Em Cruz Alta, no noroeste do RS, o cenário pintado pela estiagem é desolador. Não chove com regularidade e intensidade desde novembro. As perdas em plantações de milho são bastante significativas e margeiam os 80%.
Em uma propriedade localizada no bairro Santa Terezinha II, a cerca de cinco quilômetros da região central do município, o produtor rural Paulo Rodrigues, 56 anos, dá uma dimensão do problema.
— A perda na soja será total — desabafa, olhando com tristeza para sua área de 48 hectares.
Rodrigues planta soja e trigo há 21 anos, mas antes já trabalhava como empregado na lavoura. Está abatido, cabisbaixo, mas garante que não pensa em trocar de profissão.
— É uma sensação difícil. Tu fazes um investimento alto visando o lucro. E há os compromissos para honrar — reflete, estimando prejuízo de R$ 300 mil. — Fazemos parte da agricultura familiar e temos financiamento. O Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária, que protege o crédito do produtor rural em caso de sinistros na lavoura) vai cobrir alguma coisa, mas ficamos o ano inteiro sem renda — explica.
Nesta terça-feira (14), a reportagem de GZH visitou a propriedade e pôde observar a extensão das perdas. Além da derrocada no milho — plantado parte para venda e outra parcela para os animais — e na soja, culturas como mandioca, moranga e melão não vingaram. Em meio às plantações, não foi possível encontrar uma única espiga.
A esposa de Rodrigues, Cinara Maldaner, 48, conta que, em três meses, choveu 100 milímetros, o que explica tantos grãos sem desenvolvimento.
— Em 21 anos que estamos aqui, já pegamos quatro secas grandes, mas nenhuma como esta — compara.
Os seis animais, cinco bois e uma vaca, vagam mais magros do que deveriam.
— Se chover, talvez ainda dê para colher mandioca. Mas será algo reduzido — conclui Rodrigues.
Impacto no milho, na soja e no leite
A chefe do Escritório da Emater/Ascar de Cruz Alta, Larissa Reis, avalia o cenário de perdas na cultura do milho. O produto é cultivado em 485 dos 497 municípios do Estado.
— Temos uma área de 10 mil hectares de milho em Cruz Alta, sendo, desses, 8 mil irrigados e 2 mil sequeiro. Neste último, consideramos perdas de 80% — estima.
Há uma diferença no RS entre a produtividade média do milho de sequeiro (3,15 mil kg/ha na safra passada) e a do milho irrigado (9,44 mil kg/ha), três vezes maior.
Larissa também comenta sobre a soja:
— Temos 86,4 mil hectares de soja, sendo 81,4 mil sequeiro e 5 mil irrigado. Trabalhamos com estimativas preliminares, mas certamente teremos perdas — explana, sem ter ainda dados concretos.
Na produção diária de leite, Larissa calcula redução de 10%.
O gerente regional da Emater/Ascar em Ijuí, Fábio Pasqualoto, crê que as perdas sejam superiores aos 40% em alguns lugares da região. O extensionista acompanha de perto o drama de Cruz Alta. No município, que fica a 350 quilômetros de Porto Alegre, o decreto de estiagem foi encaminhado ainda em dezembro.
— Esses percentuais alteram muito até o fim do ciclo, porque, além da falta de chuva, estamos há 10 dias com temperaturas chegando a até 40ºC no céu das plantas, o que ocasiona também o abortamento de flores e de vagens na cultura da soja — esclarece.
O gerente testemunha perdas significativas pelo segundo ano consecutivo nos cultivos de verão.
— Perdemos praticamente toda a safra de milho. Este é o cenário regional — atesta.
Em relação à soja, a estimava regional é de perda superior a 25%. Em algumas localidades de Cruz Alta, e também de Joia, produtores que tinham cultivos irrigados tiveram de desligar os sistemas de irrigação porque acabou a água das barragens. Entretanto, sistemas molhavam os grãos, nesta terça-feira, em algumas lavouras ao longo da RSC-377.
A secretária de Desenvolvimento Econômico, Rural e Ambiental de Cruz Alta, Cláudia Martins Pedroso, reconhece a gravidade do momento:
— O sinal de alerta está ligado em Cruz Alta. O nível da barragem está abaixo do normal e a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) está fazendo obras de melhorias e poços emergenciais.
Defesa Civil distribui até 20 mil litros de água por dia
Uma campanha pelo uso racional da água está em andamento, enquanto caminhões-pipa circulam e abastecem as famílias do Interior.
— Na cidade não falta água, mas precisamos do uso consciente e também da sorte da chuva — reflete a secretária, dizendo que as estimativas de perdas são elevadas. — Tentamos assessorar as famílias da agricultura familiar onde não há água. O trabalho da prefeitura, neste período, é levar água, dia e noite, para as famílias, animais e também alimentos. A situação é bastante complicada e foge de nosso controle — resume.
Localidades como Rincão dos Mendes, Colônia São João, Seival, Passo da Divisa, Urupu, Ivaí, Passo dos Alemães, Benjamin Nott, Parada Benito, Olaria Charrua, Faxinal, Espinilho, Lagoão, entre outras, começaram a ser visitadas pela Defesa Civil em 10 de dezembro do ano passado. A água falta à imensa maioria das famílias desses lugares.
O coordenador adjunto da Defesa Civil do município, João Gabriel Oliveira Pereira, revela que o trabalho das equipes, às vezes, estende-se entre 12 e 16 horas por dia. O volume de água distribuído é de 15 mil a 20 mil litros diariamente.
— Já entregamos 650 mil litros de água para cerca de 31 famílias. A situação está muito complicada — lamenta.
Por volta das 15h desta terça-feira, choveu um pouco no centro de Cruz Alta, levando um pouco de consolo à região.
— É uma das piores secas dos últimos anos aqui — conclui a secretária Cláudia Martins Pedroso.