Descontentes com o resultado do leilão do bloco 3 da concessão de rodovias estaduais, que inclui trechos das regiões da Serra e do Vale do Caí, prefeitos e deputados organizam uma mobilização conjunta para tentar reduzir o valor das tarifas ou mesmo convencer o governo estadual a não homologar o resultado do certame. Licitado na semana passada na bolsa de valores de São Paulo, o bloco reúne seis rodovias, entre elas a RS-122, principal ligação entre a Serra e a região metropolitana de Porto Alegre.
Nesta terça-feira (19), representantes dos municípios serão ouvidos em reunião agendada pelo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdeci Oliveira (PT). O encontro, em formato híbrido, deve começar perto do meio-dia, assim que for concluída a reunião entre os líderes de bancada. A intenção de Valdeci é de que todos os líderes participem da conversa e ouçam as reivindicações dos prefeitos. Até as 17h desta segunda-feira (18), quatro prefeitos e dois vices haviam confirmado participação.
Na prática, a decisão de levar o processo adiante cabe apenas ao Executivo, mas o presidente da Assembleia aposta em uma mobilização política para que o modelo seja revisto. Entre deputados com base eleitoral na Serra, as reclamações são duras, inclusive dos apoiadores do governo. Além da reação dos prefeitos, empresários da região e representantes de setores econômicos questionam o resultado do leilão.
— No mínimo, a Assembleia pode ser a porta-voz para sensibilizar o governo a buscar alternativas. Apenas ficar olhando e naturalizar seria fechar os ouvidos para o clamor regional. Politicamente, temos de pressionar e ver o que é possível — avalia Valdeci.
O principal foco das queixas é o valor das tarifas de pedágio. Único interessado em assumir o bloco com trechos de seis rodovias, que soma 271,5 quilômetros, o consórcio Integrasul apresentou proposta com desconto de 1,3% em relação aos preços máximos publicados no edital. Dessa forma, a cobrança estipulada para as seis praças varia entre R$ 6,85 e R$ 9,83. O edital também prevê que os valores sejam corrigidos pela inflação.
Ainda há queixas sobre a localização das praças de pedágio e sobre uma suposta falta de diálogo do governo durante a elaboração dos projetos, embora parte das demandas das prefeituras tenha sido atendida no edital.
O prefeito de São Sebastião do Caí, Júlio Campani (PSDB), que chegou a tentar impedir o leilão na Justiça, é um dos mais mobilizados:
— Vamos verbalizar aos deputados e a todos que ainda não tiveram noção a respeito do efeito nefasto dessa concessão, além de fazer ponderações e pleitear que o parlamento emita uma nota solicitando que não haja a homologação do resultado do leilão.
Correligionário do governador, Campani ressalta que não rejeita o pedágio, e sim os valores e a posição das praças. No município, a cobrança será no km 4 da RS-122, com custo de R$ 9,83.
Elevação de custo
A despeito da pressão política, o governo do Estado não trabalha com a possibilidade de simplesmente cancelar a concessão e não homologar o processo licitatório. O ato iria na contramão de todas as medidas tomadas na gestão Eduardo Leite/Ranolfo Vieira Júnior, que intensificou processos de privatização e parcerias com a iniciativa privada.
No momento, a única chance de que o leilão não seja homologado no prazo previsto, entre 30 e 60 dias, é de que o consórcio vencedor deixe de apresentar documentos ou as garantias necessárias — possibilidade considerada remota.
Caso opte por simplesmente cancelar o processo, o Estado teria de indenizar o consórcio e reiniciar o projeto de concessão. Isso implicaria em refazer os cálculos sobre os investimentos e os insumos, o que, no entendimento da administração estadual, elevaria ainda mais o custo do pedágio. Os dados utilizados para calcular o custo da concessão são de janeiro de 2020, e a defasagem é estimada em cerca de 30% pelo Integrasul.
