O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sessão no final da tarde desta terça-feira (23), acatou um recurso da defesa do réu Mauro Londero Hoffmann e reduziu o tempo dos debates do júri da boate Kiss. A medida da defesa contou com o apoio do Ministério Público (MP), que chegou a apresentar à Corte uma proposição de idêntico intuito.
Os debates constituem a última etapa do júri, configurando o derradeiro tempo para que a acusação e a defesa apresentem seus argumentos na tentativa de convencer os sete jurados, que após esse ato passam à sala secreta, onde são votados os quesitos que definem pela condenação ou absolvição dos réus.
Com a decisão do STJ, o tempo para debates, que estava definido em 20 horas no total, será reduzido para nove horas. Pela configuração inicial, os debates teriam prazo de seis horas para manifestação da acusação (o MP) e igual prazo de seis horas para a defesa dos réus, o que daria uma hora e meia para cada um dos quatro. Depois, seriam quatro horas de réplica e idêntico tempo de tréplica — seria uma hora de tréplica para a defesa de cada réu.
O juiz responsável pelo júri da Kiss, Orlando Faccini Neto, decidiu que os debates teriam o tempo estendido por conta da quantidade de réus e da complexidade do caso. Foi uma tentativa do magistrado de conceder prazo considerado hábil para apresentação dos argumentos. Só que não há previsão legal para esse tempo no Código de Processo Penal, no artigo 477 e seus parágrafos, que normatizam a pauta.
A defesa de Hoffmann, liderada pelo advogado Mario Luis Lirio Cipriani, solicitou que o tempo dos debates ficasse atrelado aos regramentos do Código de Processo Penal. Como o STJ acatou o pedido, o júri da Kiss terá debates de duas horas e 30 minutos de manifestação da acusação, com igual período para as quatro defesas, o que resultará em 37,5 minutos para cada réu. A réplica e a tréplica serão de duas horas cada — cada uma das quatro defesas terá, portanto, 30 minutos na tréplica. O somatório, por essa fórmula, resultará em debates de nove horas, menos da metade do que o previsto inicialmente pelo juiz que vai presidir o júri.
O ministro-relator do caso no STJ, Rogerio Schietti Cruz, escreveu em seu voto: "Da análise do dispositivo citado, considerado o rigor formal do procedimento do júri, não verifico a possibilidade de, unilateralmente, o magistrado de primeiro grau estabelecer prazos diversos daqueles definidos pelo legislador, para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem. Na hipótese em que quatro réus serão levados a julgamento, aplica-se a regra do inciso segundo do artigo 477 do Código Penal. (...) Não deixo de louvar a decisão de origem, na qual o juiz, diante da excepcionalidade do processo, da singularidade do caso, com elevado número de imputações e a circunstância de serem quatro os acusados, estabeleceu um prazo maior para os debates orais, a fim de assegurar aos acusados o exercício do direito à plenitude de defesa, sem desconsiderar a paridade de armas. Entretanto, já tive a oportunidade de externar o entendimento de que, diante das peculiaridades do tribunal do júri, o fato de ter havido sustentação oral em plenário por tempo reduzido não implica, necessariamente, a conclusão de que o réu esteve indefeso".
A decisão do STJ desagradou o advogado Jean Severo, responsável pela defesa do réu Luciano Bonilha Leão.
— É lamentável o que aconteceu. O argumento do advogado é a palavra. Nós precisamos de tempo. Eu já nem sei qual a probabilidade desse júri sair, uma vez que fere a plenitude de defesa, do artigo 5º da nossa Constituição, inciso 38. Como é que eu vou trabalhar um processo de cem volumes em 37 minutos? É a vida de alguém que está em jogo? Já não garanto mais nada. É impossível. Não quero nem assunto com quem entrou com esse recurso — afirmou Severo.
O advogado Bruno Seligman de Menezes, que também atua na defesa de Hoffmann, explicou as motivações que os conduziram à estratégia acatada judicialmente de reduzir a extensão dos debates. Um dos entendimentos é de que o prazo alongado poderia levar os jurados à exaustão, trazendo risco de eventual suspensão do julgamento: "A preocupação da defesa com o longo tempo de debates sempre se deu em razão do fato de que a extenuação dos jurados poderia comprometer a própria higidez do julgamento. Não nos convém que o julgamento não termine. Pelo contrário, estamos ansiosos por um desfecho deste processo, seguros de que o tribunal do júri afastará a ideia do dolo eventual. Afora isto, por mais nobre que tenha sido pensada a ampliação do tempo dos debates, ela leva a uma falsa paridade de armas. A defesa trabalha não apenas com a certeza da inocência, mas também com a dúvida sobre a culpa. A ampliação do tempo fere o in dubio pro reo e, assim, a própria plenitude de defesa, cláusula pétrea da Constituição."
O júri da boate Kiss está marcado para começar em 1º de dezembro, em Porto Alegre. A previsão é de que, considerando todas as suas etapas, o julgamento estenda-se por cerca de 15 dias.
Os réus são Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Eles respondem por 242 homicídios simples, com dolo eventual, quando assume-se o risco de matar, e por 636 tentativas de homicídio. A tragédia da boate Kiss aconteceu em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria.