alunos matriculados.
Em visita à Almirante Barroso, na terça-feira (18), a reportagem de GZH conferiu o andamento da limpeza no estabelecimento. Munidos de lavadoras de alta pressão e vestidos com macacões de segurança, militares se revezavam no trabalho de lavar e enxaguar tetos, pisos e paredes.
Algumas das salas de aula já estavam completamente limpas. Em outras, as marcas de lama atingiam alturas superiores ao topo das portas e janelas. Em um cômodo, foram concentradas mesas e cadeiras, ainda enlameadas. Por orientação da direção, a Marinha descartará todos os móveis feitos de madeira, mas tentará tirar a sujeira daqueles de plástico.
O ginásio da instituição já foi limpo e abriga um posto avançado de saúde, já que a unidade de saúde da região está fechada. No pátio, que fica em uma parte um pouco mais alta do terreno, areia seca se acumulava no parquinho e soterrava alguns brinquedos. Na parte mais baixa, rente ao Guaíba, a água já dava sinais de subir. A preocupação dos fuzileiros navais era de que a cheia atingisse as áreas já limpas e atrasasse a entrega.
As outras três instituições estaduais – Alvarenga Peixoto, na Ilha dos Marinheiros, Maria José Mabilde, na Ilha da Pintada, e Oscar Schmitt, na Ilha das Flores – ainda não passaram por limpeza, seguem fechadas e sem previsão de reabertura. No total, elas tinham, em 2023, 676 estudantes matriculados. Os espaços passarão por vistoria técnica, antes de iniciar a faxina.
A Seduc informou que a Maria José Mabilde havia passado por uma primeira limpeza feita pela Marinha do Brasil. Em visita, a reportagem verificou, entretanto, que o barro imperava sobre o local, que estava vazio e fechado. Conforme relatos de moradores, essa primeira limpeza consistiu em retirar da entrada do prédio com escavadeira as dunas de areia que se formaram com a enchente, a fim de viabilizar o acesso ao portão principal.
No pátio localizado em frente à instituição, areia molhada se sobrepunha ao piso e dificultava o acesso aos brinquedos do playground. Dunas de areia soterravam um orelhão e uma lixeira pública. Na parte interna, havia indícios de uma tentativa de uma limpeza embrionária: figuravam uma mangueira e alguns rodos e vassouras, misturados à paisagem de lama e água a qual os olhos da população já se habituaram.
Sem perspectiva de volta à escola
Enquanto a equipe de GZH circulava pela Ilha da Pintada, uma cena chamou a atenção: dois adolescentes andavam sobre destroços e tentavam abrir as janelas de uma casa de madeira que havia sido arrastada de um lado para o outro da rua. A menina, Luiza, 17 anos, morava lá com os pais – agora, acha que não voltam mais, por medo da água, mas querem remontar a residência, para seguir com a posse do terreno.
— Não deu pra salvar muita coisa, só geladeira, fogão. Roupa eu não sei se dá pra salvar, porque já está há mais de um mês aí, cheio de barro seco — lamenta a jovem.
Atualmente, Luiza está hospedada na casa do namorado, também na Ilha da Pintada, e os pais alugaram uma casa no bairro Bom Jesus. Estudante da Almirante Barroso, acha que não volta mais para a escola neste ano.
— Eu não tenho dinheiro para comprar mochila e nem material escolar, e tem tanta coisa para limpar. E tem pouca escola aqui perto e nenhuma boa, então não tem por que trocar. De qualquer forma, vão nos passar direto de ano, por conta da enchente — pondera a adolescente.
Em meio aos destroços, encontrou um secador de cabelo, mas desanimou, ao se dar conta de que dificilmente conseguiria fazê-lo funcionar.
Limpeza a pleno vapor
A Emei Ilha da Pintada é a instituição mais avançada na limpeza entre todas as públicas localizadas no bairro Arquipélago. Com 130 crianças matriculadas em turmas pré-escolares, o estabelecimento, assim como a Almirante Barroso, foi adotado pela Marinha do Brasil, que levou para lá militares e maquinário, consertou a parte elétrica, instalou uma antena da Starlink para ter internet e abasteceu o local com uma caixa d’água, tudo para viabilizar a faxina pesada. O trabalho, que conta também com a parceria das profissionais da escola, começou no dia 8 de junho e deve ser encerrado até o final da semana que vem.
Ainda com alguns espaços deteriorados pela água e pelo barro, parte do térreo do estabelecimento já teve suas condições recuperadas e aguarda por pintura, substituição de aberturas e parquet e instalação de mobiliário. Por isso, enquanto alguns dos 20 militares destacados se dedicam às paredes e pisos ainda sujos, outros passam lava-jato em brinquedos e pequenos móveis que a diretora, Luciana Scolari, acha que ainda pode tentar recuperar.
Antes de os fuzileiros navais chegarem, a instituição teve o apoio, na primeira limpeza, da prefeitura do município de Quinze de Novembro, do Noroeste gaúcho.
— A prefeitura nos disponibilizou um caminhão de bombeiro, porque a gente não tinha água na ilha e precisava limpar o quanto antes da escola, uma retroescavadeira e uma caçamba. Com essas ferramentas e o pessoal que veio da prefeitura, conseguimos tirar cerca de 40 centímetros de barro de dentro da escola — lembra Luciana.
Outra ajuda vem da rede privada: o Colégio Monteiro Lobato, da Zona Norte de Porto Alegre, está fazendo uma rifa e dedicará sua festa junina à arrecadação de recursos para a compra de mobília e outras necessidades apontadas pela Emei Ilha da Pintada.
— Perdemos toda a mobília, que era de MDF, material escolar, livros e todos os jogos das crianças. Ainda separamos alguma coisa e estamos fazendo uma limpeza e uma reavaliação para ser se vai poder ou não ficar, mas muito foi fora, porque a escola é de Educação Infantil e muita coisa era de madeira, que absorve muito barro. Sabemos que o barro está poluído e as crianças colocam na boca, então tivemos que descartar — relata a diretora.
A pressa para retomar as aulas aumenta quando Luciana percebe suas crianças brincando em locais insalubres.
— A gente está vendo que nossos alunos já estão no entorno, voltando para a comunidade, e brincando no barro, no lixo. Isso nos preocupa, porque sabemos que é material contaminado. Então, se esse espaço estiver aberto, vai poder acolher as crianças com condições — pontua a diretora.
O secretário municipal de Educação, Maurício Cunha, que estava no local quando a reportagem de GZH visitou a escola, explicou que a região das Ilhas tem uma especificidade que torna mais desafiador o retorno da comunidade escolar: a comunidade escolar em si, e não só a própria instituição, foi severamente atingida, e, por isso, tem ocorrido um trabalho de busca ativa para saber onde estão esses alunos.
— A direção está em contato com as famílias e sabe que muitas estão em Guaíba e outras localidades, retornando agora para cá. Por isso, estão fazendo planejamentos de acolhimento ainda para esta semana, tanto online quanto presencial. Também estamos conversando com a igreja aqui ao lado para usar o salão paroquial por um tempo, e vendo dentro da escola as opções que temos para receber as crianças aqui a partir da sexta-feira da semana que vem — destaca o secretário.
O salão paroquial poderia ser usado como sala de aula, para o caso de se constatar que não há condições de comportar todos os estudantes nos ambientes já adequados para receber alunos. Como a escola possui três andares, os outros pavimentos serão usados normalmente.