O secretário extraordinário de Parcerias, Leonardo Busatto, salienta que o projeto de concessão é consistente e diz que um eventual rompimento resultaria em prejuízos para o Rio Grande do Sul:
— Teríamos de refazer o projeto, o que deixaria tudo mais caro, e a licitação ficaria para o próximo governo, que não sabemos se terá intenção de levar adiante a concessão. Além de ficarmos com as estradas na situação em que estão hoje.
O secretário ressalta que a concessão subiu em aproximadamente R$ 500 milhões para contemplar pedidos que partiram da região, sobretudo dos prefeitos, e diz que o valor dos pedágios reflete o custo dos investimentos necessários no bloco — serão R$ 3,4 bilhões em investimentos durante uma concessão de 30 anos.
— Não tiramos o valor da nossa cabeça. O que torna a tarifa mais cara é o tamanho do déficit na infraestrutura das rodovias do Estado — argumenta.
Consequências
Embora o cancelamento da licitação não esteja nos planos do Piratini, a reportagem consultou especialistas a respeito das consequências da medida para o governo do Estado. A avaliação é de que o rompimento muito provavelmente renderia uma discussão judicial, além de afugentar investidores interessados em desestatizações futuras.
Membro da Comissão Especial de Infraestrutura, Parcerias Público-Privadas, Concessões, Licitações e Desestatização da OAB/RS, o advogado Eden Ferreira diz que, além de indenizar o consórcio vencedor, o governo provavelmente seria acionado na Justiça para explicar as razões do rompimento. Além disso, passaria uma imagem negativa aos interessados nos blocos 1 e 2 da concessão, considerados mais atraentes.
— Revogar uma licitação transparente e correta passaria aos investidores o recado de que sofremos forte influência política, independentemente de o processo estar correto — avalia.
Para o advogado e economista Manoel Gustavo Neubarth Trindade, peesidente da Associação Brasileira de Direito e Economia e fundador do Grupo de Estudos em Direito e Economia da OAB/RS, o governo também enfrentaria uma contenda judicial caso optasse por esse caminho.
Embora avalie que o Piratini deveria ter adiado a realização do certame, em razão do momento de instabilidade na economia, Trindade ressalta que o edital da concessão autoriza a revogação somente em razão de interesse público decorrente de um "fato superveniente".
— Há um licitante que se sagrou vencedor, e isso gera uma expectativa legítima — pontua.
A concessão
O leilão realizado no dia 13 repassa à iniciativa privada a gestão de seis trechos de rodovias localizadas na Serra e no Vale do Caí, inseridas no bloco 3 do programa RS Parcerias, do governo estadual. No total, são 271,5 quilômetros de estradas concedidas. A previsão é de que o consórcio Integrasul faça investimentos de R$ 3,4 bilhões em obras ao longo de 30 anos.
O programa prevê duplicações e terceiras faixas em 176,3 quilômetros, melhorias que terão de ser concluídas até o sétimo ano de concessão após a assinatura do contrato. Parte dessas estradas é, atualmente, administrada pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que deixará a função nesses trechos. Dentre as seis praças de pedágios, uma delas já está em operação, via EGR, e as outras cinco serão novas. Quatro delas serão concentradas na mesma estrada, a RS-122.
Estradas concedidas
- RS-122 - do km 0 ao 168
- RS-240 - do km 0 ao 33
- RS-287 - do km 0 ao 21*
- RS-446 - do km 0 ao 14
- RS-453 - do km 101 ao 121
- BR-470 - do km 220 ao 233
* A extensão da RS-287 concedida neste leilão é diferente do trecho da mesma estrada que foi concedido em dezembro de 2020, para outro consórcio.
Localização das praças e valores
- São Sebastião do Caí, no km 4 da RS-122, com tarifa de R$ 9,83
- Flores da Cunha (já existente), no km 103 da RS-122, com tarifa de R$ 6,85
- Ipê, no km 152 da RS-122, com tarifa de R$ 6,89
- Capela de Santana, no km 30 da RS-240, com tarifa de R$ 7,19
- Farroupilha, no km 45 das RS-122, com tarifa de R$ 8,50
- Carlos Barbosa, no km 6 da RS-446, com tarifa de R$ 7,85