Foi de dentro de uma imobiliária de Novo Hamburgo que Roseli Rodrigues Pereira, 58 anos, atendeu ao telefonema de GZH na manhã desta segunda-feira (16). Longe de Caraá, no Litoral Norte, desde que um cliclone atingiu o município onde vivia, em junho, ela agora busca uma casa para alugar no Vale do Sinos, onde está morando na casa de familiares.
— Quando reconstruírem uma casa em um lugar alto e seguro, a gente volta. Temos muitos amigos em Caraá, mas só depois que a gente tiver certeza de que nunca mais vai alagar — disse Roseli.
O medo se justifica pelo trauma sofrido pela mulher, que precisou se segurar em uma árvore durante 36 horas para sobreviver ao ciclone que destruiu o pequeno município com cerca de oito mil habitantes. O resgate aconteceu a cerca de 20 quilômetros de sua casa. Três dias depois, ainda no hospital, ela relatou que “só queria ver os filhos de novo” e que iria embora da cidade.
E ela não foi a única a deixar Caraá após o fenômeno que provocou cinco mortes só na cidade. A prefeitura estima que cerca de cem pessoas deixaram o município e foram morar em casas de familiares em outras regiões.
Ao circular pelas regiões mais afetadas, percebe-se que, nos locais onde casas seguem o curso do rio e ficam afastadas umas das outras, muitas das que não foram destruídas estão fechadas e com aspecto de abandonadas. Ainda é possível encontrar residências e empresas destruídas, árvores e postes caídos. Em alguns lugares, até as paredes foram levadas. Em uma das casas atingidas, apenas o vaso sanitário permaneceu no lugar.
Em meio à chuva que caía sem parar na manhã desta segunda-feira (16), o agricultor Antônio José Andrade percorria alguns quilômetros de bicicleta, com uma capa improvisada, para chegar ao centro da localidade de Vila Nova para fazer compras.
A casa dele, em cima do morro, foi poupada na enchente, mas ele não teve a mesma sorte com a lavoura. Os 4 mil pés de aipim e as plantações de feijão, cana, milho e batata agora são um amontoado de mato e pedras do fundo do rio arrastadas por mais de 500 metros de distância.
— Eu precisava de máquina pra virar essa terra e conseguir plantar de novo. As sementes, até consegui comprar com o sindicato, mas, pra virar tudo isso, só com máquina pesada — disse Andrade, que está se mantendo apenas com a aposentadoria.
No dia da enchente, lembra, chegou a ficar isolado em casa, já que a ponte que leva da residência para o centro da cidade ficou debaixo d’água.
Com economia sustentada pela indústria calçadista e plantação de hortifrútis, Caraá teve um prejuízo calculado em mais de R$ 15 milhões só com as plantações.
Apesar das dificuldades por conta das pontes e pinguelas caídas, Caraá não possui mais comunidades completamente isoladas. A cerca de 20 quilômetros acima do Rio dos Sinos, a Colônia do Fraga ficou de quatro a cinco dias inacessível. Por lá, apenas o Exército conseguia levar mantimentos com aeronaves.
— Pra nós, foi tranquilo, porque temos comércio, né? Mas quem estava do outro lado do rio teve que se virar com o que tinha em casa. Aqui, até o motorista do ônibus ficou ilhado porque não tinha como voltar — contou a dona do único armazém da região, Cláucia D’ávila.
Com a casa e o comércio de um lado do rio e a propriedade onde cria gado do outro, o marido de Cláucia, Amaral D’ávila, precisa atravessar uma passagem para tratar os animais. A única travessia que havia no local era uma ponte pênsil que foi levada pela enchente.
— Quando a água levou (a ponte), eu não podia deixar os bichos abandonados, então me arrisquei, fui por cima dos cabos de aço. Ia lá, tratava e voltava pra cá — disse Amaral, que é natural da cidade.
Mesmo após a enchente, o casal não pensa em deixar a região.
— Depois daquela (enchente), um dia choveu bastante e eu até levantei as coisas, mas não chegou nem perto. Parecida com aquela, só quando a gente era pequeno, dizem os mais antigos — finaliza Cláucia.
Além do Fraga, moradores de regiões como Linha Padre Vieira e Alto Rio dos Sinos também ficam parcialmente isolados por conta de queda de pontes e deslizamento de terra nas estradas.