Está lá, entre os sete princípios que regem o cooperativismo: compromisso com a comunidade. Portanto, zelar e contribuir para o desenvolvimento do lugar em que estão inseridas é uma das premissas das cooperativas.
Quando o Rio Grande do Sul se viu diante da maior catástrofe climática de sua história, elas foram fonte de solidariedade. Enquanto ainda cuidam dos mais atingidos, olham para a frente e entendem o papel que terão na retomada de milhares de vidas. As cooperativas do agronegócio, uma marca do estado, também foram duramente atingidas.
Nos vales do Taquari e do Jacuí, além de lavouras, foram perdidos animais, galpões, casas e insumos. O próprio solo foi devastado, causando acúmulo de lodo, perda de nutrientes e uma necessidade de recuperação completa. Em outras regiões, como no Sul, a colheita de diferentes culturas ainda não havia sido concluída, levando a grandes perdas.
— Temos trabalhado em várias frentes. Uma delas é a campanha para os consumidores adquirirem produtos das cooperativas, para que possamos novamente fazer girar a atividade econômica. Além disso, pleiteamos o acesso a crédito e, aos que perderam tudo, recursos a fundo perdido. Precisamos de uma cooperação mais definitiva — alerta o presidente do Sistema Ocergs-Sescoop/RS, Darci Hartmann.
Antes mesmo de começarem a contabilizar o prejuízo, as cooperativas entenderam a gravidade da situação de toda a população e lançaram mão de sua estrutura organizacional para ajudar no atendimento aos flagelados. A Ocergs capitaneia um projeto que estabeleceu sua sede em uma cooperativa de transportes localizada em Canoas para, dali, levar todo tipo de doação a diferentes regiões.
Carretas vindas de diversos estados trazem alimentos, roupas, colchões, materiais de limpeza e produtos de higiene, que são doados à população em geral. Além disso, algumas doações chegam com foco específico de apoiar as cooperativas gaúchas, vindas de seus pares em outras partes do país — como um carregamento de ração que chegou do Paraná para socorrer produtores de aves e suínos que tinham dificuldade para manter a criação.
O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS), Paulo Pires, explica que cada cooperativa, dentro de sua autonomia, promove ações de apoio aos produtores associados. Por isso, é importante que elas tenham acesso a recursos que deem suporte para a reestruturação de toda a cadeia.
— As cooperativas, hoje, estão construindo obras, principalmente para ganhar capacidade de armazenagem, fluxo de produtos e industrialização, para agregar valor à produção. Todas estão investindo os bons últimos resultados — argumenta, ressaltando o comprometimento que elas têm com as comunidades onde atuam.
União
A maioria das cooperativas agropecuárias é formada por produtores da agricultura familiar ou donos de pequenas propriedades. Sendo assim, unir forças é uma forma de conseguir ser mais competitivo em um mercado disputado por conglomerados multinacionais.
O compartilhamento na contratação de serviços é um exemplo. No caso da recuperação do solo, isso pode ser feito em conjunto para reduzir custos. A aquisição de maquinário é outro ponto em que a quantidade do pedido conta muito para barganhar preço. Consequentemente, o aumento do acesso a bens e serviços faz com que os fornecedores também cresçam — e é assim que as cooperativas impactam suas regiões.
—Os cooperados acabam tendo poder de negociação muito maior. Conseguem melhores preços para compra de insumos, matérias-primas, equipamentos e, muitas vezes, até na questão de crédito, pois conseguem ter mais garantias pela cooperativa. Isso também pode facilitar o acesso a novas tecnologias — explica a economista e professora da Universidade Feevale Lisiane Fonseca da Silva.
Segundo ela, essa relação com o mercado torna a economia regional mais consistente, pois aplaca o custo que seria um limitador para a contratação de serviços ou compra de bens duráveis. Já na produção agrícola, a atuação conjunta pode dar mais segurança, com a criação de reservatórios para períodos de seca, por exemplo.
— A obra é um serviço, mas a partir daí surge a demanda por equipamentos, assistência técnica e operação para que tenha continuidade. Por isso, os serviços prestados a cooperativas não se esgotam em si mesmos — destaca.
