Já não há praticamente mais lama espalhada pelas ruas de Muçum, apesar de ainda ser possível encontrar vegetação seca presa nas partes mais altas de algumas construções. As marcas de barro que indicavam até onde a água chegou também desapareceram com as pinturas nas residências.
Seis meses depois da enchente que matou 53 pessoas no Vale do Taquari, é possível encontrar uma sensação de “vida normal” nos bolichos lotados, na Rua Coberta reconstruída e nas famílias que tomam chimarrão na frente de casa no município que foi o mais atingido pelo evento climático extremo. O clima contrasta com o cenário de residências destruídas, prédios condenados e árvores de grande porte varridas pela fúria das águas do Taquari.
No cemitério da cidade, pouco se fez desde então. Uma árvore de grande porte que estava caída por cima de capelas foi cortada. Os túmulos, apesar dos esforços de familiares e da zeladora do cemitério, seguem expostos ou inundados pela lama agora seca.
Na região que foi a primeira da área urbana a ser atingida, apenas a fundação das casas segue em pé, ao lado de um prédio de quatro andares que está condenado. O local chega a reunir alguns curiosos, que ainda se impressionam com o que o rio, que passa logo ao lado, provocou em tão pouco tempo.
Entre os que permaneceram no município de cinco mil habitantes, muitos compartilham o desejo de ir embora da região. O trauma que provoca o medo de outros desastres e as consequências econômicas fazem com que moradores comecem a planejar uma mudança.
Desde que a casa em Roca Sales foi destruída, o montador de móveis Pablo Garcia vive em Muçum de favor na casa de um amigo. Com pouco serviço, afirma que pretende se mudar para Santa Catarina.
— Tem amigos morando em Tubarão já. Acho que vou ter que ir para lá. Eu não queria por causa do meu filho. Mas vai fazer o que, né? Essa questão de enchente deu um abalo, não tem muito o que fazer aqui e a mão de obra tá muito complicada, não tem serviço na minha área — relevou.
Quem também teve que deixar o emprego após a enchente foi o mecânico Renato Lorenzon. Antes da catástrofe, conciliava a atividade com os cuidados em uma propriedade rural que mantém na encosta do morro, do outro lado da ponte Brochado da Rocha, que liga Muçum a Roca Sales.
Com a destruição da parte rodoviária da ponte, a travessia agora é a pé, arriscando-se pelos trilhos do trem. O deslocamento que antes durava cinco minutos, agora leva quase 40.
— Eu tinha que subir de manhã lá para tratar os bichos. Aí eu tinha que levantar às 4h, subir lá a pé, voltar, pra 7h entrar na empresa. E fim do dia de novo — conta Renato, enquanto aponta para a propriedade do outro lado do rio.
A ponte, aliás, é uma das principais demandas dos moradores da cidade. Para chegar de carro no outro lado, o desvio é de cerca de 50 quilômetros. O caminho mais curto só pode ser percorrido a pé, pela parte ferroviária que, por ser mais alta, foi poupada pela enchente. Essa travessia, no entanto, não é segura, já que a ferrovia ainda está ativa e não possui guarda-corpo.
Mesmo assim, os moradores precisam se arriscar nesse deslocamento, já que é a única alternativa. Para facilitar o acesso ao ponto mais alto, foram os próprios usuários que se uniram para construir uma escada de madeira até o topo da estrutura. Antes disso, o caminho a pé era ainda mais longo.
Assim como no cemitério, a ponte destruída ainda atrai curiosos de outras cidades que observam a estrutura rompida. Moradores de Muçum também costumam ir ao local para analisar o rio, atualmente com nível baixo e com cascalhos acumulados na beira.
— Tá vendo essas pedras ainda? Antes não tinha tudo isso. O rio ficava seco e aparecia a margem. Agora é só pedra — sinaliza o pedreiro aposentado Jacinto Furlanetto, de 69 anos.
Morador de Muçum desde 1984, ele garante que as idas até o local são para “pegar um ar fresco” e se distrair um pouco.
— Não sobrou mais nada para fazer. Ainda mais eu que vivo sozinho. Aí venho aqui dar uma volta — revela.
Reconstrução de ponte e casas
O governo federal liberou, na última semana, o recurso de R$ 9,6 milhões para a reconstrução da ponte. Com o valor garantido, a prefeitura assinou contrato com a empresa vencedora do edital. O prazo de execução da obra previsto é de cinco meses e meio, com a ordem de início nos próximos dias.
Na semana passada, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, o prefeito de Muçum, Mateus Trojan, disse não ter uma data exata sobre o prazo para conclusão das novas casas das pessoas que perderam os seus lares na enchente que assolou a cidade em setembro do ano passado. No entanto, assegurou que as moradias aprovadas pela Defesa Civil Nacional estão avançando e espera-se que os recursos sejam liberados em breve.