Há um ano, o Rio Grande do Sul vivenciava o primeiro de uma série de eventos climáticos extremos que provocariam centenas de mortes, com repetição em setembro e novembro de 2023 e maio deste ano. Até então, o ciclone que atingiu com mais força Caraá, no Litoral Norte, era o episódio de enxurrada com mais vidas perdidas em décadas recentes. Por conta da passagem desse ciclone 16 pessoas perderam a vida no RS, sendo cinco em Caraá.
Enquanto as atenções se voltam para episódios recentes, o município de 8 mil habitantes ainda convive com pessoas desalojadas e entraves burocráticos, impedindo a concessão de aluguel social e até mesmo o início da construção de 40 casas para os moradores que tiveram suas residências totalmente destruídas. Até lá, algumas famílias têm pagado aluguel com recursos próprios, vivem de favor ou optaram por deixar o município.
Com a casa destruída na Linha Pedras Brancas, o açougueiro Sidnei da Silva Freitas mora na casa do irmão. A mãe deles decidiu voltar para Rosário do Sul, na Fronteira Oeste, cidade que havia deixado há mais de 40 anos.
— Ela foi morar na Fronteira porque ela não teve mais casa e não tinha como continuar em Caraá. Não fazia sentido ela ficar onde não tinha moradia — disse.
Um terreno com 2,8 hectares está em processo de aquisição pelo município. O valor de R$ 293 mil será pago com recursos próprios, mas a prefeitura espera que a construção das casas e infraestrutura sejam financiadas pelo governo federal.
— O que dificultou, principalmente, foi encontrar uma área segura para a construção dessas casas e também a questão de recursos. Como o secretário Telmo (Oliveira, secretário de administração) falou, o município foi impactado diretamente nos seus cofres referente a esses desastres ambientais que a gente passou de junho do ano passado para cá. O recurso para comprar o terreno, geralmente, tem que ter na hora. Então a gente conseguiu, por meio da Câmara de Vereadores, para poder realizar a aquisição imediata desse terreno — explicou o secretário de assistência social, Davi Fraga.
Alternativa até a construção, o aluguel social não é pago, pois não está previsto em lei no município. Um projeto de lei foi encaminhado à Câmara no dia 13 de junho e deve ser votado na próxima semana.
— O município nunca teve (lei do aluguel social) porque não tinha recurso para isso. Se fosse dizer ano passado, por que a gente não pagou? Porque a gente não tinha recurso. Os caixas da prefeitura sempre estão no limite, devido à arrecadação. Então a gente só pôde fazer isso este ano devido a um aporte financeiro que a gente recebeu do governo federal no início do ano — disse Fraga, que ainda apontou limitações de concessão de benefícios em ano eleitoral.
A lei, se aprovada, prevê a locação de imóvel por até seis meses, com prorrogação pelo mesmo prazo. O valor máximo do benefício será de R$ 500, com possibilidade do morador completar a diferença do aluguel. Serão beneficiadas as mesmas 40 famílias.
Queda na arrecadação preocupa município
A produção de hortifrutigranjeiros é a principal atividade econômica do município. Por conta da enchente, muitas áreas estão ainda com solo prejudicado e improdutivo, o que reduziu a circulação de dinheiro.
—O solo realmente foi atacado drasticamente, onde se perdeu muito a questão da matéria orgânica. E agora está se fazendo um trabalho de recomposição do material, onde veio R$ 1,8 milhão em insumos. Praticamente 80% deve estar já distribuído em termos desses produtos — afirmou o secretário de administração Telmo Oliveira.
As enxurradas recorrentes, não só em Caraá, mas no Estado, provocaram uma queda na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O tributo impacta diretamente o valor de itens de consumo da população, da gasolina ao gás de cozinha. A projeção é de que até o fim do ano, o município perca R$ 1,7 milhão. Somente neste mês, dos R$ 250 mil previstos, apenas R$ 90 mil foram arrecadados.
Pela vasta extensão rural, o município possuiu mais de 900 quilômetros de estrada de chão, cortadas por rios e arroios, a complexidade da infraestrutura é apontada como uma das dificuldades financeiras.
— Tu colocas recurso e o recurso vai embora, é mais ou menos isso. Dá uma chuvarada, quando você vê o recurso foi. Então as dificuldades são grandes. O município recuperou várias pontes e ainda continua recuperando — disse Oliveira.
Até mesmo o principal acesso ao município está comprometido desde que a enxurrada derrubou a ponte sobre o Arroio Carvalho. O acesso ocorre por uma passagem molhada, que precisa ser bloqueada em caso de chuva intensa.
A obra, de responsabilidade do governo do Estado, está orçada em R$ 6,4 milhões, com R$ 3,9 milhões provenientes da União e R$ 2,5 milhões, do Piratini. A previsão inicial era de conclusão da obra ainda neste mês de junho.
Questionado pela reportagem a respeito do andamento, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) deu um novo prazo: até o fim de 2024. De acordo com o departamento, a empresa contratada emergencialmente para a obra concluiu, até agora, a demolição da estrutura antiga e limpeza do local. A autarquia alega que o trabalho sofreu interrupções por causa da chuva excessiva recente no Estado.
Segundo o Daer, a nova ponte "será da classe de 45 toneladas, com duas faixas de tráfego e acostamento, 10,4 metros de largura e 60,55 metros de comprimento" e demandará investimento de "R$ 6,4 milhões, com R$ 3,9 milhões provenientes da União e R$ 2,5 milhões do Estado".