Assistência técnica
Com duas unidades em Cruz Alta e uma em Rio Grande, a Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL) sabe que muitos produtores precisarão trabalhar na recuperação da fertilidade do solo. A dificuldade inicial foi escoar a produção, diante da grande dificuldade de acesso a regiões como a Quarta Colônia, no Centro. Agora se trata de voltar a produzir e fazer a roda girar. Considerada uma cooperativa de segundo grau, pois recebe o que é produzido em outras cooperativas, a CCGL acompanha de perto e apoia todas as iniciativas de auxílio aos produtores – em sua maioria, pequenos.
— As cooperativas têm sido solidárias, prestando assistência técnica direta e ajudando a reconstruir o que foi perdido. Nós damos esse suporte, principalmente na cadeia leiteira, e levamos as demandas a organismos como a FecoAgro/RS e Ocergs-Sescoop/RS — conta o diretor-superintendente da CCGL, Guillermo Dawson Junior.
Dawson destaca que o cooperativismo tem sempre uma abordagem social e solidária em todas as cidades, sendo uma forma de organização diferente, já que as pessoas se unem para formar uma instituição. Para ele, é justamente isso o que a sociedade gaúcha precisa neste momento: a união das pessoas.
Retomada
Depois de cerca de duas semanas com unidades fechadas, a Dália Alimentos, de Encantado, retomou as atividades. Ainda conta com alguma dificuldade, especialmente de logística, mas é um sinal de recomeço. A perda de solo e de matéria-prima que seria destinada à indústria da cooperativa também vai exigir resiliência dos produtores nos próximos meses ou anos.
A tragédia só não foi maior porque o espírito de cooperação falou mais alto. No auge da crise, a cooperativa Santa Clara, de Carlos Barbosa, se encarregou de receber a produção de alguns produtores onde a Dália não conseguia chegar — já que dispunha de caminhões com possibilidade de acesso.
Para superar a adversidade e voltar a crescer, a Dália aposta nos frutos de um trabalho incessante de investimento em capacitação. Além, obviamente, do DNA de quem é da terra e conhece o caminho para se reerguer.
— Temos um trabalho forte, feito por um corpo técnico profissional que, além de repassar conhecimento para as famílias associadas, também se encarrega de motivar e reanimar os produtores que foram atingidos. Tenho certeza de que vamos vencer mais este desafio — confia Gilberto Antônio Piccinini, presidente do Conselho de Administração da Cooperativa Dália.
Papel de liderança
Como sinal de que o estado entende a importância do cooperativismo, o segmento conquistou uma cadeira no conselho do Plano Rio Grande, projeto instituído pelo governo gaúcho para prever ações de curto, médio e longo prazo em relação a ações emergenciais, de reconstrução e de desenvolvimento. O projeto também tem como objetivo mapear oportunidades de captação de recursos para viabilizar as iniciativas.
O presidente do Sistema Ocergs-Sescoop/RS, Darci Hartmann, será o representante. Ele já foi empossado no conselho, que conta com entidades da sociedade civil, setor público e iniciativa privada e tem a responsabilidade de receber e avaliar demandas, além de propor soluções.
— O cooperativismo já fatura R$ 86 bilhões, emprega 76 mil pessoas e reúne 3,8 milhões de associados no Rio Grande do Sul. Portanto, é justo que conte com uma cadeira no processo de reconstrução do Estado. Queremos participar fundamentalmente nesta ajuda, mostrando a importância do cooperativismo e dos setores cooperados no desenvolvimento. O modelo de cooperação vai ser primordial para alcançarmos o sucesso com mais rapidez — acredita.
Números
Das muitas formas que existem para ilustrar a dimensão do cooperativismo, o volume de doações recebidas e distribuídas no Rio Grande do Sul está entre as mais simbólicas do momento vivido pelo estado e do papel que as cooperativas têm em sua reconstrução. Desde seu lançamento, no começo de maio, a campanha Coopera RS, liderada pelo Sistema Ocergs-Sescoop/RS, já contabiliza mais de:
- 10 mil pessoas ajudadas
- 25 cooperativas participando
- 355 abrigos e entidades beneficentes
- 300 toneladas de produtos de limpeza
- 920 toneladas de alimentos
- 25 mil peças de roupas
- 20 mil litros de água
- 500 kg de ração para pets
- 1,2 mil colchões
- 500 travesseiros
- 10 mil cobertores
- 1 mil pacotes de fraldas