Em lados opostos no júri da boate Kiss, o Ministério Público (MP) e a defesa do réu Mauro Londero Hoffmann, sócio da casa de festas em Santa Maria, ingressaram com recursos judiciais distintos, mas cujos objetivos são os mesmos: reduzir o tempo dos debates, que consistem na última etapa do julgamento antes de os sete jurados serem chamados a dar seus votos na sala secreta.
Dada a complexidade do caso, o juiz Orlando Faccini Neto decidiu que os debates terão prazo de seis horas para manifestação da acusação (o MP) e igual prazo de seis horas para a defesa dos réus, o que dará uma hora e meia para cada um dos quatro. Depois, seriam quatro horas de réplica e idêntico tempo de tréplica. Isso somará 20 horas de debates.
Tanto o MP quanto a defesa de Hoffmann pretendem adequar o tempo ao que está previsto no Código de Processo Penal. Para um julgamento como o da Kiss, os debates teriam duas horas e 30 minutos de manifestação da acusação, com igual período para as quatro defesas, o que resultaria em 37,5 minutos para cada réu. A réplica e a tréplica teriam duas horas cada. O somatório, por essa fórmula, resultaria em debates de nove horas, menos da metade do que o previsto pelo juiz que irá presidir o júri, marcado para começar em 1º de dezembro.
O MP tem recursos em três esferas para tentar reduzir o tempo dos debates. Um deles é uma medida cautelar apresentada ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Depois, há medidas junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa de Hoffmann tentou reduzir o tempo dos debates com recurso junto ao TJ-RS, mas teve o expediente indeferido. Na sequência, apresentou um habeas corpus com o mesmo objetivo ao STJ. As medidas do MP e da defesa de Hoffmann aguardam decisão judicial.
— Entendemos que deve ser adotado para os debates o tempo previsto no Código de Processo Penal. Temos o receio de que debates tão longos possam comprometer o júri. Queremos restabelecer o que diz a lei — avalia o advogado Mario Luis Lirio Cipriani, da defesa de Hoffmann.
Via assessoria de imprensa do TJ-RS, o juiz Faccini Neto disse que não se manifestaria sobre os recursos do MP e dos advogados de Hoffmann. Em recente decisão judicial para definir detalhes e ritos do júri, ele abordou a excepcionalidade do julgamento para justificar a ampliação do tempo dos debates.
“A complexidade do caso, o elevado número de imputações e a circunstância de serem quatro acusados, tudo isso faz depreender que o período definido pelo artigo 477 e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, afigura-se escasso e, eventualmente, tende a comprometer, neste caso, a plenitude da própria defesa. É que as duas horas e meia determinadas pela lei de regência, a rigor, importariam em cerca de 37 minutos para a defesa de cada réu, o que, convenhamos, parece pouco, num caso com as nuances do presente”, registrou o magistrado, em decisão de 8 de setembro de 2021.
Dois réus não têm recursos pendentes
As defesas dos réus Marcelo de Jesus dos Santos, que era o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e do produtor de palco Luciano Bonilha Leão afirmaram não possuir recursos pendentes de julgamento no Caso Kiss.
— De nossa parte, não tem recurso nenhum. Estamos prontos para ir ao plenário — diz Jean de Menezes Severo, advogado de Leão.
O mesmo é assegurado por Tatiana Vizzotto Borsa, advogada de Santos. A defesa do réu Elissandro Callegaro Spohr, sócio da Kiss, encabeçada pelo advogado Jader Marques, disse que não comentaria sobre eventuais recursos. O TJ-RS informou que não localizou recursos de Spohr na 1ª Câmara Criminal, onde tramitam essas medidas para o Caso Kiss.
Em consulta processual no site do STJ, a reportagem localizou pelo menos 22 registros envolvendo Spohr. A maioria deles, contudo, já teve baixa definitiva ou trânsito em julgado. Restam pendentes de julgamento no STJ oito ações movidas por Spohr, sendo que elas versam sobre pautas como direito administrativo, responsabilidade civil e indenizações por dano moral e material.
O julgamento
O tribunal do júri está marcado para começar em 1º de dezembro, com sessões diárias, desde o período da manhã até a noite, a serem realizadas no plenário do segundo andar do Foro Central I, em Porto Alegre. A tendência é de que o julgamento se estenda por cerca de duas semanas, inclusive aos finais de semana.
O caso deverá se tornar o mais longo julgamento da história do Rio Grande do Sul. O júri será presidido pelo juiz Orlando Faccini Neto, titular do 2º Juizado da 1ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre.
Os quatro réus respondem por 242 homicídios simples consumados, proporcionais ao número de mortes na tragédia, com dolo eventual, quando se assume o risco de matar. Também pesa contra eles a acusação de terem cometido 636 tentativas de homicídio, referência ao quantitativo de feridos.
A tragédia da boate Kiss aconteceu na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, em uma festa frequentada por centenas de estudantes universitários.